Após
muito tempo de luta, o ex-juiz alcançou seu objetivo. Chegou lá. Já no primeiro
dia de mandato realizou seu sonho. Primeiro dia, o primeiro decreto. Assim que
tomou posse. Decretada, finalmente, a Prisão após Condenação em Segunda
Instância. Ó, quanta alegria. Fome, miséria, inflação, desemprego, pandemia.
Mas o ex-juiz conseguiu convencer, com o apoio dos cúmplices de sempre, que o
maior problema era a não possibilidade de Prisão após Condenação em Segunda
Instância. Fez até uma cerimônia para entrega do decreto. Os cúmplices
apareceram saltitando na TV. Sonho realizado.
O
ex-juiz fez questão de assinar as primeiras prisões após a nova lei.
Teoricamente não pode mais mandar gente para a cadeia, mas se o ex-juiz não
precisava cumprir a lei quando era juiz, imagine agora que é líder supremo?
Mandar gente para a cadeia é a única coisa que ele sabe fazer, aliás. Não foi
eleito pelos seus dons políticos e econômicos. Quem quisesse isto que votasse
em político, afinal. Quem votou em quem bota gente na cadeia quer gente na
cadeia, afinal.
Afinal.
O ex-juiz conseguiu convencer o país. O nosso maior problema é falta de gente
na cadeia. O resto é consequência. Pôr gente na cadeia era sua mostra de
produtividade. Na época em que era juiz, quando precisava mostrar que era
eficiente, falava quanta gente tinha colocado na cadeia. Pessoas enjauladas.
Números. Produtividade. No mesmo Pacote Anticrime, com maiúscula, colocou um
bônus financeiro para juízes que batessem a meta de prender gente. Um
incentivozinho. Também tranquilizou policiais com o excludente de ilicitude. Se
não der para prender, mate. Ou melhor, quando for na periferia, se não der para
matar, prenda.
Um
mês se passou e o ex-juiz olhava para o horizonte pela janela do Palácio.
Sentia-se vazio. Foi tanto tempo focado na Prisão em Segunda Instância que não
sabia mais ao certo pelo que lutar. Foi aí que veio a ideia. Chegou a hora de
lutar pela Prisão após Condenação em Primeira Instância. Sim! Como não pensara
nisto antes? Dá pra pôr mais gente na cadeia e mais rápido. Bandido não vai ter
vez. E lá recomeçou o ex-juiz sua nova campanha. Seus súditos e cúmplices saudaram
a nova ideia, vibraram. Passeatas. Moralismos. Aprovação. Aumento na
produtividade.
Um
mês se passou e o ex-juiz olhava para o horizonte pela janela do Palácio.
Sentia-se vazio. Foi tanto tempo focado na Prisão em Primeira Instância que não
sabia mais ao certo pelo que lutar. Foi aí que veio a ideia. Chegou a hora de
lutar pela Prisão sem Condenação. Sim ! Como não pensara nisto antes? Dá pra
pôr mais gente na cadeia e mais rápido. Esse papo de direito à defesa é coisa
de quem defende bandido. Presunção de inocência? Bobagem. O cidadão de bem quer
andar tranquilo na rua e para isso tem que pôr bandido na cadeia. Se prender inocente,
acontece. E lá recomeçou o ex-juiz sua nova campanha. Seus súditos e cúmplices saudaram
a nova ideia, vibraram. Passeatas. Moralismos. Preconceitos. Aprovação.
Um
mês se passou e o ex-juiz olhava para o horizonte pela janela do Palácio.
Sentia-se vazio. Foi tanto tempo focado na Prisão sem julgamento que não sabia
mais ao certo pelo que lutar. Foi aí que veio a ideia. Chegou a hora de lutar
pela Liberdade apenas após a Absolvição em Primeira Instância. Sim ! Como não
pensara nisto antes? Dá pra pôr mais gente na cadeia e mais rápido. Ninguém
mais leva este lance de presunção de inocência a sério mesmo. E todo mundo é
culpado de alguma coisa mesmo. Para que denúncias? Basta fuçar. Prende e depois
descobre o porquê. Exigir uma denúncia estava atrapalhando o combate à impunidade,
assim disse o ex-juiz na televisão, para
festa de seus cúmplices e súditos. Junto com esta lei, passou uma outra que
permite o uso legal dos presidiários como mão-de-obra escrava. Assim eles poderão
devolver a sociedade tudo que eles consomem enquanto estão enjaulados. A Bolsa
de Valores subiu com a proposta do ex-juiz. Usar mão-de-obra escrava vai atrair
novos investimento, disse o economista da XP, que também comemorou a ausência
de burocracia que desinchou o Estado e permitiu que mais gente pudesse ser
presa e aproveitada pela turma da Faria Lima. Várias start-ups investindo em
presídios privados começam a surgir e aplicativos de caça a presos surgem. O
governo cria uma nova lei de incentivo a indicação de possíveis presos. Quem
fizer pouco ponto e não contribuir será preso. Ou melhor, não será solto. Preso
já estamos todos.
Um
mês se passou e o ex-juiz olhava para o horizonte pela janela do Palácio.
Sentia-se vazio. Foi tanto tempo focado na Liberdade após Absolvição em
Primeira Instância que não sabia mais ao certo pelo que lutar. Foi aí que veio
a ideia. Chegou a hora de lutar pela Liberdade apenas após a Absolvição em Segunda
Instância. Sim ! Como não pensara nisto antes? Muita gente estava conseguindo
sair da cadeia após a primeira absolvição. Não, isto não pode ! É preciso criar
uma nova barreira para impedir que a turma saia da cadeia muito fácil só porque
é inocente. Não pode. Tem que passar por uma nova instância. Para impedir novas
impunidades, o ex-juiz conseguiu aprovar o fim da Defensoria Pública. Essa
turma só servia para encher o saco. Conseguiu aprovar também uma nova lei que
transforma desemprego em crime. A Bolsa de Valores vibrou com mais este sinal
do governo.
Um
mês se passou e o ex-juiz olhava para o horizonte pela janela do Palácio.
Sentia-se vazio. Foi tanto tempo focado na Liberdade após Absolvição em
Segunda Instância que não sabia mais ao certo pelo que lutar. Foi aí que veio
a ideia...
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