segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

Liberdade após Absolvição em Segunda Instância

 


Após muito tempo de luta, o ex-juiz alcançou seu objetivo. Chegou lá. Já no primeiro dia de mandato realizou seu sonho. Primeiro dia, o primeiro decreto. Assim que tomou posse. Decretada, finalmente, a Prisão após Condenação em Segunda Instância. Ó, quanta alegria. Fome, miséria, inflação, desemprego, pandemia. Mas o ex-juiz conseguiu convencer, com o apoio dos cúmplices de sempre, que o maior problema era a não possibilidade de Prisão após Condenação em Segunda Instância. Fez até uma cerimônia para entrega do decreto. Os cúmplices apareceram saltitando na TV. Sonho realizado.

O ex-juiz fez questão de assinar as primeiras prisões após a nova lei. Teoricamente não pode mais mandar gente para a cadeia, mas se o ex-juiz não precisava cumprir a lei quando era juiz, imagine agora que é líder supremo? Mandar gente para a cadeia é a única coisa que ele sabe fazer, aliás. Não foi eleito pelos seus dons políticos e econômicos. Quem quisesse isto que votasse em político, afinal. Quem votou em quem bota gente na cadeia quer gente na cadeia, afinal.

Afinal. O ex-juiz conseguiu convencer o país. O nosso maior problema é falta de gente na cadeia. O resto é consequência. Pôr gente na cadeia era sua mostra de produtividade. Na época em que era juiz, quando precisava mostrar que era eficiente, falava quanta gente tinha colocado na cadeia. Pessoas enjauladas. Números. Produtividade. No mesmo Pacote Anticrime, com maiúscula, colocou um bônus financeiro para juízes que batessem a meta de prender gente. Um incentivozinho. Também tranquilizou policiais com o excludente de ilicitude. Se não der para prender, mate. Ou melhor, quando for na periferia, se não der para matar, prenda.

Um mês se passou e o ex-juiz olhava para o horizonte pela janela do Palácio. Sentia-se vazio. Foi tanto tempo focado na Prisão em Segunda Instância que não sabia mais ao certo pelo que lutar. Foi aí que veio a ideia. Chegou a hora de lutar pela Prisão após Condenação em Primeira Instância. Sim! Como não pensara nisto antes? Dá pra pôr mais gente na cadeia e mais rápido. Bandido não vai ter vez. E lá recomeçou o ex-juiz sua nova campanha. Seus súditos e cúmplices saudaram a nova ideia, vibraram. Passeatas. Moralismos. Aprovação. Aumento na produtividade.

Um mês se passou e o ex-juiz olhava para o horizonte pela janela do Palácio. Sentia-se vazio. Foi tanto tempo focado na Prisão em Primeira Instância que não sabia mais ao certo pelo que lutar. Foi aí que veio a ideia. Chegou a hora de lutar pela Prisão sem Condenação. Sim ! Como não pensara nisto antes? Dá pra pôr mais gente na cadeia e mais rápido. Esse papo de direito à defesa é coisa de quem defende bandido. Presunção de inocência? Bobagem. O cidadão de bem quer andar tranquilo na rua e para isso tem que pôr bandido na cadeia. Se prender inocente, acontece. E lá recomeçou o ex-juiz sua nova campanha. Seus súditos e cúmplices saudaram a nova ideia, vibraram. Passeatas. Moralismos. Preconceitos. Aprovação.

Um mês se passou e o ex-juiz olhava para o horizonte pela janela do Palácio. Sentia-se vazio. Foi tanto tempo focado na Prisão sem julgamento que não sabia mais ao certo pelo que lutar. Foi aí que veio a ideia. Chegou a hora de lutar pela Liberdade apenas após a Absolvição em Primeira Instância. Sim ! Como não pensara nisto antes? Dá pra pôr mais gente na cadeia e mais rápido. Ninguém mais leva este lance de presunção de inocência a sério mesmo. E todo mundo é culpado de alguma coisa mesmo. Para que denúncias? Basta fuçar. Prende e depois descobre o porquê. Exigir uma denúncia estava atrapalhando o combate à impunidade,  assim disse o ex-juiz na televisão, para festa de seus cúmplices e súditos. Junto com esta lei, passou uma outra que permite o uso legal dos presidiários como mão-de-obra escrava. Assim eles poderão devolver a sociedade tudo que eles consomem enquanto estão enjaulados. A Bolsa de Valores subiu com a proposta do ex-juiz. Usar mão-de-obra escrava vai atrair novos investimento, disse o economista da XP, que também comemorou a ausência de burocracia que desinchou o Estado e permitiu que mais gente pudesse ser presa e aproveitada pela turma da Faria Lima. Várias start-ups investindo em presídios privados começam a surgir e aplicativos de caça a presos surgem. O governo cria uma nova lei de incentivo a indicação de possíveis presos. Quem fizer pouco ponto e não contribuir será preso. Ou melhor, não será solto. Preso já estamos todos.

Um mês se passou e o ex-juiz olhava para o horizonte pela janela do Palácio. Sentia-se vazio. Foi tanto tempo focado na Liberdade após Absolvição em Primeira Instância que não sabia mais ao certo pelo que lutar. Foi aí que veio a ideia. Chegou a hora de lutar pela Liberdade apenas após a Absolvição em Segunda Instância. Sim ! Como não pensara nisto antes? Muita gente estava conseguindo sair da cadeia após a primeira absolvição. Não, isto não pode ! É preciso criar uma nova barreira para impedir que a turma saia da cadeia muito fácil só porque é inocente. Não pode. Tem que passar por uma nova instância. Para impedir novas impunidades, o ex-juiz conseguiu aprovar o fim da Defensoria Pública. Essa turma só servia para encher o saco. Conseguiu aprovar também uma nova lei que transforma desemprego em crime. A Bolsa de Valores vibrou com mais este sinal do governo.

Um mês se passou e o ex-juiz olhava para o horizonte pela janela do Palácio. Sentia-se vazio. Foi tanto tempo focado na Liberdade após Absolvição em Segunda Instância que não sabia mais ao certo pelo que lutar. Foi aí que veio a ideia...


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