Falta um pouco menos de um mês
para aquela que deve ser possivelmente a melhor notícia política do ano: João
Doria Jr. deixará de ser prefeito de SP. Pinta como favorito ao governo de SP,
mas o certo é que ao menos passaremos um pouco mais de oito meses sem que Doria
ocupe nenhum cargo público. Na atual situação que vivemos, qualquer alívio de
curto prazo deve ser comemorado.
O último mês da gestão Doria
começou com alguns exemplos que mostram as grandes características desta curta
e polêmica gestão. Nunca tivemos um administrador municipal que usasse tanto o
cargo para atender seus interesses pessoais. Um dos seus últimos atos como
prefeito demonstra isso. Doria assinou um decreto que garante segurança especial
paga pelo município aos ex-prefeitos. Não quer perder a mordomia, afinal. (P.S.: No dia seguinte à publicação deste texto, graças à forte pressão da opinião pública, Doria alterou o decreto, decidindo que a segurança bancada pelo município passaria a valer apenas para o próximo ex-prefeito).
No último domingo, Doria esteve
no Pacaembu acompanhando o jogo entre Santos e Corinthians. No momento em que
houve a queda de luz durante a partida, Doria saiu fugindo da imprensa, não
queria nenhum tipo de questionamento. Recusou-se a realizar uma entrevista para
falar sobre o assunto e no dia seguinte divulgou uma nota, em que dizia que as
frequentes quedas de energia no estádio (foram três neste ano) eram uma prova
de que ele deve ser privatizado. Sem entrar por enquanto no mérito de
questionar se a privatização é correta ou não, acho que posso afirmar que é
fato que enquanto o estádio pertencer à Prefeitura, ela possui a obrigação de
garantir que o seu funcionamento ocorra com qualidade. Foi uma tentativa
patética de tentar transformar um erro de sua administração em argumento para a
venda do bem público e uma incapacidade completa de assumir seu erro.
Doria não possui respeito algum
pelo conceito de bem público. O seu plano de privatizações mostra isto. O
prefeito colocou tudo num grande “pacote” e tratou da mesma forma a venda de um
bem como o Anhembi e de um bem como o Ibirapuera, que têm significados e
importâncias completamente diferentes para a vida da cidade. Ele é incapaz de
tratar cada caso de forma específica porque para ele bem público é, no fundo, a
mesma coisa, tendo que ser simplesmente repassado para o setor privado para “gerar
lucro”. Lazer e qualidade de vida não significam nada na forma como o prefeito
enxerga as coisas. No caso do Ibirapuera, Doria disse na mesma entrevista, na
mesma, que o parque continuaria sendo um espaço para uso livre e que muitos
amigos seus donos de restaurantes importantes já o haviam procurado para
construir filiais de seus estabelecimentos dentro do parque, tornando o ambiente
um local mais exclusivo. Outro caso em que Doria apresenta uma argumentação
absurda atrás da outra é na venda de Interlagos. A principal “ameaça” do
prefeito é que se o autódromo não for vendido, São Paulo poderá perder a
Fórmula 1, e que o modelo de autódromo público está acabando no mundo.
Dezesseis das vinte corridas de Fórmula 1 do ano, porém, ocorrem em autódromos
públicos. Mais do que isto, o prefeito foi até Abu Dhabi gravar um vídeo para
mostrar como uma gestão diferente e privada poderia trazer melhores resultados.
O autódromo de Abu Dhabi é estatal. Além disso, o governo de lá não tem a
preocupação que há por aqui, uma vez que a corrida serve muito mais como
propaganda da riqueza local do que como evento esportivo. No ápice da sandice,
Doria propõe a construção de um hotel no meio do autódromo de Interlagos. Por
fim, o prefeito diz que a privatização permitiria que o autódromo fosse alugado
para grupos de milionários que quisessem disputar corridas entre si, coisa que
já acontece hoje. Num só vídeo, Doria demonstrou arrogância e desconhecimento tanto
do lugar que administra quanto do lugar que visita. Eu, particularmente, sou
contra a realização da Fórmula 1 em SP. Não acho que a cidade deva fornecer um
subsídio tão grande ao setor hoteleiro. Sou também contra a privatização,
acredito que o lugar deveria ser aberto ao público e transformado num parque.
Mas o que mais me incomoda é a falta de debate, estimulada pelo tratamento de “pacotão”
dado por Doria sobre o assunto. O prefeito chegou também a ir à China para
oferecer os bens públicos paulistanos por lá. A maioria das empresas que o
recebeu por lá é estatal.
Neste final de gestão também,
Doria está apresentando uma das mais destrutivas mudanças de itinerários do
transporte público da história da cidade, com o fim de um grande número de
linhas, especialmente na periferia. Junto com a extinção do bilhete
único semanal e com a quase extinção do bilhete único mensal, serão seus
grandes legados nesta área.
Aumento da velocidade nas
marginais que resultou em aumento no número de mortos. Ação desastrada e mal
planejada na cracolândia, contrariando a opinião de especialistas, espalhando
os usuários pela cidade e dificultando seu tratamento. Fim do projeto da gestão
anterior de incorporação de usuários de crack ao mercado de trabalho, colocando
no lugar um mal sucedido projeto em parceria com o setor privado, que resultou
em zero contratações após o período de experiência. Fim da Virada Cultural.
Mudanças no premiado Plano Diretor de Haddad para agradar à especulação
imobiliária. Redução de ciclovias. Queda no número de ações de zeladoria
urbana. Nenhum projeto significativo na área educacional. Não cumprimento da
promessa de contratação de mil médicos. Tudo isso em um ano e três meses.
Viagens. Doria já entrou na
prefeitura sem vontade de ser prefeito. Queria usá-la apenas como um trampolim.
Embarcando na onda antipetista, Doria tentou aproveitar o momento e saiu
passeando pelo país e pelo mundo, tentando emplacar uma candidatura
presidencial. Recebeu apoio entusiasmado dos seus amigos do setor empresarial,
mas no fim não rolou. Sua incapacidade de gerar resultados derrubou sua
jornada. Vai ter que se contentar com o governo do estado por um tempo. Vai
apostar no marketing e na rejeição a Lula para tentar chegar ao Palácio dos
Bandeirantes. Slogans fáceis e que não representam absolutamente nada, tipo "Cidade Linda". Em SP isto é suficiente, o eleitor paulista continua medíocre,
muito provavelmente vai embarcar novamente na aventura Doria. Esta gestão entrará para a história como um momento triste em que um milionário improdutivo e egocêntrico foi capaz de manipular uma massa rancorosa em nome dos seus interesses pessoais. Resta aproveitar
estes oito meses.
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