segunda-feira, 30 de novembro de 2015

A picaretagem de José Serra

 

No domingo 29/11 o senador José Serra publicou a foto acima da Avenida Paulista fechada para carros com o seguinte texto:
“Infelizes são os paulistanos! Dilma na presidência e Haddad na prefeitura. Vocês sabiam que os níveis de despreparo para governar de ambos se equivalem? Somos infelizes ao quadrado!
Hoje, domingo, fui visitar um amigo que mora perto da Avenida Paulista. A avenida foi fechada pelo prefeito, para lazer. E fica vazia, obviamente. No entorno dela, congestionamentos monumentais. Na ida, demorei meia hora para cruzar a Paulista. Na volta, mais quarenta minutos para sair do engarrafamento. Pensando bem a comparação com Haddad é injusta para Dilma.”
O texto é de uma picaretagem ímpar e mostra o quanto a má fé de um político pode jogar o nível de um debate lá embaixo.
Choveu muito em São Paulo neste dia. Muito. Caiu o mundo. E José Serra sabe disso. Diz estava visitando um amigo na região no dia e reclamou do trânsito. Podia ter ido de metrô, seria mais rápido. Mas independente disso, ele viu o que estava acontecendo na cidade e sabia o motivo da Paulista estar vazia. O Parque do Ibirapuera provavelmente estava vazio também. O senado quis usar isto para obter ganhos políticos. Não digo apenas que ele beirou o ridicularidade com este post, ele foi ridículo.
Tenho um grande respeito pela história José Serra. Vítima de duas ditaduras, construiu uma carreira política sólida. No seu período como ministro da Saúde, implementou o projeto dos genéricos que deveria ter a sua importância mais reconhecida do que é. O próprio PSDB não toca neste assunto, por algum motivo nunca vi Aécio falando sobre isto na eleição do ano passado. A quebra das patentes e a distribuição de remédios para os portadores de HIV foi elogiada em todo o mundo. Como governador de SP, adotou no metrô um projeto que havia sido implantado com sucesso pela prefeitura petista na capital, o bilhete único. Mostrava-se acima de picuinhas partidárias.  Este Serra, no entanto, parece não existir mais. O que existe é uma figura triste, disposta a usar qualquer tipo de picaretagem intelectual para ferir adversários políticos.

Fui à Paulista algumas vezes desde que começou este projeto e o que encontro é a apropriação daquele terreno por todo tipo de pessoa querendo se divertir. O espaço dos carros se transformou, num dia por semana, em local de entretenimento. São Paulo precisa de lazer e qualidade de vida. Qualquer pessoa tem liberdade para ser contrária a este projeto. Mas se o for, que o faça de jeito sério. Com este post, duvido que o senador Serra tenha ganho algum voto. O que fez foi prejudicar o debate sobre o assunto e manchar sua biografia. No próximo domingo, se for visitar de novo seu amigo, deveria ir de transporte público naquela região, é bem mais rápido. E se não estiver caindo o mundo como ontem, poderia passar na Paulista. Verá algo assim.

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

O PSEUDO INTELECTUAL PATRIOTA.


Temos várias pessoas no Brasil que sentem a necessidade de parecer que pensam fora da caixa, que têm uma visão única do mundo e que suas posições sobre diversos assuntos são revolucionárias e capazes de abrir a mente dos outros. Eu chamo de pseudo intelectuais. Dependendo da sua opinião eu serei um pseudo intelectual no final desse texto. Tudo bem, pode ser até verdade.

A última enxurrada de opiniões é sobre qual tragédia chorar. Estamos discutindo se é mais válido se entristecer por uma tragédia na França ou uma tragédia aqui em Minas Gerais. Vejo publicações nas redes sociais condenando a forma com que os brasileiros estão tratando a o ataque terrorista, colocando fotos de perfil com as cores da bandeira francesa ou compartilhando a súplica “pray for Paris”.
Os que questionaram o fato de que os outros estão mais preocupados com os franceses do que com os brasileiros não estão dando nenhuma aula de solidariedade e, muito menos, de amor ao próximo. Quantificar atrocidades é banalizar a morte e os supostos pensadores desse tipo de doutrina se colocam em um pedestal intelectual e social em que certamente não estão.

Comparar a tragédia de Paris com os atentados na Síria faz total sentido, por exemplo. Senti essa necessidade de "medir tragédias" quando analisei a cobertura da imprensa internacional sobre o atentado ao Charlie Hebdo e as atrocidades provocadas pelo Boko Haram na cidade de Baga (Nigéria), sendo que neste último a Anistia Internacional contabiliza em torno de 2 mil mortos. A diferença é que neste caso a revolta era mais com a imprensa do que com a população em geral.

O rompimento da barragem em Minas Gerais foi resultado de má gestão e negligência. Não existiu uma pessoa que propositalmente explodiu a barragem para prejudicar a cidade e seus habitantes. Foi um acidente em que 11 pessoas morreram de forma estúpida e a evitável, uma cidade foi destruída e milhares de famílias ficaram desabrigadas. A fauna e a flora da região levarão décadas para serem reconstruídas. Lamentável.

A comoção em torno do caso de Paris está baseada na clara vontade de um ser humano tirar a vida de outro. É a comprovação da falha da vida em sociedade, é a total descrença em um mundo melhor, pacífico ou tolerável. Atentados terroristas não devem ser comparados com acidentes nunca. O que os idiotas patriotas devem entender é que a divisão territorial é apenas uma linha imaginaria entre os países, que não importa se a tragédia é Mariana, em Paris ou em Baga, o que importa é que são vidas humanas desperdiçadas e SEMPRE um ato terrorista será mais grave que um acidente, pois o terrorismo poda a nossa esperança. O terror nos machuca física, mental e moralmente, abre feridas e mágoas que não curam.
Nem sempre pensar significa estar no lado oposto ao da maioria. Costumo dizer que nada é pior que o novo religioso e o novo ateu, já que os 2 acreditam que acabaram de descobrir uma verdade que os imbecis não enxergam. A necessidade de se expressar a qualquer custo faz com que as pessoas pensem de forma simplória e imediatista.

Ouvi nos últimos três dias todos os tipos de opiniões sem sentido que se possa imaginar. Há os que multiplicaram por 40 o número de mortos em Mariana apenas para basear sua tese ridícula. Outros se manifestaram com frases como: “Tanto valor para um país que nem conhecem”, “200 pessoas na boate Kiss e eu não vi ninguém em Paris chorando”. Tem gente fazendo relação dos refugiados sírios com o atentado.
Matar pessoas, seja lá quantas forem, com o objetivo de impor e calar é um crime contra a humanidade e a liberdade, não contra um parisiense.

Chore por Paris, chore por Baga, chore por Mariana. Esqueça as linhas do mapa.



Abaixo alguns tipos de absurdos vergonhosamente publicados:




quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Nizan Guanaes e o fracasso do empresariado nacional



Nizan Guanaes possui uma coluna na Folha de São Paulo. Quem acompanha o blog sabe que ela já foi assunto num texto anterior. Esta coluna é baseada em textos otimistas e autobajuladores, típicos de um publicitário. Guanaes usa técnicas de venda e não há nenhum espaço para reflexão. Sua última coluna é essa http://www1.folha.uol.com.br/colunas/nizanguanaes/2015/11/1704220-atacar-os-problemas.shtml#_=_ e o autor tenta apresentar o capitalismo como salvação para os problemas nacionais, assumindo o empresariado o papel de salvador e o governo o papel de vilão neste teatro inventado.
O empresariado brasileiro é, em geral, incompetente. Digo em geral porque é óbvio que neste mar de mediocridade que impera em nosso empresariado há pessoas capazes. Mas, em geral, é composto por pessoas incompetentes. Neste texto farei esta generalização tendo isto em mente.
 O principal motivo, a meu ver, do mau estado de boa parte das empresas nacionais não está no governo e sim na má gestão delas. Nosso empresariado é individualista, mimado, arrogante e completamente incapaz de realizar qualquer tipo de autocrítica. Mais do que isto, tenta inventar falácias intelectuais em que seus interesses de classe se tornam interesses nacionais, devendo ser defendidos mesmo por aqueles que não fazem parte da mesma camada social. Guanaes, por exemplo, ataca as nossas leis trabalhistas, “enraizadas nos anos 30, que dificultam a criação de empregos”. Na linguagem do autor, a principal função do empresário é criar empregos e esta é a hipocrisia empresarial que mais me incomoda. A principal meta do empresário é ganhar dinheiro e não há nada de errado nisso. O erro está em vender a ideia de que a finalidade é criar empregos, quando na verdade é o lucro. Se uma pessoa como Guanaes puder trocar 10 empregados por uma máquina para manter seu bônus anual o fará, sem pensar nas consequências.
Um exemplo claro da má gestão das empresas brasileiras é o estados das companhias aéreas. Nossas passagens são caras e o serviço costuma ser muito ruim, mas mesmo assim os aviões estão quase sempre lotados. Elas recebem milhões em incentivos governamentais e, mesmo assim, estão quase quebradas. Outro exemplo é nossa indústria automobilística. Nossas cidades têm um trânsito infernal e mesmo assim esta indústria recebia milhões em subsídios para entupir ainda mais nossas capitais de veículos. Este lucro irreal ia em boa parte para os bônus dos gestores destas companhias que, a partir do momento em que deixaram de receber estes subsídios, passaram a demitir. Não há pensamento no longo prazo, o que se quer é garantir o bônus do final de ano.
Guanaes e o empresariado adotam uma retórica que eu já critiquei em um texto anterior, que é a de que o trabalhador deve ser grato ao patrão que lhe dá a chance de trabalhar, conceito que existe, a meu ver, como resquício do período de escravidão. A frase mais forte do texto de Guanaes, a meu ver, é “Quem constrói uma empresa constrói empregos e riqueza. Quem constrói uma empresa constrói um país.” Guanaes está errado. A única coisa capaz de gerar riqueza é o trabalho, sendo o trabalhador responsável pela geração da própria riqueza e de um adicional que será repassado ao seu patrão. Sendo assim, a riqueza do trabalhador é fruto do seu próprio esforço, enquanto a riqueza do patrão é resultado do esforço de outras pessoas. A lógica seria que o patrão tivesse gratidão pelo trabalhador, e não o inverso. Mas a lógica está corrompida, em parte pelo trabalho de fraude intelectual cometido pelo empresariado e comprado por um grande número de trabalhadores oprimidos que sonham em assumir o papel de opressores.
Nosso empresariado, especialmente os que compõem este grupo e são da minha geração, possui pouca cultura. São pessoas com poucas experiências de vida, formadas principalmente em viagens inúteis sustentadas pelos pais na juventude e em cursos de MBA pouco produtivos. São acostumados apenas à bajulação e não entendem que é no confronto de ideias que está a raiz para o conhecimento. Não querem aprender nada, querem apenas ensinar, mesmo não tendo muito o que dizer. Tente um dia ter uma conversa com um pouco mais de conteúdo com um deles e você verá o que acontece.
Este grupo é incapaz de realizar qualquer tipo de autocrítica e encontrou no governo o bode expiatório perfeito para todas as suas desgraças. A culpa nunca é sua, é sempre de alguém, este é o lema. Vejo CEOs de empresas bancadas pelo BNDES e que têm estatais como grandes clientes pregando um liberalismo em que o governo deve apenas dar subsídios, sem cobrar impostos. Nunca veremos, por exemplo, uma pessoa como Guanaes criticando os gastos milionários da Petrobrás em publicidade e questionando qual o sentido de uma estatal monopolista gastar tanta verba nisso.
O plano para transformar o governo em inimigo e o empresariado em salvação está dando certo. Vejo cada vez mais pessoas de classe média usando o adesivo de um pato amarelo e dizendo que não aguentam mais pagar impostos. Vejo estas mesmas pessoas financiando apartamentos minúsculos usando um banco estatal e sendo maltratadas diariamente por um chefe arrogante, mas mesmo assim acham que a salvação do país está neste e não naquele. 
A valorização do individualismo e da meritocracia faz parte deste processo de idolatria ao empresariado. Você deve supervalorizar qualquer conquista medíocre obtida e se sentir uma pessoa especial por qualquer motivo. A meritocracia nos ensina que temos o que merecemos, que quem tem mais merece mais e quem tem menos merece menos. Assim sendo, o empresário é rico porquê "merece" e tudo é fruto apenas de um esforço pessoal, não tendo importância alguma tudo o que veio antes de nós. Mas duvido que muitos empresários tenham estudado sociologia. Mais uma inversão da lógica, uma vez que numa sociedade capitalista a sua importância está na quantidade de dinheiro que você faz girar, e não na sua importância. Ou alguém discute que qualquer professor tem uma importância social muito maior do que um publicitário como Guanaes? A meritocracia faria sentido se estivesse relacionada à importância social da pessoa, mas não está.
A crise brasileira é uma crise de modelo. A ideia de que o bem-estar está unicamente ligado ao consumo deveria ser questionada. Discutimos muito o PIB e quase nada o IDH. Mas não é o que acha Guanaes. Ele acha que precisamos de mais capitalismo. O exemplo grego em seu texto mostra que para ele só há uma solução para esta crise. Aprofundá-la. Assusta-me o número de pessoas que concordam com isso. 
No mês passado a agência África de Guanaes se envolveu numa polêmica. Uma foto de toda sua equipe mostrava apenas pessoas brancas e muitos questionaram o fato de uma empresa com este nome só ter funcionários brancos. Guanaes e o empresariado brasileiro querem ensinar o país a melhorar. Deveriam começar olhando um pouco para as próprias empresas.

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

A desigualdade racial no Brasil



A primeira etapa para a solução de um problema é o seu diagnostico. Alexandre Garcia num edital do Bom Dia Brasil há uma ou duas semanas negou a existência do racismo no Brasil até a criação das cotas raciais em universidades. Segundo ele, foram estas cotas criaram a divisão racial no Brasil. Desta forma, em sua visão, o problema não existia, é recente. Boa parte do seu público provavelmente acreditou. Numa sociedade em que a reflexão perde para o impulso e o texto foi subjugado pelo poder da imagem, não existe tempo para pensar. Precisa-se de alguém que faça isso pela maioria inerte e Alexandre Garcia cumpre este papel. Assume a posição de especialista que diz o que se deve pensar e concluir sobre um assunto. Não há espaço para debate em uma sociedade com pressa na realização de atividades inócuas e medrosa.
Sou um típico brasileiro branco de classe média, cercado em boa parte de pessoas brancas de classe média com típicos empregos de classe média. Boa parte delas são incapazes de enxergar que quase todos os seus colegas são brancos, que quase todos os seus chefes são brancos, que quase todos os restaurantes que frequentam só possuem pessoas brancas, assim como shoppings, casas noturnas, bares etc. E boa parte acredita que não há racismo no Brasil. E boa parte acredita na meritocracia. Em que momento perdeu-se a capacidade de pensar e de enxergar com o mínimo de reflexão o mundo que cerca?
O individualismo nos cega. O conceito propagado de meritocracia faz com que supervalorizamos qualquer conquista medíocre obtida e que achemos que ela é apenas fruto de algo conceituado como esforço pessoal. A falta de estudo de sociologia nas escolas na minha geração ajudou a criar uma geração egoísta que é incapaz de enxergar que somos frutos não apenas de nossas ações individuais, mas de tudo que aconteceu no nosso passado. Há todo um aparato intelectualmente fraudulento disposto a tornar o indivíduo cada vez mais arrogante e mesquinho. Para este tipo de indivíduo, basta um exemplo de sucesso (quase sempre o Pelé) para desqualificar qualquer tentativa séria de abordagem deste assunto. Não há choque com a violência causada pela desigualdade, o maior esforço é em negá-la, na maioria das vezes desqualificando a relação entre pobreza e cor da pele.
A escravidão foi o maior e mais importante crime já cometido no Brasil. Suas raízes permanecem vivas até hoje, 127 anos após o seu fim. Gerou uma desigualdade óbvia, mas “invisível” diante de uma geração incapaz de pensar observando o que está a sua volta. O primeiro passo para enfrentarmos esta questão é a aceitação que ela existe. Isto exige reflexão e noção de que há algo mais importante do que o próprio umbigo.
Tratar os desiguais de forma igual aumenta a desigualdade. Isto é um princípio jurídico e econômico. A população negra sofreu um crime perpetrado por um modelo econômico de séculos passados do qual fez parte o Estado brasileiro. Nenhum brasileiro vivo tem hoje alguma culpa por aquilo. Mas somos todos culpados se continuarmos incapazes de enxergar as consequências deste crime na nossa sociedade atual e se nada fizermos para consertá-la. O primeiro passo é o diagnóstico do que vemos e não notamos. A cumplicidade silenciosa também é criminosa, fruto da forma banal como enxergamos as injustiças à nossa volta.
As cotas raciais são o começo da solução e vem obtendo sucesso apesar de todo o aparato criado para desqualificá-las. Ver universidades brasileiras se diversificando é um início de alento para quem se sente agredido com esta situação. Se você acredita no que disse Alexandre Garcia, compre um livro de história do Brasil. E se acredita na propagada democracia racial brasileira, veja a foto que dá início ao texto. É do jogo entre Brasil e Colômbia nas quartas-de-final da copa de 2014 em Fortaleza. Segundo o IBGE, 76% da população desta cidade é negra. Para quem é capaz de enxergar o óbvio, esta foto diz tudo. Quem não é, faz parte do grande problema, o racismo silencioso de todos os dias.