Luiz
nasceu no interior de uma região pobre do Brasil em 1945. Antes mesmo de
nascer, seu pai já abandonou a mãe e os filhos. Aos 7 anos, sua mãe migrou com
os filhos para o sul do país em um pau-de-arara, meio de transporte
extremamente precário e até hoje usado por aqueles que tentam a difícil viagem.
Chegando em São Paulo, a mãe de Luiz descobriu que seu marido tinha formado uma
outra família, mudando-se com seus filhos para um cômodo apertado atrás de um
bar. Ainda aos 7 anos, Luiz começou a trabalhar vendendo laranjas na região
portuária de Santos. O pai de Luiz não acreditava na educação, era de uma
geração que acreditava que isto era “frescura” e que a criança deveria começar
a trabalhar cedo. Como punição por estudar, o pai de Luiz o obrigava aos domingos,
já a partir dos 7 anos, a ir para a região de mangues catar caranguejo e cortar
lenha. Aos 12 anos, Luiz começou a trabalhar em uma tinturaria. Saia cedo para
ir a frente de outra empresas engraxar sapatos. Aos 14, conseguiu seu primeiro
emprego de carteira assinada em um armazém. Aos 16 anos, foi obrigado a abandonar
a escola, mas conseguiu realizar um curso de torneio mecânico, conseguindo em
seguida seu primeiro emprego em uma siderúrgica, produzindo parafusos. Foi
nesta siderúrgica que, aos 19 anos, sofreu o acidente que lhe custou um dedo. Ajudando
um colega do turno noturno, teve o dedo esmagado por uma prensa. Não pode ir ao
médico na hora do acidente, pois teve que esperar o dono da empresa chegar.
Entre empregos e subempregos, Luiz se filiou ao Sindicato dos Metalúrgicos em
1968, decisão que mudaria a história da sua vida e do país. Também em 1968
conheceu sua primeira esposa, com quem se casaria no ano seguinte. Em 1971,
Luiz teria seu primeiro filho, mas veio uma grande tragédia. Sua esposa
contraiu hepatite no oitavo mês de gravidez. Cada vez que ia ao hospital
público, Luiz e esposa recebia a notícia de que era contração normal, que
deveriam esperar em casa. Esposa e bebê morreram. Procurando algum sentido para
continuar, Luiz entrou de cabeça na vida sindical, assumindo em 1972 seu
primeiro cargo de diretoria. Assumiu a diretoria de Previdência Social e FGTS.
Tornou-se presidente do sindicato em 1975, liderando a partir de 1977 as
grandes greves do ABC, primeiro movimento popular de massa de contestação ao
regime militar desde o AI-5. Luiz foi preso e perdeu o cargo no sindicato, mas
decidiu com companheiros e intelectuais fundar o primeiro partido de massa
relevante da história do país, o Partido dos Trabalhadores. Era a primeira vez
que um partido relevante era fundado no Brasil, um partido que não tinha origem
dentro do próprio sistema político. Em 1983, o Partido de Luiz comandaria a primeira
manifestação pedindo eleição direta, o que culminaria no grande movimento pelas
Diretas Já no ano seguinte e no fim do Regime Militar em 1985. Luiz tinha então
40 anos.
Enzo
completou 40 anos em 2021. Nascido numa família rica de SP em 1981, Enzo estudou
em escolas particulares e desde cedo frequentou cursos de judô e aulas de violão.
Aos 7 anos fez sua primeira viagem à Disney. Era 1989, viajar para os EUA era
difícil, mas a mãe de Enzo se sentia confortável ao deixar o Brasil e visitar o
que ela chamava de civilização. Neste mesmo ano, Luiz do parágrafo anterior
teve a audácia de tentar concorrer ao cargo de presidente da República, mas o pai
de Enzo e seus amigos não permitiu que isto acontecesse. Enzo teve uma
adolescência tranquila, viajando para a Disney mais 2 vezes, aos 10 e aos 13
anos, esta última para comemorar o aniversário de 15 anos da irmã mais velha,
Valentina. Aos 16 anos, os pais de Enzo decidiram que o Brasil não era capaz de
dar uma educação suficiente para alguém como o seu garoto de ouro, então ele
fez um intercâmbio de seis meses no Canadá, onde aprendeu a fazer coisas que
nunca tinha feito e que não voltaria a fazer quando voltasse para o Brasil,
como arrumar o quarto e limpar a casa. De volta aos 17, sem saber muito bem que
rumo seguir na vida, Enzo decidiu que queria ser publicitário, como o pai.
Seria fácil conseguir um emprego de diretoria graças aos contatos do pai. Foi
assim que Enzo ingressou numa cara e renomada universidade particular de São
Paulo. Aos 21 anos, Enzo conseguiu seu primeiro estágio. Eram 4 horas por dia
no escritório de um conhecido da mãe, mas Enzo ficou apenas por 6 meses. Aos
22, decidiu que era hora de adquirir ainda mais experiência de vida e resolveu fazer
um mochilão de um ano pelo mundo. Aperfeiçoou seu inglês, andou de transporte
público, foi nas melhores baladas eletrônicas do planeta e acumulou acusações
de assédio. De volta ao Brasil, resolveu que era hora de empreender. Usou o
dinheiro do pai para tentar três negócios, nenhum deles deu muito certo. A
culpa, dizia Enzo, era do governo opressor, naquela época liderado pelo Luiz do
primeiro parágrafo. Este Luiz resolveu fazer um governo que focasse na distribuição
de renda, e Enzo e sua família não gostavam de pagar muitos impostos para que
outros Luizes tivessem as chances que Luiz não teve. Os luxos de Enzo começaram
a ficar cada vez mais caros, era cada vez mais difícil achar uma Luiza que
recebesse pouco para limpar o banheiro de Enzo e vários Luizes começaram a
entrar nas universidades públicas, algo que Enzo não conseguiu. Aos 32 anos,
Enzo assumiu a diretoria da empresa de publicidade do pai, cargo que exerce até
hoje. Aos 34, Enzo começou a se envolver mais com política, entrando em
movimentos que pediam a prisão de Luiz e a diminuição de impostos. O objetivo
era voltar ao mundo pré-Luiz, onde o Luiz sabia qual era seu lugar.
Como
já está claro, Enzo odeia Luiz. Costuma dizer que acha Luiz um vagabundo que
nunca gostou de trabalhar. Também diz que Luiz não sabe falar, mesmo que este
tenha se destacado pela arte da oratória. Repete que Luiz gosta de vida fácil.
Disse isso e foi aplaudido pelos amigos na mesa do bar em Moema, enquanto pediam
mais uma rodada de cerveja artesanal. Trinta e cinco reais a garrafa paga Enzo
pela cerveja que descobriu na última viagem pela Europa. Olha o nome do garçom
e vê que ele também se chama Luiz. Tem um sotaque igual ao do Luiz que ele
tanto odeia. Fica feliz. Pede para ele abrir a garrafa e elogia a forma como ele
serve a bebida alegremente. Vai deixar 10 reais de caixinha. Sente-se bem dando caixinha. "Faço a minha parte", pensa Enzo. A conversa
continua animada na mesa. O Luiz garçom vai reencontrar Enzo no mesmo dia. Luiz
trabalha à noite fazendo entregas de bicicleta. Enzo não quis ir ao mercado
naquele dia. Recebe as compras, mas não reconhece Luiz. A esperança de Luiz por
uma vida melhor se chama Luiz. Enzo fará o que pode para manter Luiz fora do
poder e para garantir que Luiz receba cada vez menos. Esta é a batalha que
vivemos.
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