Nizan Guanaes possui uma coluna
na Folha de São Paulo. Quem acompanha o blog sabe que ela já foi assunto num
texto anterior. Esta coluna é baseada em textos otimistas e autobajuladores,
típicos de um publicitário. Guanaes usa técnicas de
venda e não há nenhum espaço para reflexão. Sua última coluna é essa
http://www1.folha.uol.com.br/colunas/nizanguanaes/2015/11/1704220-atacar-os-problemas.shtml#_=_
e o autor tenta apresentar o capitalismo como salvação para os problemas nacionais,
assumindo o empresariado o papel de salvador e o governo o papel de vilão neste
teatro inventado.
O empresariado brasileiro é, em geral, incompetente. Digo em geral
porque é óbvio que neste mar de mediocridade que impera em nosso empresariado
há pessoas capazes. Mas, em geral, é
composto por pessoas incompetentes. Neste texto farei esta generalização tendo
isto em mente.
O principal motivo, a meu ver, do mau estado
de boa parte das empresas nacionais não está no governo e sim na má gestão
delas. Nosso empresariado é individualista, mimado, arrogante e completamente
incapaz de realizar qualquer tipo de autocrítica. Mais do que isto, tenta
inventar falácias intelectuais em que seus interesses de classe se tornam
interesses nacionais, devendo ser defendidos mesmo por aqueles que não fazem
parte da mesma camada social. Guanaes, por exemplo, ataca as nossas leis
trabalhistas, “enraizadas nos anos 30, que dificultam a criação de empregos”.
Na linguagem do autor, a principal função do empresário é criar empregos e esta
é a hipocrisia empresarial que mais me incomoda. A principal meta do empresário
é ganhar dinheiro e não há nada de errado nisso. O erro está em vender a ideia
de que a finalidade é criar empregos, quando na verdade é o lucro. Se uma
pessoa como Guanaes puder trocar 10 empregados por uma máquina para manter seu
bônus anual o fará, sem pensar nas consequências.
Um exemplo claro da má gestão das
empresas brasileiras é o estados das companhias aéreas. Nossas passagens são
caras e o serviço costuma ser muito ruim, mas mesmo assim os aviões estão quase sempre lotados. Elas
recebem milhões em incentivos governamentais e, mesmo assim, estão quase
quebradas. Outro exemplo é nossa indústria automobilística. Nossas cidades têm
um trânsito infernal e mesmo assim esta indústria recebia milhões em subsídios
para entupir ainda mais nossas capitais de veículos. Este lucro irreal ia em
boa parte para os bônus dos gestores destas companhias que, a partir do momento
em que deixaram de receber estes subsídios, passaram a demitir. Não há
pensamento no longo prazo, o que se quer é garantir o bônus do final de ano.
Guanaes e o empresariado adotam
uma retórica que eu já critiquei em um texto anterior, que é a de que o
trabalhador deve ser grato ao patrão que lhe dá a chance de trabalhar, conceito
que existe, a meu ver, como resquício do período de escravidão. A frase mais
forte do texto de Guanaes, a meu ver, é “Quem constrói uma empresa constrói
empregos e riqueza. Quem constrói uma empresa constrói um país.” Guanaes está
errado. A única coisa capaz de gerar riqueza é o trabalho, sendo o trabalhador
responsável pela geração da própria riqueza e de um adicional que será
repassado ao seu patrão. Sendo assim, a riqueza do trabalhador é fruto do seu
próprio esforço, enquanto a riqueza do patrão é resultado do esforço de outras
pessoas. A lógica seria que o patrão tivesse gratidão pelo trabalhador, e não o
inverso. Mas a lógica está corrompida, em parte pelo trabalho de fraude
intelectual cometido pelo empresariado e comprado por um grande número de trabalhadores oprimidos que sonham em assumir o papel de opressores.
Nosso empresariado, especialmente
os que compõem este grupo e são da minha geração, possui pouca cultura. São
pessoas com poucas experiências de vida, formadas principalmente em viagens
inúteis sustentadas pelos pais na juventude e em cursos de MBA pouco
produtivos. São acostumados apenas à bajulação e não entendem que é no
confronto de ideias que está a raiz para o conhecimento. Não querem aprender
nada, querem apenas ensinar, mesmo não tendo muito o que dizer. Tente um dia
ter uma conversa com um pouco mais de conteúdo com um deles e você verá o que
acontece.
Este grupo é incapaz de
realizar qualquer tipo de autocrítica e encontrou no governo o bode expiatório perfeito para todas as suas desgraças. A culpa nunca é sua, é sempre de alguém, este é o
lema. Vejo CEOs de empresas bancadas pelo BNDES e que têm estatais como grandes
clientes pregando um liberalismo em que o governo deve apenas dar subsídios,
sem cobrar impostos. Nunca veremos, por exemplo, uma pessoa como Guanaes
criticando os gastos milionários da Petrobrás em publicidade e questionando
qual o sentido de uma estatal monopolista gastar tanta verba nisso.
O plano para transformar o
governo em inimigo e o empresariado em salvação está dando certo. Vejo cada vez
mais pessoas de classe média usando o adesivo de um pato amarelo e dizendo que
não aguentam mais pagar impostos. Vejo estas mesmas pessoas financiando apartamentos minúsculos usando um banco estatal e sendo maltratadas diariamente por
um chefe arrogante, mas mesmo assim acham que a salvação do país está neste e não naquele.
A
valorização do individualismo e da meritocracia faz parte deste processo de idolatria ao empresariado. Você deve supervalorizar
qualquer conquista medíocre obtida e se sentir uma pessoa especial por qualquer
motivo. A meritocracia nos ensina que temos o que merecemos, que quem tem mais
merece mais e quem tem menos merece menos. Assim sendo, o empresário é rico porquê "merece" e tudo é fruto apenas de um esforço
pessoal, não tendo importância alguma tudo o que veio antes de nós. Mas duvido
que muitos empresários tenham estudado sociologia. Mais uma inversão da lógica,
uma vez que numa sociedade capitalista a sua importância está na quantidade de
dinheiro que você faz girar, e não na sua importância. Ou alguém discute que
qualquer professor tem uma importância social muito maior do que um
publicitário como Guanaes? A meritocracia faria sentido se estivesse
relacionada à importância social da pessoa, mas não está.
A crise brasileira é uma crise de
modelo. A ideia de que o bem-estar está unicamente ligado ao consumo deveria
ser questionada. Discutimos muito o PIB e quase nada o IDH. Mas não é o que
acha Guanaes. Ele acha que precisamos de mais capitalismo. O exemplo grego em
seu texto mostra que para ele só há uma solução para esta crise. Aprofundá-la.
Assusta-me o número de pessoas que concordam com isso.
No mês passado a agência África de Guanaes se envolveu numa polêmica. Uma foto de toda sua equipe mostrava apenas pessoas brancas e muitos questionaram o fato de uma empresa com este nome só ter funcionários brancos. Guanaes e o empresariado brasileiro querem ensinar o país a melhorar. Deveriam começar olhando um pouco para as próprias empresas.