sábado, 4 de dezembro de 2021

Manter a lucidez numa era de loucura coletiva

 


Neste ano eu descobri que existe uma coisa chamada Baile de Gala do Met. Eu realmente me sinto envergonhado quando sinto que sou a única pessoa que não conhece algo. Foi assim no dia do Baile. De repente todo mundo estava falando sobre um assunto que eu não fazia a menor ideia do que era. Na hora pus no Wikipedia e descobri que todo ano tem este baile com um monte de celebridade de todo tipo que doa sei lá quanto para o Met para participar deste baile. E tipo todo mundo que é famoso nestes países ricos vai. É tipo um investimento. Tem desde 1973. Aprendi isto tipo em dois minutos. Já era o suficiente para saber o que estava acontecendo. O único ano em que não teve o Baile do Met foi 2020, não preciso dizer o motivo. Mas 2021 ele estava lá. De volta ao normal. O velho normal. A pandemia tinha acabado. Mas não acabou. Achávamos que era só pintar vacina e pronto. Especialmente nos países ricos. No começo de 2021 se vacinam os países ricos, da metade de 2021 para frente os países de “classe média”, depois os pobres. Já estava tudo pronto para imagens dos ricos bondosos ajudando os pobres depois de se protegerem. Ninguém levava em conta a burrice. Nada é mais perigoso do que burro rico. É muito difícil convencer um americano burro de que ele é burro. Ele é rico, ele trabalha e ele tem uma arma. Se ele não quer tomar a vacina, não vai tomar a vacina é pronto. “Ninguém manda em mim”, diz ele desde a juventude em que ouvia rock ruim. Algo parecido acontece com o europeu burro. No fundo eu acho que o medo que esta turma tem de imigração é um pouco isso. Eles têm medo que pessoas de outros lugares descubram que eles são burros. Normalmente os lugares que são contra imigração são aqueles que não recebem imigrantes. Nova Iorque, Londres, Berlim, nenhum desses lugares tem medo de imigrantes. A coisa muda no Texas ou na Hungria. Lugares que não gostam de imigrantes tem uma proporção maior de pessoas que não tomam vacinas. A correlação é direta.

Eu não entendo absolutamente nada sobre Bitcoins. Nada. Sou um péssimo administrador de finanças. Tornei-me pior desde 2018. Sei lá, eu converso às vezes com estes caras que mexem com isto e eles são totalmente reféns das ações que compram. Eles estão o tempo todo pensando nisso e o mundo deles gira em torno disso. Quando aconteceu a tragédia de Brumadinho, a primeira coisa que eles pensaram foi na queda das ações da Vale. A primeira coisa que eles pensaram quando um maníaco psicopata foi eleito é que as ações das empresas públicas iriam subir porque entre a ameaça de matar um e de torturar o outro ele disse que ia privatizar a Petrobrás. O ex-juiz tá fazendo a mesma coisa. Chega pra essa turma e diz “meu, você vai ganhar muito dinheiro e tal” e pronto. Às vezes acho que a turma do Bitcoin faz a mesma coisa. Um fala pro outro que conta para outro outro e assim a coisa vai indo. Não tem a menor lógica esse lance de moeda virtual. Mas pelo jeito teve gente que ganhou muito dinheiro com isso. Quem tá no poder são esses caras, que enchem o cu de grana sem produzir nada. Acho que no fundo eles têm muito medo de que descubram, aí eles criam estas figuras tipo o capitão ou o juiz. Porque não é possível que isto pinte do nada.

Acho que a coisa a que mais me dediquei nesta pandemia foi ao aprendizado da língua grega. Não deu muito certo, passei com uma nota medíocre, mas consegui manter a mente ocupada em algo impossível enquanto desistia do mundo. No ápice do seu poder, Atenas sucumbiu a uma pandemia que durou 40 dias. Em 40 dias, tudo foi pro saco, tipo 1/3 da população morreu, acabou o império. Quando a galera viu que não tinha nada a fazer, resolveu não fazer nada. Tocou o terror, tocou o puteiro. Ao menos eles não sabiam o que tinha que ser feito. Nós sabemos, mas não fazemos mesmo assim. Atenas era uma cidade concentrada, enquanto Esparta era uma região de campo, as pessoas viviam mais longe. O vírus se espalhou em Atenas, mas não tanto em Esparta. As pessoas achavam que era punição do deuses. Ah, os deuses. Zeus tocava o terror. Punia sem dó. Fulminou Sêmele porque esta ousou olhá-lo. Arrancou seu feto e terminou sua gestação na sua coxa, gerando Dionisio, o deus da tragédia. É tipo nosso Deus. Muita filhadaputagem querer que um pai sacrifique um filho. E essas pragas no Egito, então. Ou me obedece ou morre. Não tem como uma sociedade com um deus destes prosperar. Uma hora vai dar merda.

O terrivelmente evangélico chegou lá. Mentiu pra caralho no Senado. Mas muito pra caralho. Tipo, outro conceito de pra caralho. E o que acho bizarro é que eles nem mentem bem. Não é que são uns caras tipo era o Maluf. São uns caras que gaguejam. Basta, sei lá, dar um google, e você já desmascara estes caras na hora. Em dois minutos eu descobri tudo sobre o Baile do Met, em trinta segundos dava pra jogar na cara do terrivelmente evangélico que ele tava mentindo. Mas não. Ele disse que era a favor de um estado laico. Tava mentindo. Tava na cara. Tipo menos de meia hora depois de ser aprovado ele já falou que ia julgar para os evangélicos. É todo mundo muito burro.

Essa turma acha que é corajosa. Essa turma que não toma vacina. Se você trocar ideia com eles vai ver que eles tão se achando muito fodas. Eles estão enfrentando o estado opressor. Enfrentando o sistema. Se por acaso alguém que não toma vacina passar por aqui, vai tomar no cu. Mas acho que ninguém vai passar. Mas fica a mensagem.

Estão aparecendo uns Bolsonaros por aí. No Chile apareceu um que foi pro segundo turno. Aparentemente vai perder, mas sei lá. A turma do bitcoin e do Baile de Gala estão colocando as fichas nele. É a mesma lengalenga que aqui. Vai matar todo mundo, mas vai respeitar o teto de gastos. Falou que vai construir um muro no Chile para impedir a entrada de imigrantes ilegais. Sim, no Chile. O Chile é uma merda, mas tem quem tá mais na merda. E quem tá na merda não costuma ser muito solidário com quem tá mais na merda. A República Dominicana construiu um muro para impedir haitianos de entrarem lá. Esse pedaço de terra é nosso. Fiquem no de vocês. É todo mundo muito burro. E filhodaputa.

Manter a lucidez numa era de loucura coletiva. É bem difícil. Embarcar na doideira é muito mais fácil. “Irmão, o demônio fode tudo ao seu redor, pelo rádio, jornal, revista e outdoor. Te oferece dinheiro, conversa com calma, contamina seu caráter, rouba sua alma. Depois te joga na merda sozinho”. Vou comprar bitcoins e viajar para o México. Lá não tem quarentena. A primeira vítima da Covid no Brasil foi uma empregada doméstica. Pegou a doença da patroa, que tinha acabado de ir para a Europa. Já tinha a pandemia, mas não dava para desmarcar a viagem. Correu o risco. Rezou uma missa. Deve ter contratado outra empregada no lugar. É muito difícil convencer um rico burro de que ele é burro. É mais difícil ainda convencê-lo de que ele é um filhodaputa. O filhodaputa não acorda, olha no espelho e pensa “bom dia, filhodaputa”. Se pá ele até reza. Que Deus proteja os Bitcoins. O rico burro não se convence que é burro mesmo quando a burrice aparece. Depois do capitão, ele inventa o juiz. Se não der com eles, vai o apresentador de TV. E assim vamos. Lembro do Justus criticando o lockdown porque disse que não dava para fechar a economia por causa de uns cinco ou sete mil mortos. Até hoje foram seiscentos e quinze mil cento e setenta e nove. Se não fosse o lockdown meia boca, sabe-se lá quantos seriam. Nunca saberemos quantas vidas foram salvas. E este é uns dos problemas. Sei lá, se um ônibus estiver prestes a te atropelar e alguém se jogar na frente, você sabe que foi salvo. No caso da pandemia, não. E lembre-se que todo mundo é muito burro. A galera não acredita em vacina.

Durante a pandemia comecei a ter plantas. Um desses hobbys de pandemia. Sou apaixonado pela planta da foto. Apaixonado. Ela é muito feia. E fica feia mesmo quando está bonita. Resolvi não mexer nas ervas daninhas. Resolvi ver onde o caos a leva. Ela sobrevive. Sem nenhum cuidado. As folhas caem, a planta fica pelada. Mas de repente, do nada, elas renascem. E não tem muito esta de estações com ela. Ela simplesmente é. Claro que deve ter uma explicação. Mas resolvi não ir atrás. Hoje as folhas começaram a renascer. Por algum motivo há esperança. Não quero saber o porquê, mas ela renasce. Algumas coisas não precisam ter sentido. O bitcoin, a burrice. Mas também a minha planta. 

 


Nenhum comentário:

Postar um comentário