Donald Trump é a primeira pessoa
com o título de “celebridade” a chegar oficialmente ao cargo de homem mais
poderoso do mundo. Em nossa era, celebridade é tudo que a maioria quer ser. São
as pessoas mais admiradas e copiadas. Quase ninguém sabe o nome do último Nobel
de nada, mas muita gente sabe qual a foi a última gafe da Paris Hilton. Mais do
que as muitas causas da vitória de Trump, como a clara guinada do Ocidente à
direita, é importante analisar o papel que o fato dele ser uma celebridade teve
para que ele se apresentasse como uma opção à classe mais detestada pela
multidão enfurecida, a dos políticos.
O culto à celebridade é fruto do
desenvolvimento da publicidade e surge hoje como opção capitalista ao culto de
personalidade do comunismo. O desenvolvimento dos meios de comunicação,
especialmente com o surgimento da televisão nos anos 1950, levou a publicidade
a outros patamares, com um público antes inimaginável aparecendo como mercado
consumidor de produtos e necessidades inúteis que antes eram inatingíveis.
Neste contexto, a Publicidade criou heróis, pessoas quase perfeitas que
deveriam ser copiadas por um público de vida comum, mas disposto a comprar um
produto que o aproximaria desses seres incríveis. O esporte, o cinema e a
música apareceram como os primeiros meios que a publicidade enxergou para levar
seus produtos ao grande público. Não à toa Marilyn Monroe e Elvis Presley
surgiram nesta época. Mais do que ícones, eles vendiam e era fundamental
dar-lhes este status de “pessoas que estavam mudando” tudo, mesmo que seus
sucessos fossem muitas vezes insignificantes para o rumo da humanidade. Algumas
celebridades, como Lennon e Ali, tentaram fugir a este estereótipo, mas foram
logo combatidos na época em que se rebelavam contra o andamento das coisas. Com
o tempo, após a morte do primeiro e a doença do segundo, perderam a capacidade
de mudar algo e foram incorporados pela publicidade. A imagem dos dois ajudou a
vender tênis. A publicidade gosta de rebeldia, desde que ela tenha acontecido e
sido derrotada no passado. Quem sabe daqui a 30 anos não veremos propagandas
com a ocupação das escolas contra a PEC 241?
Ser celebridade parece fácil e
muitas vezes acessível. Isto atrai e cria muitas vezes uma esperança de
riqueza, alvo máximo da felicidade no sistema em que vivemos, e de importância.
Na era do espetáculo, ser famoso é existir e é ser amado, exigindo muitas vezes
pouco. Até os anos 1990, exigia-se pelo menos algum talento esportivo, como
colocar uma esfera dentro de um retângulo com os pés, ou algum talento musical,
como tocar guitarra girando no chão. A partir deste momento, passou a não
exigir mais nem isto. A internet ampliou a capacidade de comunicação e de
informação, boa parte das vezes inúteis, e a publicidade encontrou um público
cada vez mais disposto a buscar informações rápidas e descartáveis. Assim,
surgiu a celebridade instantânea, aquela que na maioria das vezes dura menos do
que quinze minutos e que tem a fama alcançada sem nenhum tipo de talento, mesmo
os que não mudam nada. Paris Hilton e Kim Kardashian ficaram famosas com vídeos
pornôs vazados e hoje são capazes de vender tudo que chega perto delas.
Donald Trump já nasceu rico.
Ficou ainda mais rico investindo bem o dinheiro do pai no mercado de imóveis.
Mas isto não era suficiente. A glória no mundo atual não é dada apenas pelo
dinheiro, mas também pela fama. Ser famoso é ser poderoso. Para isto,
transformou-se em produto e começou a comprar intervalos comerciais em que ele
era a grande atração. A mídia gostou e o transformou em figura carimbada de
todo tipo de programa, em que falava muitas vezes como era bom ser rico e qual
a solução que ele tinha para quase tudo que surgia como produto. Na era dos
realities shows, inventou um em que era o patrão que julgava e demitia pobres
coitados de terno, que sonhavam com um emprego e com um pouco da tão sonhada
fama. Julgar, aquilo que o público deste tipo de programas mais gosta de fazer.
Demitir, aquilo que tem que acontecer com incompetentes e malvados na visão deste
mesmo público. Um emprego, o grande prêmio de uma parcela de pessoas que
encontram no trabalho a única forma de dizer que tem uma vida decente.
Julgar e demitir políticos. Isto
que a mídia nos ensina a fazer. A culpa é toda deles. Nossa sociedade é
perfeita e seria ideal, se não fossem estes sanguessugas que destroem tudo. Que
muitas vezes nos prejudicam na missão de conseguir aquilo que permite que
tenhamos uma vida digna e que possamos comprar as coisas que a publicidade diz
que precisamos, um emprego. Ter um emprego é a grande meta daqueles que ainda
não conseguiram ser celebridades. É o que muitas vezes permita que se compra os
produtos inúteis vendidos por ela. Para isto, vale tudo. Até expulsar
imigrantes que realizam os trabalhos que muitas vezes ninguém quer realizar.
Vivemos desde 2008 a primeira grande crise do capitalismo desde a explosão da
importância das celebridades. As pessoas estão com ódio, julgando e loucas para
demitir. Encontraram nos EUA em Trump a pessoa perfeita para fazer isto. Ele é rico
e famoso, logo bem-sucedido, e tem uma mensagem de vingança, quase como uma
punição à classe que a mídia responsabiliza por todos os problemas existentes.
Falar mal de político vende. Falar mal do público não.
A eleição de Trump levará muito
provavelmente à explosão no número de celebridades que ingressam na política em
todo mundo. A eleição de João Doria Jr. em SP já é um primeiro exemplo disso,
lembrando que a candidatura dele surgiu após a entrada de Trump na corrida
presidencial e que parte de seu discurso, o da rejeição à política, é o mesmo.
Graves crises exigem salvadores e ninguém é mais capaz de atingir este papel
hoje do que uma grande celebridade. Ser famoso é ter poder. Na mediocridade da
sociedade atual, literalmente. Termino com esta frase de José Arbex Jr. no
livro Showrnalismo: a notícia como
espetáculo, comentando o livro A
Sociedade do Espetáculo, do filósofo francês Guy Debord:
“‘O espetáculo – diz Debord –
consiste na multiplicação de ícones e imagens, principalmente através dos meios
de comunicação de massa, mas também dos rituais políticos, religiosos e hábitos
de consumo, de tudo aquilo que falta à vida real do homem comum: celebridades,
atores, políticos, personalidades, gurus, mensagens publicitárias – tudo
transmite uma sensação de permanente aventura, felicidade, grandiosidade e
ousadia. O espetáculo é a aparência que confere integridade e sentido a uma
sociedade esfacelada e dividida. É a forma mais elaborada de uma sociedade que
desenvolveu ao extremo o ‘fetichismo da mercadoria’ (felicidade identifica-se a
consumo). Os meios de comunicação de massa – diz Debord – são apenas ‘a
manifestação superficial mais esmagadora da sociedade do espetáculo, que faz do
indivíduo um ser infeliz, anônimo e solitário em meio à massa de
consumidores’’.
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