sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Os perigos e a demagogia da intervenção federal no Rio


A semana de Carnaval estava ruim para Michel Temer. A votação da Reforma da Previdência, que o presidente considera como sendo seu possível principal “legado”, caminhava para uma derrota. Mesmo abrindo os cofres para deputados “indecisos”, Temer rumava ao fracasso em uma votação tão impopular num ano eleitoral. Ao mesmo tempo, o Rio vivia uma onda de violência que até o momento não se sabe realmente se foi tão grande quanto o que foi alardeado pela grande mídia, principalmente na Globo. Até o momento, o único dado que li sobre o assunto diz que houve um aumento de 4% nos registros de violência no Rio no período entre 2017 e 2018. Não que isto seja insignificante, mas a sensação é de que foi bem mais se assistirmos apenas os noticiários globais. O objetivo maior me parece ser atacar o arquirrival Marcelo Crivella, ligado à Igreja Universal (longe de mim defender Crivella, aliás, sua postura de abandonar o Rio durante o maior evento da cidade é completamente irresponsável e mostra o enorme erro cometido pela população carioca em eleger um fanático religioso para a Prefeitura). Vendo o noticiário, Temer convocou o exército e fez aquilo que nenhum presidente, inclusive os legitimados pelas urnas, tiveram coragem de fazer em outros momentos de crise desde 1988: decretou uma intervenção federal.
A intervenção ajuda Temer por dois motivos. Adia a votação da Reforma, dando a Temer mais tempo para convencer ($$$$) mais deputados a votarem aprovando a Reforma, e aumenta a popularidade do presidente no curto prazo. Uma população má informada e com medo aprova este tipo de medida, “ao menos ele está fazendo algo”. Temer inclusive sonha com a reeleição e o histórico situacionista da população brasileira não pode desconsiderar completamente esta chance.
A intervenção prejudica o país por vários motivos. Citarei apenas alguns deles. O primeiro é mostrar como nosso governo não tem nenhum plano de longo prazo para resolver o problema. As outras vezes em que o Exército foi chamado para ajudar na segurança pública sem que houvesse intervenção, como ocorreu na Copa e nas Olimpíadas, não deixaram legado algum à segurança pública da cidade. Pelo contrário, a situação só piorou depois disso.
Em segundo lugar, não se incentiva um debate que mostre qual a parcela de responsabilidade do governo federal na situação em que se encontra o Rio de Janeiro. A culpa pela entrada de armas contrabandeadas em nosso território, por exemplo, é da Polícia Federal e do Exército, e aparentemente nada é feito e discutido sobre este assunto. Também não se discute a responsabilidade gigantesca que o governo federal tem ao ter forçado o estado do Rio de Janeiro a adotar uma agressiva política de austeridade fiscal que resultou em cortes na área de segurança pública.
Em terceiro lugar, como já comprovado pelas ações anteriores, o Exército não tem capacidade e conhecimento para lidar com segurança pública municipal. O que exatamente o Exército fará? Simplesmente vai ter tanque nas ruas? Qual o conhecimento que este interventor (nome assustador) tem sobre este assunto? Por que o governo federal não ajuda financeiramente da polícia carioca ao invés de chamar o exército para intervir? Até o momento não li nada a respeito.
Em quarto lugar, e para mim o mais perigoso erro, é que num momento de extrema fragilidade democrática, com um governo fajuto fruto de um impeachment picareta, dá-se força a um sentimento que existiu no Brasil até 1964, aquele de que o Exército é a solução para nossos problemas. Em todas as vezes em que as Forças Armadas interviram politicamente em nossa história, e não foram poucas, elas foram em algum momento convocadas por parte da sociedade civil para fazê-lo. Estávamos livres disso de 1985 até as manifestações dos patos contra Dilma, em que pela primeira vez desde o fim da ditadura um grande número de pessoas saiu às ruas pedindo a volta do Regime Militar. É o renascimento de um monstro adormecido, que tantas tragédias causou em nossa história.

O Brasil vive um momento de grande burrice. Ninguém reflete sobre nada. O Rio de Janeiro foi em 2017 apenas a 23ª capital mais violenta do país. VIGÉSIMA TERCEIRA. Se for para fazer intervenção, por que não em outros lugares? Por que não dá o mesmo ibope que dá a intervenção no Rio. Num momento em que acabamos de ver um bando de lunáticos e raivosos saindo às ruas vestindo verde-e-amarelo, bradando gritos nacionalistas e fascistas, pedindo impeachment sem crime (e conseguindo) e querendo intervenção militar, este ato circense de Temer só dá mais força para este grupo. A intervenção é um ato populista e autoritário, que não trará resultado efetivo algum. O Brasil não discute nada. E brinca com o perigo. Caminhamos para o abismo.

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