segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

Vida de cadastro


O dia 4 de dezembro foi importante para mim. Após algum tempo, eu voltaria ao mercado de trabalho e estava ansioso para o meu primeiro dia de emprego. Fui avisado de minha contratação na semana anterior, no exato momento em que estava indo visitar uma parente no hospital. Estava fazendo meu cadastro para poder subir ao quarto quando recebi a ligação da empresa, ordenando que eu levasse meus documentos de cadastro para contratação no dia seguinte. Tinha que ser no dia seguinte para dar tempo de realizar todos os cadastros, me disse o funcionário do RH com voz de felicidade. Terminei meu cadastro hospitalar, subi, dei um beijo em minha parente e fui atrás dos meus documentos. Alguns deles eu ainda não tinha impresso. Como não tenho impressora, parei em uma lan house. “O senhor já tem cadastro?”, perguntou-me a atendente. “Não”, respondi eu, já procurando alguma máquina vazia. “Preciso de um documento com foto para cadastro e liberação de máquina”. Entreguei-lhe o documento solicitado e criei uma senha de 8 dígitos, com letra maiúscula, minúscula, número e símbolo, fazendo todo o esforço para não esquecer qual era esta senha recém criada nos oito segundos que separavam a menina do cadastro e a máquina. Imprimi meus documentos, tirei alguns xerox e voltei todo feliz para casa, com todos os documentos de cadastro já preparados. Fiz o caminho entre a lan house e meu apartamento conferindo a documentação para que não tivesse nenhum problema cadastral. Chegando em meu apartamento, fui abordado pelo porteiro, que me disse que eles estavam fazendo o recadastro de todos os moradores. Seria necessário que eu fosse até outro bloco do prédio com um documento com foto para, em seguida, cadastrar minha biometria. Como eu já estava no pique, fui naquele momento mesmo fazer este cadastro. Saindo de lá, a fome bateu e resolvi passar no mercado para comprar qualquer coisa para comer. Peguei uma bolacha, pão e salame e fui ao caixa. “O senhor já tem cadastro aqui?”, perguntou-me a atendente. “O senhor pode ganhar descontos se o fizer, tudo que preciso é de um documento com foto”. E lá estava eu, fazendo meu cadastro no mercado. Voltando para casa, enquanto comia um sanduíche com salame, entrei em algumas notícias que pediam o meu cadastro para que eu as continuasse lendo. Quem não era cadastrado podia ler apenas as cinco primeiras linhas. “Pelo menos posso usar o facebook para me cadastrar, já ganho um tempo”.
No dia seguinte, minha missão era levar meus documentos para cadastro na firma. Meu plano era fazer os cadastros necessários para começar a trabalhar de manhã e, durante à tarde, ir até a SP Trans para fazer o meu cadastro para usar bilhete único mensal. Para evitar fraude, era necessário levar um documento com foto para ter o benefício. Cheguei à minha futura firma e fiz o primeiro cadastro na portaria do prédio. Após ver meu documento com foto, a mulher da portaria me alertou que quando eu começasse a trabalhar efetivamente seria necessária a realização de outro cadastro. O cadastro de visitante é diferente do cadastro de funcionário, faz sentido. Passei a catraca, subi o elevador e encontrei o rapaz que faria meu cadastro na firma. Entreguei-lhe os documentos, examinados minuciosamente, e tive meu cadastro pré-aprovado. Deveria procura-lo no meu primeiro dia de trabalho para que o meu cadastro fosse liberado e finalizado. Peguei o elevador, desci, mas não consegui sair pela catraca inicialmente. Houve um erro no meu cadastro de visitante, o cartão que me deram liberava apenas a entrada e não a saída. Erro corrigido, passei numa loja de chocolate que tinha na frente da minha futura firma para sustentar meu vício. “Você não quer se cadastrar para ser parte do nosso clube do café?”, perguntou-me a atendente da loja no momento em que eu pagava minha conta. “Não tomo café”, respondi enquanto estranhava o fato de que era necessário um cadastro para tomar café. “CPF na nota?”, ela me perguntou. “Não, estou com um problema no cadastro da nota fiscal paulista”, eu respondi. Saí de lá direto para a SP Trans. Entreguei uma cópia do meu documento com foto para cadastro do bilhete único, que ficaria pronto depois de alguns dias. Isto era sexta, voltei para casa para um merecido período de dois dias sem cadastros até o início de minha nova experiência profissional na segunda.
Chegando animado e bem vestido ao novo trabalho, fui informado que ainda não podia entrar. A pessoa que liberaria o meu cadastro ainda não havia chegado e eu tinha que espera-la. Nisso, meu novo chefe chegou e liberou o meu cadastro. Fui apresentado aos meus novos colegas e à minha nova máquina. Para usá-la, seria necessário que eu fosse até TI para realizar o meu cadastro. Em seguida, fui instruído a ir até o RH novamente para que realizasse meus cadastros para uso de crachá e do site da ADP. Lá, descobri que os dois cadastros eram feitos por pessoas diferentes. Fiz os dois cadastros e em seguida preenchi algumas fichas para cadastro no convênio de saúde. Fui informado também que a empresa só realiza pagamentos em um banco determinado no qual eu não tinha conta. Por isso, deram-me uma ficha para que eu fosse até a agência bancária mais próxima e lá fizesse meu cadastro. Quando voltei ao departamento, descobri que meu cadastro em TI ainda não havia sido feito, por isso tinha tempo de já ir ao banco realizar o meu cadastro por lá. Chegando à agência, abri minha conta e recebi as instruções de como deveria realizar o meu cadastro para uso dos serviços na internet. Também recebi um cartão provisório, o cartão permanente viria depois de alguns dias, quando eu deveria retornar à agência para cadastrá-lo. Retornando à firma, fui informado que TI tinha 24 horas úteis para realizar meu cadastro, então basicamente eu não podia fazer nada naquele momento, sem cadastro. Vendo aquilo, uma das pessoas do meu departamento perguntou se eu podia ajuda-lo em algumas coisas.  Eu respondi que sim, ele me passou seu usuário e senha e eu o ajudei a fazer alguns cadastros que estavam pendentes. A empresa tem restaurante no local. Na hora do almoço, quase não comi. Aparentemente, meu cadastro não estava completo no restaurante. Eu deveria ir até o RH pedir que a pessoa responsável por este cadastro fizesse esta última liberação. “Desta vez vou deixar passar”, disse a mulher no caixa. “Não dá pra fazer nada sem cadastro”, disse-me algum colega. Fui ao RH, atualizei meu cadastro para o restaurante, passei a tarde cadastrando outras pessoas e fui embora ainda sem ter cadastro para usar minha máquina. “Amanhã, com meus cadastros feitos, já começo a trabalhar de verdade”, pensei eu. “É verdade, não dá pra fazer nada sem cadastro”.

Saí do trabalho, passei na farmácia para comprar um remédio para minha parente que havia acabado de sair do hospital, cadastrei-me lá para ganhar desconto e voltei pra casa. Fiz meu cadastro para usar minha conta pela internet e peguei no sono. Por oito horas, não fiz nenhum cadastro. Talvez, em algum momento, será necessário fazer um cadastro para poder fazer isto também.

Um comentário:

  1. Ótimo texto, angustiante e desesperadamente familiar. Valeu o cadastro de acesso aos comentários, rs.

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