Eu
realmente acredito que podemos analisar o grau de evolução civilizatória de um
povo ela forma como ela trata os seus presidiários. Sociedades que são capazes
de não desumanizar a figura do presidiário, que são capazes de dar-lhes decência
e oportunidades de arrependimento e reinserção, que não os usam como válvula de
escape para ódios cotidianos são mais civilizadas em todos os aspectos.
Nesta
semana tivemos no Brasil a aprovação pelo Congresso do fim das “saidinhas”. O
próprio uso deste termo já mostra como o assunto foi manipulado, tratado com
deboche. Presos podiam sair em alguns feriados específicos para visitar
parentes. Natal, Páscoa, não sei mais quais. Algo como 95% dos presidiários que
saiam voltavam sem problema. Os 5% que não voltavam eram um dos argumentos
necessários para que aqueles que lucram com a desumanização da figura do
presidiário convencessem uma boa parcela da população a se revoltar contra o
assunto. A mídia sempre fez questão de enfatizar os abusos cometidos por estes
5% e de criar títulos sensacionalistas como “Suzanne Richtofen sai da cadeia no
dia das mães”. Bom, deu certo.
É
muito importante voltarmos à década de 1990 para entendermos a construção da
barbárie que vivemos hoje e que está sendo um pouco atenuada pela saída
provisória do bolsonarismo do poder central. Muita coisa que nos levou ao caos
começou lá. A campanha midiática de ódio à classe política é uma delas. “O
político não faz nada”, “eu pago meus impostos”, etc., tudo isto fez a carreira
de um tipo de reacionarismo estilo Marcelo Tas, algo mais intelectualizado, que
a partir do CQC na década seguinte convenceria jovens idiotas e despolitizados
que ser idiota e despolitizado era inteligente. Um outro tipo de reacionarismo
midiático viria com programas como “Aqui Agora” ou os do apresentador Ratinho,
que simplesmente tratavam todo tipo de barbárie como entretenimento. A
violência e o medo eram utilizados para atrair pessoas à frente da televisão,
para vender bugigangas e para transformar figuras medíocres em justiceiros da população.
Celso Russomano está aí até hoje.
O
medo devora almas. O ódio devora almas. O ser com medo não pensa. O cidadão que
“não sabe se seu filho vai voltar para casa hoje à noite” não pensa. Não tem
mais alma. Perdeu a capacidade de sentir empatia por uma pessoa que passa a
vida dentro de uma cela. Perdeu a capacidade de enxergar que aquela pessoa é um
ser humano, perdeu a capacidade de enxergar no sofrimento que ela sofre algo
que pertence à humanidade. Para ele, o presidiário deve apenas sofrer. Sofrer
cada vez mais. Como se o sofrimento do presidiário tornasse a sociedade melhor,
evitasse crimes e o fizesse se sentir mais seguro. Sinto muito. O fim da “saidinha”
não tornará a sociedade melhor, não evitará crimes e não fará o “cidadão de bem”
se sentir mais seguro. O que acontecerá é que este “cidadão de bem” vai
procurar outras saídas. Algo que faça o presidiário sofrer ainda mais. Que tal
trabalho escravo? Que tal tortura? Que tal pena de morte? Duas grandes
características humanas são raciocínio e empatia. O medo e o ódio do “cidadão
de bem” já devoraram isto. No lugar há algo ainda a ser nomeado. Como
reumanizar um ser desumanizado? Não sei, o reumanizado não geraria tanto
dinheiro assim.
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