Há
uma classe de pessoas denominada isentões. Ser isento é um adjetivo, por si
só, definidor, porém eu acho que o termo isentão foi criado para destacar
pessoas que evitam escolher um lado mesmo que motivos para o contrário caiam em
suas cabeças. É muito complicado manter um pé em cada canoa na descida do rio,
você quer os bônus de cada lado e também que se julgar livre para criticar
ambos.
Um caso que se tornou chacota, embora eu tenha
extremo respeito pela figura na história, é o de Marina Silva. Marina foi
declarada de extremo centro, tamanha a isenção em suas falas e dubiedade nas
suas ações. Marina é incapaz de responder uma questão diretamente, parece a
todo momento navegar nas duas canoas. Uma vez perguntada se era de direita, de
esquerda ou de centro, Marina respondeu que estava à frente.
Uma marca de todos os isentões envolvidos na
política dos últimos anos é colocar Bolsonaro e Lula como iguais de lados
opostos, bem como seus apoiadores. O jornal O Estado de São Paulo publicou em
2018, pouco antes do segundo turno, o editorial mais vexatório possível e que
até hoje é revisitado. O texto UMA ESCOLHA MUITO DIFÍCIL queria demonstrar como
seria complicada a decisão do eleitorado nacional ao escolher entre Fernando
Haddad, professor universitário, advogado, mestre em economia e doutor em
filosofia, e o deputado Jair Bolsonaro, militar. Um ano e meio depois do
editorial jornalistas do Estadão foram agredidos em um ato pró Bolsonaro em
Brasília.
Colocar Bolsonaro e Lula no mesmo balaio é sempre
uma tática para dizer não possui lado, de que o seu partido é o Brasil, que não
tem político de estimação. Chegamos, então, ao personagem principal do texto. O
apresentador Luciano Huck tuitou nessa semana o seguinte:
“Assustador. Duas das principais autoridades do
país seguem frias na semana que vms chegar a 20 mil mortos. Sensibilidade zero.
Nenhuma palavra de carinho c/ as famílias vítimas da pandemia. Um preocupado c/
o tamanho do Estado. O outro c/ a tubaína. O Brasil está descoordenado”.
Bolsonaro fez uma piada com cloroquina e tubaína,
seguida de riso frouxo. Lula quis dar ênfase à importância do Estado para a
população. Luciano Huck tratou de colocar esses dois aspectos no mesmo tuite.
Assustador mesmo, Luciano.
O apresentador global está há anos construindo a
sua imagem pública baseado no assistencialismo televisivo. Ele foi muito bom em
construir a imagem de que ajuda as pessoas, quando na verdade compra histórias
de pessoas paupérrimas para garantir 30, 40 ou 60 minutos de audiência, dando
em troca uma reforma no carro, na casa, ou um prêmio qualquer em dinheiro. Eu
costumo dizer que é muito difícil encontrar a caridade pura, já que se você faz
o bem mas o conta para uma pessoa sequer estará tentando lucrar algo com
aquilo, mesmo que seja apenas afeto ou reconhecimento. O Caldeirão do Huck
possui dois objetivos: gerar lucro e criar a imagem perfeita do apresentador
caridoso. No caso de Luciano é assim, lucro e caridade cabem sim no mesmo
tuite.
A abordagem de Lula sobre a importância do Estado
é necessária simplesmente pelo fato de estarmos em uma pandemia, e de que 75%
da população depende exclusivamente do SUS. O Sistema Único de Saúde é
realmente singular, já que está pronto para atender 210 milhões de habitantes,
bem como qualquer estrangeiro em nosso território. Isso é incomparável no
mundo.
A afirmação da saúde como primordial para a
população brasileira na Constituição de 1988, com a posterior criação do SUS, é
uma conquista de importância incalculável para o bem estar social. Estamos em um
momento de avanço dos serviços privados sobre os públicos. Seja na saúde, na
educação, nos bancos ou na segurança, o sucateamento do Estado é o objetivo dos
conglomerados para empurrar goela a baixo a solução particular. Luciano é um
liberal convicto, pensa que o Estado exige demais das pessoas através da
cobrança de impostos, assim como eu penso. No meu caso, entretanto, acredito
que os impostos sobre o consumo devem ser mitigados em prol dos impostos sobre
fortunas e grandes heranças. Luciano é contra mais impostos sobre grandes
fortunas e sobre heranças, afinal é herdeiro e rico. O pensamento liberal do
apresentador é de tornar o Brasil um grande Caldeirão, onde os ricos ficam com
as grandes receitas de publicidade enquanto os pobres recebem migalhas, após
concluírem alguma gincana pitoresca.
Huck tem realmente uma relação de amor e ódio com
o Estado. Em 2003 a sua pousada em Fernando de Noronha foi interditada pelo
Ibama. Em 2007 foi acusado de outro crime ambiental pela prefeitura de Angra
dos Reis e foi obrigado a paralisar a construção do seu deck, da sua garagem de
barcos e da sua praia artificial, porém um ano depois foi beneficiado por um
decreto do Sérgio Cabral que alterava a legislação ambiental, decreto que ficou
conhecido como “Lei Luciano Huck”. Os advogados de Huck trabalhavam no
escritório de Adriana Anselmo, esposa de Cabral. Em 2013 o liberal Huck
adquiriu um empréstimo de 17 milhões de reais do BNDES, com juros de 3% ao ano,
para comprar um jatinho particular. Está aí o Estado criando problemas e soluções
para a vida do pobre milionário.
Até os isentões precisam se posicionar algumas
vezes. Marina Silva declarou voto em Haddad na escolha muito difícil de 2018,
já Luciano Huck, no mesmo cenário, disse: “Eu não voto no PT, eu nunca votei no
PT e eu não vou votar no PT”.
Qual será o plano de saúde da família Huck?
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