Eu tenho um tio que tem uma
bem-sucedida fábrica de vidros. Ele chegou do PR em SP sem absolutamente nada
há aproximadamente 45 anos e construiu sua vida a partir dessa fábrica. Há mais
ou menos cinco anos, uma das suas filhas, formada na ESPM, foi fazer um estágio
na fábrica e tentou implantar algumas mudanças. O meu tio trabalha da mesma
forma há 45 anos. Isto quer dizer, por exemplo, que ele controle estoque e faz
toda a contabilidade a mão em folhas de papel sulfite. Minha prima tentou
mostrar o maravilhoso mundo do excel para ele. Não deu certo. Meu tio ainda faz
todos os pagamentos a fornecedores e funcionários em dinheiro. Isto quer dizer
que ele vai ao banco todo dia, fala com o seu gerente, pega o dinheiro físico e
anda com ele para lá e para cá. Mais ou menos como a Nina naquele episódio de
Avenida Brasil em que ela é roubada por um motoqueiro. Minha prima tentou
ensiná-lo a utilizar as transferências bancárias. Não deu certo. Após outras
tentativas, minha prima e meu tio desencanaram do estágio em menos de três
meses. Disse meu tio, “faço as mesmas coisas há 45 anos e veja aonde cheguei”. Não
há por que mudar, pensa ele, uma vez que ele é bem-sucedido no negócio.
Jair Bolsonaro é uma pessoa
bem-sucedida nos negócios. Ninguém se torna presidente da República sem ser de
certa forma bem-sucedido. Para entender a presidência de Bolsonaro, é
fundamental vermos a forma como ele alcançou o sucesso.
Bolsonaro jamais produziu nada. E
quando eu digo nada, não quero dizer algo importante ou grande, refiro-me mesmo
a coisas pequenas ou insignificantes. Bolsonaro nunca produziu um parafuso que
seja ou escreveu algum pequeno texto relevante. Sua existência é um enorme
vazio. Aposentado de forma compulsório pelo Exército após um fracassado
atentado, Bolsonaro ingressou na política e conquistou uma vaga de deputado
como representante de uma categoria, a dos militares. A incapacidade de
produzir ou criar qualquer coisa de relevante que ele já havia apresentado na
vida anterior à política foi levada ao Congresso. Durante os 28 anos de
mandato, não produziu e não participou de nada minimamente importante. E olha
que muita coisa importante aconteceu enquanto Bolsonaro nada fazia no
Congresso. Tivemos o Plano Real (ele votou contra), o Bolsa Família (que ele
combateu), o Prouni (também combatido por ele), entre outras mudanças
significativas. Bolsonaro encontrou outra forma de alcançar fama e sucesso na
vida política, algo que pudesse mantê-lo no Congresso levando a vida de
vagabundo que sempre gostou: falar merda. Falando em termos econômicos, havia
uma grande demanda não atendida em parcela significativa da população disposta
a consumir merda. Bolsonaro preencheu este vácuo. Foram anos aparecendo em
programas de TV de merda com o objetivo de falar merda. O esquema era sempre o
mesmo: algum assunto “polêmico” e Bolsonaro opinando. O então deputado não é
especialista em nenhum assunto. Os programas de TV não queriam alguém que
entendesse do assunto, o que queriam era alguém que falasse merda, e ninguém de
adequa melhor ao papel de espalhar merda do que Bolsonaro.
De certa forma, Bolsonaro foi o
precursor da grande era de distribuição de merda que viria com o
desenvolvimento das redes sociais. Não é à toa que ele foi quem melhor
conseguiu se adaptar a este novo momento. Na comunicação via Twitter não há
espaço para ideias e reflexão, apenas para “lacrações”. E nada lacra mais do
que falar merda. E foi assim, não produzindo nada, sem criação intelectual
alguma, apenas falando muita merda, que Bolsonaro chegou ao topo. Do mesmo
jeito que meu tio não vê sentido em mudar sua forma de trabalhar, uma vez que
ela o levou ao sucesso, é impossível pedir agora a Bolsonaro que ele pare de
falar merda e efetivamente produza algo real e concreto. Ele alcançou o sucesso
sendo vagabundo e falando merda.
Ser improdutivo e falar merda não
exigem diálogo ou companheirismo. Sendo assim, Bolsonaro passou os 28 anos no
Congresso dialogando basicamente apenas com seus filhos, tão improdutivo e
faladores de merda quanto ele. Desta forma, não vai se acostumar agora à ideia
de que deve negociar com o Congresso, ceder e escutar. Tudo que o levou ao
sucesso foi o inverso. Por que ele iria escutar especialistas ou estudar
qualquer assunto se a sua fama veio exatamente do fato de que ele é o cara que
fala merda para os especialistas e é incapaz de estudar qualquer coisa?
Com raras exceções, Bolsonaro
chamou pessoas exatamente como ele para o ministério. Na Justiça, temos a turma
da Lava Jato. Esta turma se tornou bem-sucedida realizando prisões ilegais,
utilizando prisões preventivas como forma de tortura psicológica e quebrando
todo tipo de lei possível. Não é agora que vão se “submeter” à lei, afinal. Moro passou anos sendo aplaudido por
descumprir a lei. Destruir instituições estimulando o revanchismo e o populismo penal. Foi assim que esta turma subiu, é assim que ela quer manter o topo. “Derrubem o Supremo”, eles dizem. Onde já se viu impedir que
a operação abra uma fundação privada com o dinheiro que foi supostamente
roubado da Petrobrás? No ministério do meio ambiente, temos um Bolsonaro com
grife. Nunca produziu nada, a não ser um diploma falso de Yale. Na educação,
Ricardo Velez, indicado de Olavo de Carvalho, trava a grande luta contra tudo
que Bolsonaro não representa e detesta: conhecimento e pensamento.
A primeira coisa para se
enfrentar um regime como o que Bolsonaro e Moro tentam impor ao país é ser
diferente deles. Estude, reflita e pensa. Produza reflexão e conhecimento. Pare
de dizer “eu avisei”. Ninguém se importa com isso, apenas o seu ego. As pessoas
que você avisou votaram neste governo que aí está. Ele está sendo exatamente do
jeito que elas queriam. Ao invés de avisar, tente dialogar (uso “tente” porque
tenho plena noção de que há casos em que é impossível). E não comemore cada vez
que um eleitor de Bolsonaro se ferrar. Defenda as causas humanitárias e de defesa das minorias. Combata as opressões. Lute contra o pacote fascista de Moro.
Lute contra a visão tosca de geopolítica mundial de Ernesto Araújo. Lute contra
a destruição educacional da turma de Olavo. Defenda as instituições
democráticas, mesmo que isto signifique defender alguém claramente filho-da-puta
como Temer. O que você avisou já não nos interessa mais. O que interessa é a
luta. Há uma vida real acontecendo enquanto você comemora o fato, por exemplo,
de produtores rurais gaúchos, quase todos eleitores de Bolsonaro no ano
passado, terem perdido 48% das suas exportações porque o governo em que eles
votaram está arrumando brigas com a China e com os países árabes. Aproveite as
brechas que o vendedor de merda dá para uma aproximação com aqueles que
compraram a merda no ano passado. E isto não se obtém falando “Eu avisei”.