No dia 9/12 aconteceu no
Congresso um evento chamado de “Faça Sempre a Coisa Certa”, tendo como
principal estrela o ministro da Justiça Sérgio Moro. O evento foi um daqueles
grandes nadas que pessoas poderosas realizam às vezes para preencher o tempo e
fazer propaganda pessoal. Completamente irrelevante. Mesmo assim, o tal evento
mereceu uma reportagem de mais de dez minutos no Jornal Nacional. As falas de
Moro eram sempre precedidas das de um jornalista de voz grossa e confiável, que
explicava o que você deveria entender da fala do ministro. “Moro voltou a
criticar o Supremo pela decisão de rever a possibilidade de prisão em segunda
instância, que segundo o ministro aumenta a possibilidade de impunidade”, para
em seguida vir Moro e dizer basicamente a mesma coisa. Nenhuma pessoa do
Supremo com opinião distinta apareceu para apresentar um contraponto e rebater
o ministro. A opinião era dada como verdade absoluta. Na mesma semana em que
Moro ganhou dez minutos de exposição num evento que não significa nada, o
ministro tentou utilizar seu cargo para impedir a perda de mandato de uma
senadora próxima a ele, a “Moro de saias” e posou para uma foto com um busto
dele feito com balas feito pelo lobby da indústria das armas. As duas notícias
tiveram espaço mínimo na mesma emissora que dedicou dez minutos ao evento que
não significava nada.
A Lava Jato em seu projeto de
poder soube muito bem utilizar a mídia. Utilizou três meios em três plataformas
diferentes como cúmplices. A TV Globo na mídia televisiva, a revista Isto É na
mídia impressa e o site O Antagonista na internet. A Globo e a Isto É eram
usadas para vazamentos mais bombásticos e que exigissem reação imediata,
enquanto O Antagonista era usado para as “notícias” mais circenses e menores,
para a destruição do dia a dia e para manter os lavajatistas lunáticos entretidos.
Foi na Globo que Moro vazou as já clássicas conversas telefônicas com Lula,
sempre seguindo a lógica da voz grossa e masculina dizendo antes o que o
espectador deveria entender do que veria. “Neste áudio, Dilma diz a Lula que
entregará nomeação de ministério para protegê-lo de possível prisão”, disse a
voz de Bonner enquanto uma versão do áudio fazia parecer isto. Neste ano, um
documento da Vaza Jato mostrou que Moro havia editado aquele áudio, escondendo
os momentos em que ficava provada que a tese não era verdadeira. O Jornal
Nacional preferiu não noticiar este fato, assim como as demais revelações da
Vaza Jato. Alegou-se que o material de Greenwald fora obtido por “meios
irregulares”.
A Isto É é uma revista irrelevante.
Ainda não fechou as portas graças a compras de publicidade do governo de SP.
Não é à toa que o governador de SP, João Doria Jr., recebe todo ano o prêmio de
“Brasileiro do Ano” da revista. Foi na Isto É que Moro vazou a delação premiada
de Delcídio Amaral, às vésperas da maior manifestação pelo impeachment. Um
fundo preto, a cara de Delcídio e uma manchete do tipo “Lula e Dilma sabiam de
tudo”. Foi provavelmente uma das últimas vezes em que uma edição da Isto É deu
lucro, com movimentos empresarias e de governos à época oposicionistas
comprando edições para distribuição. Dois anos depois, a bombástica delação de
Delcídio não seria aceita pela Justiça por falta de provas. Não houve nenhuma
retratação da Isto É. Mas seria indiferente se houvesse, uma vez que ninguém
mais lê a revista.
O Antagonista sim é relevante. O
site se tornou uma espécie de “porto seguro” da extrema-direita. O radicalismo
realmente confia neste site. Em entrevista à revista Piauí no meio do ano
passado, o futuro vice-presidente Hamilton Mourão disse que era o único meio de
imprensa em que confiava. O site se tornou uma espécie de porta-voz oficial de
Moro na imprensa. A Vaza Jato liberou documentos que comprovam isto. Para negá-los,
Moro soltou uma nota oficial no site do Antagonista. Se aa função da Globo é cobrir os eventos
insignificantes, cabe ao Antagonista fazer o trabalho sujo. Chamar Greenwald de
Verdevaldo, convocar campanhas de ameaças ao Supremo, humilhar Lula, soltar
ameaças disfarçadas de notícia. Foi através deste site que Moro espalhou boatos
de prisão contra o jornalista que o acusava. O principal acionista do
Antagonista é a Empiricus, grupo de investimento que alcançou fama neste ano
com a infame propaganda de Betina. Trata-se de um dos muitos grupos que se
especializam na realização de pirâmides no sistema financeiro brasileiro, algo
que dará muita merda num futuro não tão distante. Uma das principais denúncias
da Vaza Jato é que Moro e Dallagnol utilizavam empresas de fachada de
palestras, comandadas por suas esposas (ou “conjes”) para lavar dinheiro e
ameaçar denunciados. Empresas que topassem financiar palestras dos dois e de
outros membros da Lava Jato seriam poupadas nas acusações. O setor bancário é o
maior cliente das palestras dos dois. Foi poupado da Lava Jato, mesmo que seja
impossível imaginar que todo o dinheiro envolvido na corrupção circularia sem a
participação destas instituições.
Moro chegou ao governo aclamado.
Menos de uma semana antes da eleição foi anunciado como ministro da Justiça.
Paulo Guedes e Hamilton Mourão já disseram publicamente que o convite a Moro já
havia sido realizado antes do processo eleitoral, ficando claro que Moro já
sabia que ganharia um emprego de Bolsonaro quando liberou informações sigilosas
que comprometiam a candidatura de seu rival, Fernando Haddad. Alguns meses
depois, os processos liberados contra Haddad foram arquivados por falta de
prova. Moro foi tratado como especialista no assunto Justiça e Segurança
Pública, mesmo que não tenha nenhuma contribuição realmente relevante ao
assunto.
Sua primeira medida como ministro
foi assinar o decreto das armas, cujo objetivo era facilitar a posse de armas.
Seu comprometimento com a causa bélica levou o lobby das armas a presenteá-lo
com a “bela” homenagem nesta semana. Ainda no começo do governo, Moro apresentou
o “Pacote Anticrime”, a mais clara tentativa de legitimação de práticas
fascistas apresentada neste governo. O Pacote de Moro previa, entre outras
coisas, a liberação da violência policial, garantindo a impunidade ao policial
que cometesse abusos e alegasse “forte emoção”, o tal do excludente de
ilicitude, o quase fim das restrições ao uso de prisões preventivas e do habeas
corpus. Nem a ditadura foi tão longe. O Congresso conseguiu barrar os maiores
absurdos, mas Moro não vai desistir. Conta com os amigos da imprensa para isto.
Moro é também o “cão de guarda” de Bolsonaro. Aparelhou a PF de forma a ameaçar
inimigos do presidente. Uma semana depois da briga do presidente com seu
ex-partido, a PF invadiu a casa do presidente do PSL numa investigação sobre
candidatos laranjas. Também ameaçou publicamente o porteiro que teria falado
com Bolsonaro no dia da morte de Marielle Franco e tenta federalizar a
investigação para proteger membros da família do presidente, que aparentemente
podem estar envolvidos no crime.
Moro subiu na vida explorando o
ódio a Lula e aos políticos. Ninguém se importou muito quando Moro e sua turma
destruíram o devido processo legal no “combate à corrupção”. Afinal, é “normal”
que o juiz converse foram dos autos com o promotor. Se usou Lula e os políticos
para o primeiro passo, tenta usar o Supremo para o segundo. A prisão em Segunda
Instância é tão importante porque permite que Moro e o baixo clero do
Judiciário condenem sem passar pelo crivo do Supremo. Eles têm o poder de
mandar prender e soltar. Inventaram alguns slogans para defender este tema,
como “a segunda instância garante a impunidade” ou “a segunda instância é um
privilégio”. Não importa que dados comprovem exatamente o contrário. A maior
parte das pessoas que têm penas revistas em última instância é pobre e a maior
parte dos recursos que chegam ao Supremo vem da Defensoria Pública. Estas
pessoas são a maioria. Mas não há dado que sobreviva a um bom slogan e a uma
mídia comprometida. Simplesmente não há apresentação de dados quando o assunto
é este. O que há é Moro repetindo falsos sensos comuns. Não há espaço para
opinião daqueles que são contra a prisão em Segunda Instância, que são tratados
como demônios. Gilmar Mendes, principal voz do nosso judiciário atual quando o
assunto é humanização da lei, é tratado como vilão por ser a figura que solta
pessoas. Justiça passou a ser vista como punição e liberdade como impunidade.
Não há uma semana em que Moro não faça alguma acusação ao Supremo. Neste ano,
inclusive, o ministro inflou e elogiou manifestações que pediam seu fechamento.
Moro é inimigo das regras e do
estado democrático de direito porque ele o atrapalha. Numa das conversas da
Vaza Jato, Dallagnol propõe a criação de um monumento à Lava Jato em que uma figura
masculina representando a justiça derruba dois pilares representando Executivo
e Legislativo. O único que ficaria de pé é o Judiciário. Mas Moro quer derrubar
o Judiciário também.
O segredo está nos detalhes.
Nenhuma pessoa soube usar tão bem os moralismos para ambição pessoal como Moro.
A Lei da Ficha Limpa veio assim. A população entrou de cabeça no projeto que
deu ao baixo clero do Judiciário o direito de decidir quem pode ou não concorrer
numa eleição. A delação premiada a mesma coisa. A sociedade aplaudiu quando
este mesmo baixo clero ganhou um instrumento de tortura que garantiu veracidade
a roteiros já pré-estabelecidos e a condenações já decididas antes da
existência de um processo. Este, aliás, tornou-se um mero detalhe, uma
burocracia. No projeto anticrime aprovado, mesmo que sem os maiores absurdos
propostos por Moro, há um item preocupante. Não há mais possibilidade de
recursos em liberdade para pessoas presas por crimes hediondos. Não há como ser
contra isto, não é? Pois bem, é fato que o próximo passo do ministro será a
qualificação de corrupção como crime hediondo.
Moro é o maior risco à nossa
democracia. É mais perigoso do que Bolsonaro. Toda sua ascensão se fez à base
da destruição do estado democrático de direito. Moro legitimou na justiça a
ideia de ausência de direito pleno à defesa e de imparcialidade do juiz. “Não
falo com condenados”, disse ele numa entrevista mesmo tendo uma profissão,
juiz, que basicamente o obriga a falar com condenados. Sim, um juiz deve ouvir
de forma imparcial também o condenado. Transformou a delação premiada em
instrumento de tortura. Todo o seu primeiro ano no ministério repetiu no governo
suas táticas na magistratura. Qualquer boa ação sua, verdadeira ou não, é
hiperpropagandeada, enquanto suas ações ruins ficam debaixo dos panos. Moro
chegou ao poder mentindo e manipulando. É um criminoso. Não teria razão para
mudar agora. O ano 2 será ainda pior.
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