Em 25/01/2019 rompeu a barragem
da mineradora Vale na cidade de Brumadinho. Entre mortos e desaparecidos,
computam-se 393 pessoas. A Vale sabia do risco de rompimento da barragem de
Brumadinho desde 2017, mas nada vez. Calculou riscos e decidiu que era
financeiramente mais vantajoso arriscar do que parar a produção e arrumar os
problemas da barragem. As 393 pessoas já tinham as vidas precificadas. Assim
que ocorreu o acidente, uma das primeiras preocupações do ministro do meio
ambiente, Ricardo Salles, e do governador de MG, Romeu Zema, ambos do Partido
Novo, foi defender a Vale e dizer que seria muito custoso para a região a
interrupção das operações da empresa. As ações da Vale sofreram forte queda no
instante do acidente, chegando a um valor de R$ 41,59. No momento em que este
texto é escrito, um pouco mais de dez meses após a tragédia, as ações da Vale
valem R$ 50,71. Quem apostou na Vale logo após a tragédia teve uma
rentabilidade de aproximadamente 25%. Até o momento, a Vale gastou R$ 1,6
bilhão em indenizações e despesas com a tragédia. Neste valor não está incluso
o dinheiro gasto em publicidade para melhorar a imagem da empresa. O lucro
líquido da Vale em 2018 foi de R$ 26,65 bilhões. Até o momento, as 393 vidas
custaram 6% do lucro de um ano da empresa. Nenhuma pessoa da Vale foi
responsabilizada criminalmente até o momento pela tragédia.
Em 08/02/2019 ocorreu o incêndio no
Centro de Treinamento do Flamengo no Rio de Janeiro, que resultou na morte de
10 jovens das categorias de base. O acidente ocorreu num alojamento provisório.
Improvisaram-se containers e um curto circuito num ar condicionado sem
manutenção causou a tragédia. Colocar crianças em containers era uma opção mais
barata do que coloca-las em hotéis, por exemplo. Até o momento, não houve
acerto de indenização para as famílias das vítimas. O valor oferecido pelo
clube foi de R$ 400 mil a cada família mais um salário mínimo por mês pelos
próximos dez anos. O Flamengo propôs pagar aproximadamente um pouco mais de R$
5 milhões como indenização pela tragédia, proposta não aceita pelas famílias. O
Flamengo gastou em 2019 mais de R$ 200 milhões em contratações. Apenas na
contratação de Arrascaeta pagou R$ 80 milhões. A economia na indenização das
famílias dos mortos no container coincide com a gastança no time de futebol
profissional. Dentro de campo, o Flamengo que colocou jovens para dormirem em
containers improvisados ganhou tudo. Venceu o Brasileiro depois de dez anos e a
Libertadores depois de 38. “O Flamengo é um exemplo de gestão”, diz o
comentarista animado. “O Flamengo pôs a casa em ordem”, diz o outro. Colocar
jovens para dormir em container e não pagar a indenização das famílias é apenas
um detalhe no futebol mercantilista. Em qualquer lugar sério, o Flamengo
estaria com as atividades suspensas por três anos. Por aqui, “o Flamengo é o
Brasil no mundial do Catar”. Até o momento, nenhuma pessoa foi responsabilizada
criminalmente pela tragédia.
Em 01/12/2019 aconteceu uma
tragédia num baile funk no bairro de Paraisópolis, em São Paulo. Cinco
policiais, argumentando que buscavam dois suspeitos, barbarizaram e causaram o
caos num evento com milhares de pessoas, causando pisoteamento. Imagens chocantes
mostram o grau da barbárie dos policiais, que cercaram jovens em ruelas e os
espancaram mesmo eles estando desarmados e não apresentando risco algum. Outra
imagem mostra um policial rindo enquanto dá cacetadas em jovens passando com
medo. Nos dias seguintes à tragédia, todas as manifestações públicas do
governador do Estado, João Doria Jr., foram para proteger os policiais. Nenhuma
manifestação de dor ou de solidariedade às vítimas, nada. O governador duvidou
das imagens que mostravam a barbárie e não decretou luto oficial. Disse que a
política pública de repressão aos pancadões e de criminalização do funk vai
continuar. Dois dias depois, Doria compareceu a um evento da Revista Isto É em
que foi premiado como gestor público do ano. Disse ele ao receber o prêmio: “O
que mais precisamos no Brasil é Justiça, obediência e é isso que São Paulo faz”.
No dia seguinte à premiação, o ex-presidente FHC elogiou João Doria, dizendo
que ele é “uma das vozes racionais do Brasil polarizado”. De seu apartamento em
Higienópolis, o ex-presidente não vê e não se importa com as dores de
Paraisópolis.
Doria trouxe para a política as
melhores e mais modernas técnicas da publicidade. Ele é um produto e o eleitor
não é tratado como cidadão e sim como consumidor. Doria vai ajustando o seu
produto, no caso a si mesmo, para se adequar àquilo que o consumidor quer
comprar. Em 2018, o consumidor/eleitor quis a barbárie. A principal promessa de
Doria na campanha eleitoral foi colocar a polícia para matar. “Mandar bandido
para o cemitério”, foram as palavras ditas pelo então candidato, que também
prometeu pagar os melhores advogados na defesa de policiais que fossem
processados por abusos cometidos em operações. Amigo de Doria, o ministro da
Justiça, Sérgio Moro, trabalha incessantemente para diminuir as futuras dívidas
que Doria possa contrair caso resolva cumprir sua promessa. O tal do “excludente
de ilicitude”, que basicamente foi o carro-chefe de Moro em seu primeiro ano de
gestão, praticamente elimina a possibilidade de punição a policiais que cometam
erros. O excludente não foi aprovado, mas Moro não vai desistir e a lei nunca
foi exatamente um problema para ele. Uma em cada três mortes violentas
ocorridas em São Paulo é causada pela PM. No RJ, a situação é tão grave quanto,
com a polícia batendo recordes de mortes e com o crescimento do domínio das
milícias, já elogiadas pelo atual presidente, Jair Bolsonaro, quando ele era
deputado. Em 2018 o eleitor brasileiro pediu por barbárie. Em 2019 os eleitos
estão entregando o que foi pedido.
O acionista da Vale, o torcedor
do Flamengo e o eleitor de Doria não têm do que reclamar em 2019. Ganharam
dinheiro, títulos e viram a polícia “apavorar” os funkeiros que incomodam. E a
barbárie está só começando. Ela já está precificada. Na foto vocês veem Dennys
Guilherme dos Santos de 16 anos. Umas das vítimas de Paraisópolis. Uma das
vítimas da política de Doria. Uma das vítimas do Brasil.
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