Não há na história republicana do
Brasil um fenômeno político semelhante a Jair Bolsonaro. Ele é único e
original. Por isto é tão perigoso e desesperador. Ninguém sabe ao certo como
enfrentá-lo, embora seja bem previsível no que isto vai dar.
O sentimento que os fãs de
Bolsonaro têm por ele é religioso. A submissão é total. Ao contrário dos outros
líderes populares que o Brasil já teve, como Vargas e Lula, Bolsonaro não
entregou nenhuma melhora material em suas vidas. A vida de ninguém melhorou
graças a Bolsonaro, nem mesmo a dos mais ricos. O fascínio que Bolsonaro exerce
sobre estas pessoas é de caráter mais metafísico. Bolsonaro as libertou. Bolsonaro
libertou os imbecis, fez com que eles se sentissem valorizados, e por isto
estes imbecis estão dispostos a matar e morrer por ele.
Os imbecis se enxergam em Bolsonaro.
Todos tivemos Bolsonaros em nossa vida. O tio que falava merda, o colega de
trabalho que achava que a solução era matar todo mundo, o colega de escola que
fugia de livros, mas opinava sobre tudo. Bolsonaro deu a estas pessoas a
representação. É um prazer gigantesco para eles ver alguém com as
características do ex-capitão chegar ao topo. Eles passaram a vida estando
errados. De repente, sentem que estão certos. O ego inflou.
A imbecilidade se tornou
ideologia. Não importa qual o assunto, neste meio liderado pelo presidente vai
prevalecer sempre a opinião mais imbecil. A mamadeira de piroca. O kit gay. A
mudança de sexo em crianças. A doutrinação comunista nas faculdades públicas.
Nada disso existe. Bolsonaro “salvou” o mundo disso. Não importa que nada disso
exista. Lembre-se que, mesmo após termos ido ao espaço, ainda achamos que
existe um Senhor no céu que controla tudo que fazemos, que sabe o que pensamos
e vê o que fazemos, que nos mandará para o inferno se formos desobedientes, mas
que nos ama. O inferno. Não é tão difícil assim acreditar no capitão.
Toda a carreira de Bolsonaro é uma ode à
imbecilidade e à mediocridade. Capitão, foi afastado do exército por planejar
um atentado frustrado. Deputado por 28 anos, não entregou nenhum projeto
relevante, não participou de nenhuma comissão importante. Seu papel era ser a
voz dos frustrados e falar merda. Do
mesmo jeito que agora fala sem saber sobre a cloroquina, passou uma década
sendo o convidado polêmico de programas de subcelebridades. Não sabia nada
sobre nenhum assunto, mas opinava. Quase sempre com uma frase pronta que agradasse
o senso comum. O Bolsonaro da tela contentava o Bolsonaro do sofá, frustrado
por uma vida que não se realizou. O sucesso de Bolsonaro é o sucesso dessa
gente.
O capitalismo gera frustração.
Muito raramente somos o que queremos ser. A vida adulta é uma enorme decepção
se não fugirmos do ciclo imposto. O trabalho nos faz infelizes. O trânsito nos faz
infelizes. O casamento nos faz infelizes. A solidão nos faz infelizes. O medo
nos faz infelizes. Queremos comprar mais do que temos. Fazemos dívidas. Ficamos
no trabalho para pagar estas dívidas. Queremos uma casa maior. Queremos um
carro novo. Queremos ganhar mais para gastar mais. Odiamos nosso trabalho.
Odiamos nosso chefe. Odiamos nossa vida. Precisamos de um culpado. Que tal o
governo? Que tudo exploda.
Tudo explodiu. Bolsonaro foi
eleito sem prometer empregos, saúde, moradia ou qualquer melhora real na vida. Suas
promessas principais na campanha foram matar e expulsar a oposição, entrar em
guerra com a Venezuela, fazer as minorias se submeterem às maiorias, legalizar a
tortura, perseguir homossexuais, retirar direitos sociais e corromper a
democracia. Mais da metade do país votou neste projeto. Mais da metade do país se
dispôs a matar com Bolsonaro.
Uma boa parte desta mais da
metade se mostra também disposta a morrer por Bolsonaro. O crème de la crème da
imbecilidade. Você não morreria por seu libertador? Os imbecis morreriam. Se
outros vão morrer pela imbecilidade deles, não importa. Você não lembra das
promessas do presidente? Você acha mesmo que esta gente vai ser convencida a
ficar em casa porque pessoas vão morrer? Elas não deixaram isso claro na urna?
Talvez o único personagem histórico
brasileiro que possa ser comparado a Bolsonaro, por incrível que pareça, seja
Antônio Conselheiro. Ao menos no que se refere à ideia de que seus seguidores
estão dispostos a ir até o fim pelo líder. A diferença é que a “Nova Canudos”
não defende os direitos dos miseráveis e esfomeados. A “Nova Canudos” quer
criar o paraíso dos imbecis. Se a antiga Canudos foi massacrada pela elite pelas forças da elite do Sudeste, a "Nova Canudos" conta com o apoio desta mesma elite para massacrar.
Evangélicos compram com mais
facilidade o discurso de Bolsonaro. Não é diferente do discurso dos pastores e
também cria um sentimento de pertencimento a algo. Os imbecis se encontraram em
Bolsonaro e pela primeira vez sentem que têm razão. Ganhar uma eleição para
estas pessoas, afinal, é ter razão. Lutarão até a morte para continuarem tendo
razão. “Viva a cloroquina”.
Todos os dados possíveis
comprovam que o Brasil nunca foi tão bom quanto no período entre 1994 e 2014.
Avançamos em todas as áreas possíveis, com estabilidade democrática. Mostrar
dado para imbecil é tão infrutífero quanto questionar a fé de alguém. Citar ciência
para os imbecis é perda de tempo. Eles triunfaram achando. E vão continuar
achando.
O Brasil não soube enxergar
Bolsonaro como o inimigo a ser batido. Que pena. Pessoas como ele só saem do
poder depois de muita destruição. Quem não conhece a história tende a repetir
seus erros. Não acho que algo como ele já tenha acontecido. A história se
repete, primeiro como tragédia, depois como farsa. Não acho que algo como ele
já tenha acontecido. Vivemos a tragédia.
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