Tenho dormido cedo. Evitei
notícias por uma semana. O pensamento não acontece de forma linear. Dois
problemas se misturam. A verdade do universo e a prestação que vai vencer. Mais
de um mês sem abraçar minha mãe. A NET cancelou minha internet. Eu odeio a NET.
A internet gratuita da NET funciona no meu apartamento. Eu amo a NET. Um mês
sem ver minha irmã. Um mês usando máscara. Doria e Covas falando todo dia.
Fiquem em casa. Bruno deixou de ser apenas o neto de Mário. Vê-lo lutando todo
dia enquanto tem câncer é um alento. Quatro anos do impeachment. Bruno votou a
favor. Que merda. O dia em que os bárbaros iniciaram o ataque à Roma. Dilma
caiu. Temer subiu. Depois caiu junto com Aécio. Os bárbaros se aproximam de
Roma. O chefe dos bárbaros elogia a tortura em programas de subcelebridades. Os
bárbaros cada vez mais perto. Lula é preso. Facada. Os bárbaros chegam à Roma.
O juiz que prendeu Lula vira funcionário do bárbaro-mor. Lula é solto. Tarde
demais. Quando exatamente se tornou tarde demais? Acho que faz tempo. Que Deus
tenha misericórdia desta nação. Não teve.
Lave as mãos com água e sabão.
Passe álcool gel. É difícil manter a mente sã. Bate Sol aqui das 7 às 11.
Precisamos de 15 minutos por dia. Metrô 2 vezes por semana. Enchendo. O rapaz
vende fone. Outro chocolate. Outro canta Bob Marley. O governo não os ajuda.
600 reais enrolados. O presidente queria dar 200. Morre gente todo dia.
Acontece. Voltem ao trabalho. 1 milhão vão morrer sem restrições. 44 mil vão
morrer se fizermos tudo certo. Morreram 2 mil. Faltam 42 mil se der tudo certo.
999998 se fizermos o que o presidente manda. Novecentos e noventa e nove mil
novecentos e noventa e oito. Novecentosenoventaenovemilnovecentosenoventaeoito.
Ummilhão. Números. Como convencer as pessoas a ficarem em casa? Pessoas não são
números.
Cinquenta e sete milhões
setecentos e noventa e sete mil oitocentos e quarenta e sete brasileiros
votaram no capitão. Saíram de casa num domingo e apertaram 17. Ditadura.
Tortura. Armas. Machismo. Xenofobia. Submissão. Religião. Mito. O genocídio
chegou mais rápido do que o previsto. Por quem dobram os sinos? Nenhum homem é
uma ilha. Um chinês comendo um morcego. O príncipe da Inglaterra. A mesma
doença.
Pedalada fiscal. Ainda não sei
bem o que é isso. Algo como atraso ao repasse de verbas do governo para o
público. Ou abertura de crédito suplementar sem a aprovação do Congresso. Sei
lá. Quando se quer culpar alguém, inventa-se um crime. Reforma no triplex do
Guarujá. O possível comprador não quis comprar. A reforma não aconteceu. Quando
se quer culpar alguém, inventa-se um crime. Moro na XP. Fraude fiscal. Guedes
na XP. Fraude fiscal. Quando se quer inocentar alguém, esconde-se o crime. O
juiz trabalhando com a acusação. Invenção de provas. Manipulação de áudios.
Quando se quer inocentar alguém, esconde-se o crime.
Temos que ficar em casa por nós.
E pelos outros. Individualismo. Como convencer a ficar em casa pelos outros se
só pensamos em nós. Mão invisível do mercado. Estado mínimo. Gastos públicos. Déficit
fiscal. CPFs com problemas. Burocracia. Filas. A sociedade não faz nada por
mim, por que devo fazer algo pela sociedade? Eu não faço nada pela sociedade,
por que ela deve fazer algo por mim?
“Agora estão me levando
Mas já é tarde.
Como eu não me importei com
ninguém
Ninguém se importa comigo.” B.
Brecht
“A história, Stephen disse, é um
pesadelo de que eu estou tentando acordar”. Carreatas na frente dos hospitais.
Gente morrendo dentro. Gente matando fora. Bandeira do Brasil. Ou ficar a
pátria livre ou morrer pelo Brasil. Ou ficar a pátria louca ou matar pelo
Brasil. Nacionalismo. Militarismo. Xenofobia. Todo mundo sabe onde isso dá.
“Os sonhos teus vão acabar
contigo.
O interesse pela vida austera
Irá desaparecer feito fumaça.
Então
Desejos e paixões irão murchar,
O mensageiro do céu não virá a
correr
Nem a juventude do ardente
pensar…
Para, meu amigo, de tanto sonhar,
Exime o entendimento de morrer.”
D. Kharms
Vontade de viajar. Não queria
mais. Agora quero. Conhecer Belém. A Chapada. Voltar pra Imbituba. A festa de
50 anos de casamento da minha tia ficou sei lá pra quando. O casamento do meu
amigo pra dezembro. “Para” no escrito. “Pra” no falado. Algum dia “pra” vai ser
aceito no escrito. Três quilos a menos. O próximo carnaval promete. O passeio
de bicicleta.
Cruzou o limite do inaceitável.
Trinta anos defendendo a tortura. Deveriam ter matado uns trinta mil, ele
disse. Prefiro um filho morto a um filho gay, ele disse. Só vagabundo recebe
bolsa família, ele disse. Aquele lá pesa não sei quantas arroubas, ele disse.
Vamos metralhar os petralhas, ele disse. As minorias têm que se submeter às
vontades da maioria, ele disse. Viva o cara que enfiava rato na vagina de
mulheres para obter delações, ele disse. O que pensar de quem acha que só agora
é inaceitável?
“Não amei bastante meu
semelhante,
não catei o verme nem curei a
sarna.
Só proferi algumas palavras,
melodiosas, tarde , ao voltar da
festa.
Dei sem dar e beijei sem beijo.
(Cego é talvez quem esconde os
olhos
embaixo do catre.) E na meia-luz
tesouros fanam-se, os mais
excelentes.
Do que restou, como compor um
homem
e tudo o que ele implica de
suave,
de concordâncias vegetais,
múrmurios
de riso, entrega, amor e piedade?
Não amei bastante sequer a mim
mesmo,
contudo próximo. Não amei
ninguém.
Salvo aquele pássaro -vinha azul
e doido-
que se esfacelou na asa do avião.”
Drummond
Capitão Nascimento enfiava a sacola
na cabeça do favelado. A plateia vibrava vendo aquilo na tela grande. O nariz
do torturado sangrava. O juiz mandou raspar a cabeça do político preso. Ele foi
para a solitária. Delírio entre os jornalistas. Qual o tamanho da cela em que
ele dorme? Sua refeição de hoje foi macarrão e salsicha. Delírio. O
apresentador de TV celebra cada morte. CPFs cancelados. O governador falou para
atirar na cabeça. Nove mortos em Paraisópolis. Gustavo Cruz Xavier, 14, Dennys
Guilherme dos Santos Franco, 16, Marcos Paulo Oliveira dos Santos, 16, Denys
Henrique Quirino da Silva, 16, Luara Victoria Oliveira, 18, Gabriel Rogério de
Moraes, 20, Eduardo da Silva, 21, Bruno Gabriel dos Santos, 22, e Mateus dos
Santos Costa, 23.
“Mulher, como você se chama? –
Não sei.
Quando você nasceu, de onde você
vem? – Nao sei.
Para que cavou uma toca na terra?
– Não sei.
Desde quanto está aqui escondida?
– Não sei.
Por que mordeu o meu dedo anular?
– Não sei.
Não sabe que não vamos te fazer nenhum
mal? – Não sei.
De que lado você está? – Não sei.
É a guerra, você tem que
escolher. – Não sei.
Esses são teus filhos? – São.”
Szymborska
Não tinha sal no mercado. O fornecedor
não entregou. Caminhoneiros ameaçam greve. Fila de carros nos postos. Chegou
gasolina. Intervenção Militar Já. 2015. Eles são a minoria, disse a jornalista.
A passeata tem crianças e idosos e transcorre pacificamente. Intervenção
Militar Já. 2016. Eles são a minoria, disse a jornalista. A passeata tem
crianças e idosos e transcorre pacificamente. Intervenção Militar Já. 2017. Eles
são a minoria, disse a jornalista. A passeata tem crianças e idosos e
transcorre pacificamente. 2018. Tocam as trombetas do Apocalipse. Gritos na
janela. Mito. Onde você estava quando a liberdade começou a ruir?
A Bolsa caiu com a chegada do fim
do mundo. As bolsas da Ásia caíram mais de 10%. Onde investir? As pessoas estão
comprando armas. O presidente e o juiz facilitaram a posse. Quem tentar roubar
meu sal vai levar chumbo. Oitenta tiros mataram Evaldo Rosa. Excludente de ilicitude,
disse o conje.
Aulas online. Zoom. Google Meet. Google
Hangout. Espelhar tela. Não sabia nada disso há um mês. Fila na
farmácia. Dipirona e AS estão em falta. Ligamos quando chegar. O remédio
secreto do astronauta. A substância secreta produzida no laboratório secreto. Mais
uma cura. Hidroxicloroquina. Fórmula: C18H26ClN3O. Massa molar: 335,872 g/mol.
Mais uma cura. Azitromicina. Mais uma cura. Doria comunista. Maia comunista.
Bill Gates comunista. Pronunciamento do presidente. A caixinha do remédio. Vamos
orar. Soam as panelas.
Parasita. O cheiro. Os pobres se
matando. No final, resolvem matar o rico. A vida no porão. Justus no navio.
Voltem ao trabalho, ele disse. Reforma Trabalhista. Informalidade. Vamos
crescer e gerar empregos. Não crescemos e não geramos empregos. É direito ou
emprego, disse o presidente. Reforma da Previdência. Vamos crescer e gerar
empregos. Não crescemos e não geramos empregos. É aposentadoria ou emprego,
disse o presidente. É vida ou emprego, diz ele agora. Vamos metralhar os
petralhas.
A cultura e o peido do palhaço.
Moraes Moreira morreu. Viúva Porcina não se manifestou. Acabou Chorare é foda.
O secretário ouvindo Wagner e imitando Goebbels. Faz só dois meses isso. É
difícil se concentrar. Reclamava que não tinha tempo. Agora tenho, mas não sei
o que fazer. Surto. Reflexões. O que seria da minha vida se tivesse seguido um
caminho diferente?
“O filho que não fiz
hoje seria homem.
Ele corre na brisa,
sem carne, sem nome” Drummond
Golfinhos em Veneza. Ar puro. A
romantização da tragédia. Prisão preventiva como instrumento de tortura. Vai
ficar preso até falar. O rato na vagina. O triunfo da ignorância. A violência
como solução. Não teremos o que fazer com esses respiradores depois, disse o
novo ministro. Como será nosso futuro? Mais um mês disso? Mais dois anos e meio
disso? Ciclos no Brasil costumam durar 20 anos. Mais vinte anos disso?
Escolhemos nosso destino. O que
teríamos sido? Não seremos. Somos isto. O filho que não fiz. O presidente que
não escolhemos. A presidenta que não derrubamos. As crianças que não matamos. A
renda que não distribuímos. Fome. Miséria. Doença. Tortura. Ignorância. Preconceito.
“Tu tens um medo:
Acabar.
Não vês que acabas todo o dia.
Que morres no amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que te renovas todo o dia.
No amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que és sempre outro.
Que és sempre o mesmo.
Que morrerás por idades imensas.
Até não teres medo de morrer.
E então serás eterno.” C. Meireles