Uma
constante da história da humanidade é a atrocidade. E uma constante sobre a
atrocidade é que normalmente aquele que comete a atrocidade justifica a sua
atrocidade argumentando que foi vítima de uma atrocidade anterior e que a sua
atrocidade serve para impedir uma atrocidade posterior.
Na
Iugoslávia dos anos 1940, tínhamos sérvios mais próximos da Rússia e bósnios-croatas
mais próximos da Alemanha. Quando os alemães invadiram o país, coube
basicamente a bósnios e croatas a missão de realizar uma limpeza étnica na
região. Conseguiram. Aproximadamente metade da população sérvia foi assassinada
durante o conflito. Por uma sorte do destino, porém, o líder do movimento de
libertação dos sérvios era um croata, o marechal Tito. Com sua liderança,
conseguiu impedir a revanche sérvia quando a guerra acabou. Veio a paz, que durou
enquanto durou Tito. Com a morte do marechal, movimentos nacionalistas croatas
e bósnios floresceram e bastou uma pessoa oportunista chegar ao poder na Sérvia,
Slobodan Milosevic, para que o medo se instalasse entre os sérvios. A
independência de Croácia e Bósnia foi vista como uma possibilidade de repetição
da atrocidade dos anos 1940. E com o medo veio a força para a realização da
nova atrocidade.
Em
geral aquele que comete a atrocidade se sente uma vítima enquanto a comete. A
atrocidade é um ato de justiça. O Holocausto judeu. Uma enorme atrocidade.
Desde a fundação de Israel, em maior ou menor força, o Holocausto é a força motriz
para a realização de todas as atrocidades cometidas pelo Estado. E para que
esta força funcione bem, é importante que se realize uma gradação de
atrocidades. O Holocausto tem que ser considerado a atrocidade maior, pois se toda
a atrocidade for menor basicamente toda a atrocidade é justificada.
E
muito difícil fazer uma gradação de atrocidades. Principalmente porque a
atrocidade que sofremos será para nós sempre a atrocidade maior.
Aproximadamente 3.000 pessoas morreram nos ataques terroristas de 11/09/01 em
Nova Iorque. Uma atrocidade. Esta atrocidade serviu como justificativa para que
os americanos invadissem o Iraque, ocasionando uma guerra que gerou aproximadamente
1.000.000 de mortos. Uma atrocidade. Qual atrocidade foi maior, a que causou
3.000 de mortos ou a que causou 1.000.000 de mortos? A resposta parece óbvia,
mas pergunte a um americano.
A
paz é algo muito difícil, pois quase toda paz é injusta. Vamos pegar a situação
entre Israel e Palestina. Imagine que amanhã se assine um acordo de paz. O que
sentirá a mãe israelense que teve um filho assassinado no ataque de 07/10 do
Hamas no caso do assassino de seu filho não ser punido? Sentirá uma grande
injustiça. O que sentirá a mãe palestina que teve um filho assassinado pelas
forças israelenses no caso do assassino do seu filho não ser punido? Sentirá
uma grande injustiça. A paz exige perdão e este perdão exige uma coragem extrema.
Em 1990, Nelson Mandela saiu da prisão após 27 anos decidido a fazer a paz.
Para conseguir esta paz, mostrou-se disposto a não punir os muitos criminosos
da era do apartheid. Um grau de injustiça enorme. Coloquemo-nos no lugar de uma
pessoa que teve a vida massacrada pelo regime do apartheid e que não viu seus
opressores sendo punidos pelo crime. Imagine o sentimento de injustiça. Só funcionou
porque havia Mandela. Mandela era capaz de olhar no olho desta pessoa
massacrada e falar “Olha, eu me fodi também. Eu passei 27 anos trancafiado numa
jaula. Se eu estou sendo capaz de passar por cima disto, você também consegue”.
Nenhuma
pessoa neste conflito parece menos interessada na paz do que Benjamin
Netanyahu. O primeiro-ministro israelense fez sua carreira boicotando toda
tentativa de acordo de paz com os palestinos. Vendendo a seus eleitores a ideia
de que a criação do estado palestino é injusta para o povo israelense. Desde a
atrocidade de 07/10 vem cometendo todo tipo de atrocidade possível. E tudo registrado.
Está acontecendo na frente dos nossos olhos. Netanyahu já DISSE, sim, ele já
DISSE que seu objetivo é tirar os palestinos daquele região e ocupá-las com
israelenses. Isto está dito. Para ele é fundamental que siga existindo a gradação
de atrocidades que coloca o Holocausto no topo.
Lula
em nenhum momento negou ou diminuiu o Holocausto. O que ele fez foi colocar a
atrocidade contra os palestinos no mesmo grau. E isto choca Netanyahu, porque
esta gradação de atrocidades é fundamental na manutenção de seu ciclo de atrocidades.
Uma verdadeira máquina de mentiras entrou em ação. Lula foi acusado de “negar o
Holocausto”. Tornou-se pessoa non grata em Israel. Não importa que o governo
brasileiro tenha desde o primeiro dia condenado o ataque do Hamas. Netanyahu
precisa de submissão total. Netanyahu mente sobre a fala de Lula e a usa como distração. A distração é fundamental para que as atrocidades sigam acontecendo.
O
governo brasileiro tenta desde o dia 1 trabalhar pela paz. Não deu certo. Todas
as reuniões da ONU seguem terminando 13x1. Este 1 é dos EUA, que seguem
rejeitando todas as tentativas de cessar-fogo. Não sei como será se um dia
ficar 14x0. O governo israelense não se mostra muito disposto a respeitar
decisões da ONU. Segue achando normal que um estado adote táticas semelhantes
às de um grupo terrorista.
Em
1993, Yitzhak Rabin e Yasser Arafat deram as mãos naquele que prometia ser o
momento da paz na região. Rabin foi assassinado dois anos depois. Netanyahu
chegaria ao poder na eleição seguinte, prometendo desfazer o acordo de paz.
Conseguiu. A paz exige coragem. Coisa que Netanyahu não tem. Cresceu prometendo
atrocidades. É isto que consegue entregar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário