quarta-feira, 15 de abril de 2020

A imbecilidade como religião



Não há na história republicana do Brasil um fenômeno político semelhante a Jair Bolsonaro. Ele é único e original. Por isto é tão perigoso e desesperador. Ninguém sabe ao certo como enfrentá-lo, embora seja bem previsível no que isto vai dar.
O sentimento que os fãs de Bolsonaro têm por ele é religioso. A submissão é total. Ao contrário dos outros líderes populares que o Brasil já teve, como Vargas e Lula, Bolsonaro não entregou nenhuma melhora material em suas vidas. A vida de ninguém melhorou graças a Bolsonaro, nem mesmo a dos mais ricos. O fascínio que Bolsonaro exerce sobre estas pessoas é de caráter mais metafísico. Bolsonaro as libertou. Bolsonaro libertou os imbecis, fez com que eles se sentissem valorizados, e por isto estes imbecis estão dispostos a matar e morrer por ele.
Os imbecis se enxergam em Bolsonaro. Todos tivemos Bolsonaros em nossa vida. O tio que falava merda, o colega de trabalho que achava que a solução era matar todo mundo, o colega de escola que fugia de livros, mas opinava sobre tudo. Bolsonaro deu a estas pessoas a representação. É um prazer gigantesco para eles ver alguém com as características do ex-capitão chegar ao topo. Eles passaram a vida estando errados. De repente, sentem que estão certos. O ego inflou.
A imbecilidade se tornou ideologia. Não importa qual o assunto, neste meio liderado pelo presidente vai prevalecer sempre a opinião mais imbecil. A mamadeira de piroca. O kit gay. A mudança de sexo em crianças. A doutrinação comunista nas faculdades públicas. Nada disso existe. Bolsonaro “salvou” o mundo disso. Não importa que nada disso exista. Lembre-se que, mesmo após termos ido ao espaço, ainda achamos que existe um Senhor no céu que controla tudo que fazemos, que sabe o que pensamos e vê o que fazemos, que nos mandará para o inferno se formos desobedientes, mas que nos ama. O inferno. Não é tão difícil assim acreditar no capitão.
 Toda a carreira de Bolsonaro é uma ode à imbecilidade e à mediocridade. Capitão, foi afastado do exército por planejar um atentado frustrado. Deputado por 28 anos, não entregou nenhum projeto relevante, não participou de nenhuma comissão importante. Seu papel era ser a voz dos frustrados e falar merda.  Do mesmo jeito que agora fala sem saber sobre a cloroquina, passou uma década sendo o convidado polêmico de programas de subcelebridades. Não sabia nada sobre nenhum assunto, mas opinava. Quase sempre com uma frase pronta que agradasse o senso comum. O Bolsonaro da tela contentava o Bolsonaro do sofá, frustrado por uma vida que não se realizou. O sucesso de Bolsonaro é o sucesso dessa gente.
O capitalismo gera frustração. Muito raramente somos o que queremos ser. A vida adulta é uma enorme decepção se não fugirmos do ciclo imposto. O trabalho nos faz infelizes. O trânsito nos faz infelizes. O casamento nos faz infelizes. A solidão nos faz infelizes. O medo nos faz infelizes. Queremos comprar mais do que temos. Fazemos dívidas. Ficamos no trabalho para pagar estas dívidas. Queremos uma casa maior. Queremos um carro novo. Queremos ganhar mais para gastar mais. Odiamos nosso trabalho. Odiamos nosso chefe. Odiamos nossa vida. Precisamos de um culpado. Que tal o governo? Que tudo exploda.
Tudo explodiu. Bolsonaro foi eleito sem prometer empregos, saúde, moradia ou qualquer melhora real na vida. Suas promessas principais na campanha foram matar e expulsar a oposição, entrar em guerra com a Venezuela, fazer as minorias se submeterem às maiorias, legalizar a tortura, perseguir homossexuais, retirar direitos sociais e corromper a democracia. Mais da metade do país votou neste projeto. Mais da metade do país se dispôs a matar com Bolsonaro.
Uma boa parte desta mais da metade se mostra também disposta a morrer por Bolsonaro. O crème de la crème da imbecilidade. Você não morreria por seu libertador? Os imbecis morreriam. Se outros vão morrer pela imbecilidade deles, não importa. Você não lembra das promessas do presidente? Você acha mesmo que esta gente vai ser convencida a ficar em casa porque pessoas vão morrer? Elas não deixaram isso claro na urna?
Talvez o único personagem histórico brasileiro que possa ser comparado a Bolsonaro, por incrível que pareça, seja Antônio Conselheiro. Ao menos no que se refere à ideia de que seus seguidores estão dispostos a ir até o fim pelo líder. A diferença é que a “Nova Canudos” não defende os direitos dos miseráveis e esfomeados. A “Nova Canudos” quer criar o paraíso dos imbecis. Se a antiga Canudos foi massacrada pela elite pelas forças da elite do Sudeste, a "Nova Canudos" conta com o apoio desta mesma elite para massacrar.
Evangélicos compram com mais facilidade o discurso de Bolsonaro. Não é diferente do discurso dos pastores e também cria um sentimento de pertencimento a algo. Os imbecis se encontraram em Bolsonaro e pela primeira vez sentem que têm razão. Ganhar uma eleição para estas pessoas, afinal, é ter razão. Lutarão até a morte para continuarem tendo razão. “Viva a cloroquina”.
Todos os dados possíveis comprovam que o Brasil nunca foi tão bom quanto no período entre 1994 e 2014. Avançamos em todas as áreas possíveis, com estabilidade democrática. Mostrar dado para imbecil é tão infrutífero quanto questionar a fé de alguém. Citar ciência para os imbecis é perda de tempo. Eles triunfaram achando. E vão continuar achando.
O Brasil não soube enxergar Bolsonaro como o inimigo a ser batido. Que pena. Pessoas como ele só saem do poder depois de muita destruição. Quem não conhece a história tende a repetir seus erros. Não acho que algo como ele já tenha acontecido. A história se repete, primeiro como tragédia, depois como farsa. Não acho que algo como ele já tenha acontecido. Vivemos a tragédia.

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