Eu confesso que acho criança
mentindo uma coisa legal e bonitinha. Quando a mentira é inofensiva, claro. Poucas
coisas são tão divertidas do que deixar uma criança mentindo só pra ver onde
ela é capaz de chegar. Conheço uma criança que, por exemplo, vai mentindo até
chegar um momento em que ela diz “agora não sei mais o que inventar”,
simplesmente sorri e sai andando.
Eu tive algumas mentiras
engraçadas na minha infância, quase sempre quebrando coisas. Lembro-me que uma
vez destruí a cortina do quarto dos meus pais brincando de Tarzan. A minha
desculpa nesta situação era sempre que eu estava no meu cantinho quieto quando
de repente, “puf, caiu”. A mesma brilhante desculpa usei quando quebrei uma
lâmpada usando uma raquete de madeira vagabunda. Nunca dava muito certo, mas
torço muito para, se um dia eu tiver um filho, ele tente usar comigo as mesmas
mentiras toscas e mal preparadas. Vou me divertir muito.
Talvez por isso que eu esteja
longe de ser o que chamo de “ditador da verdade”. Mentiras inofensivas são
necessárias no meu dia-a-dia. Nunca direi a verdade se ela for desnecessária e
tiver como único intuito a agressão. Pessoas que se dizem extremamente “verdadeiras”
costumam ser hipócritas e agressivas. Não tenho muito saco para elas. Costumam
ser também pessoas perigosas, uma vez que realmente acreditam no que dizem. Quando
eu digo que realmente acreditam quero dizer que elas estão prontas para ofender
por qualquer motivo. São as que mais mentem e estão dispostas a tudo para
manter uma mentira de pé.. Repetem coisas do tipo “digo mesmo” e acham que as
pessoas são obrigadas a ouvi-las quando elas têm “verdades a dizer”. Ninguém é
obrigado a te escutar. Em situação alguma. Em nenhuma mesmo. Lembre-se sempre
que as pessoas têm todo o direito de não querer saber o que você acha ou pensa. Pense se ela realmente precisa ouvir o que você tem a dizer antes de dizer algo.
Decore nomes de pessoas. Esta é
uma dica importante para a vida. Sempre que você conhecer alguém, preste
realmente atenção no ato da apresentação. Somos extremamente seletivos no
momento em que fazemos isto. Outro dia descobri uma mentira que contava para
mim mesmo e que nem de longe é bonitinha ou inofensiva como as que contava na
infância. Eu passei 34 anos da minha vida dizendo para mim mesmo que era ruim
com nomes. Não sou, nunca fui.
Toda escrotice social pode ser
verificada na relação que nosso cérebro tem com nomes de pessoas. Escolhemos
quais nomes vamos decorar a partir de interesses pessoais. Normalmente quando
vamos conhecer alguém que julgamos “importante” inclusive já sabemos o nome
desta pessoa antes de conhecê-la. O nome surge neste caso como forma de
submissão. Minha relação com nomes mudou há duas semanas, quando fui conhecer
algumas pessoas para um projeto educacional em que estou começando a trabalhar.
Cumprimentei as pessoas e fui conversar com uma delas. Ela estava de mau humor,
provavelmente um pouco cansada de jovens de classe média chegando naquela
região metidos a donos de todo conhecimento e querendo “salvar o mundo”. Falei
sobre meus planos e ela me respondeu que achava curioso que eu tivesse tantos
planos sem conhecer a realidade da região e sem saber nada sobre os alunos.
Concordei e, na despedida, perguntei novamente o nome dela, pedindo desculpa
por ser “ruim com nomes”. Ela respondeu, de forma irônica, que não havia
problemas, eles já estavam acostumados com pessoas “ruins de nomes”. Era algo que eu precisava ouvir. Fui lá para ensinar, aprendi uma lição pra vida.
Tenho excelente memória. Sei o
nome de todos os campeões brasileiros, da Libertadores e da Copa dos Campeões.
Sei os campeões paulistas desde 1959, por algum motivo meu cérebro travou com o
ano de 1958. Não sou ruim de nomes. Passei 34 anos achando isto. Uma mentira
que servia para disfarçar minha escrotice. Recordando minha vida, sempre fui
muito seletivo nesta “escolha”. Na empresa, por exemplo, sabia o nome daquele
diretor que havia cumprimentado uma vez na vida, mas não sabia o nome da
senhora que vinha todo dia no mesmo horário passar um pano na minha mesa. Nome
é visibilidade. Temos que parar de tratar pessoas como seres invisíveis. Não é
algo insignificante que pode ser esquecido. Há um significado social para este
esquecimento.
O Brasil vive um dos momentos
mais bizarros da sua história. Há um claro processo de destruição da verdade.
Reinterpretação cafajeste de fatos. Compulsão mentirosa. E não é uma que se
assemelhe àquelas que cometemos em nossa infância. Compulsão porque ela não
acaba nunca. Marielle Franco foi vítima de mentiras mesmo depois de morta. Jean
Wyllys segue sendo vítima de mentiras mesmo depois de ter saído do Brasil. Na
semana passada, espalhou-se a notícia de que Lula, quando presidente, teria
vetado a distribuição pública de vacinas contra a doença que viria a matar seu
neto. Trata-se de uma mentira. A nossa sociedade é incapaz de não mentir mesmo
em momentos que envolvem muito sofrimento pessoal.
As pessoas sabem que estão
mentindo. Quem espalha este tipo de mentira sabe que está mentindo. Do mesmo
jeito que eu sabia que mentia quando dizia que era ruim de nomes. Ao contrário
do que é dito, não acho de verdade que há inocência entre as pessoas que
espalham notícias falsas. Elas simplesmente não se importam. O atual presidente
da República não se importa em espalhar notícias falsas, assim como seus
filhos. Seus adoradores sabem que ele está mentindo e se identificam com ele em
parte por isso. As pessoas em geral vivem mentiras. Empregos maçantes,
casamentos infelizes, competição desmedida, puxa-saquismo, tudo isto fantasiado
de fotos felizes em redes sociais. Muito tempo da vida fingindo. Bolsonaro é
apenas o assustador símbolo disto. O tipo de monstro que uma sociedade viciada
em mentiras cria. Tornamo-nos uma sociedade de falsos profetas da verdade. Não
é à toa que Bolsonaro, o mais mentiroso de todos, adora acusar o mundo de “fake
News”. O mesmo ocorre com muitas pessoas que são tão doentes quanto ele.
A cura só pode vir com a
reflexão. As semanas após uma conversa me fez ver como passei anos mentindo
sobre a má memória com nomes. Reflexão. O único jeito de sairmos desta
maluquice em que vivemos. Somos todos vítimas e culpados na sociedade que gerou
o monstrengo. O simples fato de não ter votado nele e ter compartilhado a
#elenão não te torna inocente. Não será fácil sair disto. Mas o caminho é
conversar. Prestar atenção no nome das pessoas é um bom começo. Ninguém vai te escutar seriamente se você não estiver disposto a dedicar um espaço do seu cérebro para seu nome.
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