quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Alberto Saraiva e o mito do empresário bonzinho




Alberto Saraiva é um empresário bem sucedido. Não gosto de usar o termo sucesso para pessoas como ele, pelo simples motivo que se aplicarmos a palavra sucesso para casos como o dele devemos aplicar a palavra fracasso para todo mundo que não conseguiu o que ele conseguiu. Eu não acho que o pai de família que precisa de dois empregos para sustentar sua família seja um fracassado. Para mim este conceito está muito mais ligado à forma como você lida com a sua vida. Acho que o termo sucesso usado para pessoas que simplesmente enriqueceram cria uma sociedade doente. Mesmo assim, não posso negar que a história de vida de Alberto seja comovente. Começou absolutamente do nada. Primeiro com uma padaria com o pai, que foi assassinado em um assalto no estabelecimento 19 dias após a abertura. Não desistiu, abandonou a medicina e investiu no Habib’s. Hoje é um cara rico.
Há um texto circulando na internet cuja autoria é atribuída a Alberto e que está viralizando. Ainda não há confirmação se o texto é realmente dele e você pode vê-lo no link a seguir: http://www.jornaldoempreendedor.com.br/destaques/inspiracao/o-desabafo-do-presidente-do-grupo-habibs. É um dos piores e mais hipócritas textos que li nos últimos tempos.
O texto vangloria aquilo que chamo de “mito do empresário bonzinho”. Com o objetivo de inserir entre os trabalhadores a defesa dos interesses patronais, há uma campanha de marketing ideológico, em certa medida patrocinada por parte da mídia, para transformar o empreendedor em herói cujo objetivo principal é a criação de empregos. Boa parte (para não dizer todos) dos grandes empresários nacionais não se importa com a criação de empregos, o interesse está na margem de lucro. Para se obter lucro, contrata-se gente. O emprego, portanto, não é o fim e sim o meio para se chegar à melhor margem. Não há juízo de valor nisso. Não é errado querer lucrar. Apenas não posso mais aguentar a hipocrisia deste empresariado de querer vender a ideia de que eles fazem uma boa ação ao país ao contratar gente.
A base da criação de riqueza é o trabalho. É ele que transforma o nada em alguma coisa. Não há produção sem trabalho. Para usar o Habib’s como exemplo, Alberto é dono das máquinas e do estabelecimento, mas ele necessita de pessoas para gerar o produto final. Se Alberto contrata um atendente por R$ 1.000,00, significa que este atendente gera para Alberto, no final das contas, mais do que R$ 1.000,00. Se gerar apenas R$ 900,00, será demitido. A conta é simples, mas as pessoas se esqueceram do óbvio. O empregado de Alberto não deve ser grato a ele. Tudo que ele consegue é fruto do seu trabalho, que ajuda a enriquecer Alberto. É este que se apropria de parte da riqueza criada pelo funcionário, e não o contrário. Sem juízo de valor. A renda do trabalhador só depende de si próprio, enquanto a renda do patrão depende do trabalho do outro. Do ponto de vista lógico, quem deveria ser grato a quem?
O empresariado brasileiro, neste período de crise, tenta transformar seus interesses de classe em interesses nacionais e para isso tenta transformar o ato de criação de empregos em caridade, de tal forma que os seus empregados devem ser eternamente gratos àquele que os emprega. Para isso, usa o argumento batido e mentiroso de que “a última coisa que queremos fazer é demitir gente”. Mais uma hipocrisia. A última coisa que eles querem é diminuir a margem de lucro. Uma nova demissão é apenas “corte de gastos”.
A quantidade de trabalhadores que caiu neste engodo cresce. É assustador o número de pessoas remuneradas defendendo valores patronais e criticando a CLT. Que realmente acreditaram que os empresários querem pagar menos impostos para contratar mais gente. Eles não querem contratar mais ninguém, querem aumentar o lucro. Querem menos imposto para ter mais dinheiro no bolso. Só isso. Sem juízo de valor.
O empresariado trabalha em interesse próprio. Conseguiu convencer uma parcela significativa da classe média trabalhadora de que seus interesses representam os interesses nacionais. Aparecem na TV falando de quantos empregos geram e recebem elogios por isso. Sem juízo de valor, mas nossos valores estão invertidos. Na sociedade da aparência, não percebemos o lógico. O que gera riqueza não é o empresário de terno, mas sim o trabalhador de macacão, utilizando as ferramentas do empresário de terno. E cada um deveria defender seus interesses. Sem agradecimentos e sem hipocrisia. 

terça-feira, 11 de agosto de 2015

DISCRIMINAÇÃO - VOCÊ FINANCIA ESSA MERDA!



Comprar carteira de motorista, subornar o guarda, furar fila, pagar meia entrada indevidamente, transferir pontos para a carteira de habilitação de outra pessoa e selecionar frequentadores na porta de baladas são práticas comuns na sociedade brasileira, sendo que esta última está no foco do debate neste momento.

As hostess das baladas de classe alta de São Paulo existem somente para dizer quem pode e quem não tem o direito de se divertir. É função desse profissional deixar a balada bonita e elegante, pois o ideal é que o seu consumidor possua 3 características básicas: dinheiro, educação e beleza. A beleza é um critério subjetivo, já que se aplica apenas ao produto de qualquer casa noturna, que são as mulheres.
Essa é a hora em que feminista pula da janela, e não é para menos. A sociedade vergonhosamente machista ainda trata a mulher como um produto e para os proprietários de casas noturnas não é diferente. Como quem entra em uma revendedora de carros, os homens buscam entrar em casas que tenham os produtos mais novos, bonitos e conservados, e os promotores dos eventos vendem isso a todo momento, ou você nunca ouviu frases do tipo “Os melhores DJ’s e muita gente bonita!”?
Os homens pagam mais caro e as mulheres são VIP. Essa prática já coloca a mulher como um objeto pronto para ser consumido, caso você esteja disposto a pagar por isso. Imagine o quanto se pode cobrar em um estabelecimento em que o produto é de primeira. A entrada VIP é a maior agressão ao orgulho e ao poder feminino, e não pelo argumento simplório repetido à exaustão pelos machistas de que se os direitos são iguais os deveres também devem ser, mas pelo o fato de a própria mulher se colocar em uma prateleira para ser usada como forma de atrair um público com vocação para beber, ostentar e, principalmente, gastar.


A seleção social já é triste, é a primeira barreira que deve ser vencida no caminho da “night”. O alto preço faz a primeira seleção natural das baladas classe A, e mesmo que você faça uma poupança para poder um dia desfrutar desse mundo não é certo de que vá conseguir, pois terá sempre no seu caminho uma hostess ou um segurança para medir a sua capacidade de estar naquele lugar. É nesse momento que o brasileiro passa da vergonha moral de um país de extremos para um povo criminoso e discriminatório.


Agora não venha você dizer que não sabe que isso acontece. Todos sabemos e em muitos casos compactuamos com isso, principalmente quando frequentamos locais que notoriamente praticam esse tipo de discriminação. Se você sentiria vergonha de usar uma roupa que foi feita por escravos ou de comer em um restaurante que não aceita gays, por que consumir esse produto da balada bonita? Como na maioria das mazelas desse país, fazer a sua parte é a principal forma de acabar com o problema. Se o público parar de procurar pelo slogan “muita diversão e muita gente bonita” quem sabem um dia as casas noturnas começarão a separar o público de forma natural, apenas pelo o seu gosto musical.

A prova de que não são apenas as baladas que são escrotas, mas o seu público também, vem dos EUA. Sean O'Brien é um homem acima do peso que decidiu dançar e se divertir, porém a foto abaixo foi postada com a seguinte legenda "Vi esse espécime tentando dançar na semana passada. Ele parou quando nos viu rindo".


Sean era apenas mais um ser humano tentando se divertir, mas as pessoas que publicaram essa foto gostariam que ele estivesse ali?
Em resumo, Sean se tornou um ícone antibullying e ganhou uma festa ao som de ninguém menos que DJ Moby. A hashtag #dancingman explodiu.

A sociedade tem que entender a sua parcela de culpa, já que a balada classe A só é assim porque vende, porque tem público. Fazendo uma comparação exagerada, toda a culpa do Holocausto recaiu sobre o regime nazista e o seu mentor Adolf Hitler, mas as pessoas se esquecem que os judeus eram odiados por toda a Europa, seja pela população ou por seus governantes, mas apenas Hitler teve a covardia coragem de fazer o que fez. Será que você, frequentador das baladas de luxo – e não são apenas as sertanejas, hein! –, não está financiando o crime? Será que você também não discrimina indiretamente? Será que na verdade você gosta e aprova isso? Será que você não paga caro justamente para que alguém mantenha certas pessoas bem longe? Pense bem, a sociedade também é você.

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

A passeata por nada


            

A ligação de Eduardo Cunha com escândalos de corrupção vem de longe. Começou no governo Collor, quando  era o operador de PC Farias na Telerj, continuou pela quase falência do fundo de pensão Cedae (Companhia Estadual de Água e Esgoto do Rio de Janeiro) no governo Garotinho no RJ, passou a compra de ações superfaturadas pela Furnas, já no governo Lula, chegando finalmente à operação Lava-Jato, em que é um dos nomes mais citados.
Dia 16/08 teremos mais uma passeata contra o governo Dilma Rousseff. Em SP será organizada pelo Movimento “Vem pra Rua”, pedindo a saída da presidente, seja por impeachment ou por renúncia. Os líderes do movimento baterão na tecla da corrupção, mas já afirmaram que pretendem poupar Eduardo Cunha de críticas. Argumentam que ele hoje é personagem importante para conseguir o sonhado afastamento da presidente.
Uma boa parte dos brasileiros é corrupta. Compram-se carteiras de motorista, carteiras de estudante, entrega-se propina a policiais e funcionários públicos, ligam-se pontos de TV a cabo ilegal. A corrupção no dia-a-dia é tão grande que algumas empresas até adequaram seus serviços à pirataria. Ou ninguém estranha que a principal distribuidora de TV a cabo do país tivesse recebido, ao mesmo tempo, milhares de pedidos para redução de pacotes? Ou ninguém estranha a relação direta dos funcionários desta empresa com a pirataria?
Mas hoje eu acredito que o grande símbolo da corrupção do dia-a-dia seja a transmissão de pontos entre carteiras de motorista. Extrapola-se a pontuação permitida e se joga esta pontuação adicional na carteira de alguém. Muitos fazem, divulgam e não se sentem culpados ou intimidados fazê-lo. A revolta é muito maior em relação à quantidade de radares na cidade. Chama-se aquilo de “indústria da multa”. As mesmas pessoas que exigem policiamento e reclamam que as pessoas não cumprem as leis, falam mal destes radares que fiscalizam quem está seguindo as normas. Polícia é legal, desde que não esteja fiscalizando aquilo que eles fazem de errado.
Um número significativo destas pessoas estará na manifestação do dia 16. Vestirá sua camisa da seleção brasileira, pintará seu rosto e tirará selfies. Nem todos os manifestantes dessa passeata terão este perfil, mas uma parte significativa. Boa parte dos slogans será contra a corrupção, mas o foco, como mostrado no segundo parágrafo, não é este, quer-se simplesmente tirar a presidente. O argumento encontrado é a corrupção. Mas se precisarmos de um corrupto para substituí-la, sem problemas.
A rivalidade PT-PSDB destruiu nos últimos anos a capacidade de reflexão do grande público. Os dois lados têm culpa por jogar o nível da conversa no chão. Age-se por impulso e não há disposição para ouvir-se o lado oposto. Quando um lado fala, o outro grita e bate panela. Como uma criança que não quer ouvir o pai. Uma criança mimada.
A classe média, da qual faço parte, é geralmente mimada e individualista. Os últimos 21 anos representaram o período de entrada de muitas pessoas nesta classe. Fomos ensinados e doutrinados a perseguir o sucesso e a vitória. Mais do que isso, fomos doutrinados a “merecer” a glória, de tal forma que esperamos este sucesso como resultado de um esforço. Muitas das pessoas que estarão nesta passeata, vindas da classe média, esforçaram-se para evitar a derrota de Aécio na eleição do ano passado. Fizeram o que puderam. Perderam e junto com a derrota veio a dor de descobrir que nem sempre esforço gera resultado. Pela quarta vez seguida. A revolta gerou o ódio e estes movimentos como o “Vem pra Rua” estão trabalhando para transformar este ódio em algo.
A política econômica do segundo mandato de Dilma é uma tragédia. Reeleita, ela preferiu aplicar o projeto econômico do candidato derrotado. Resolveu enfrentar a crise da pior forma possível, aprofundando-a. As mesmas políticas de austeridade que não geraram nenhum resultado concreto na Europa estão sendo adotadas por aqui. Cortam-se gastos públicos, no entanto a política mais bem-sucedida que se conhece para a saída de uma crise foi adotada pelos EUA nos anos 30, o New Deal, em que se elevaram os gastos públicos. Se o governo não tem recursos para tal, a que se aumentar a arrecadação. Que tal um imposto sobre fortunas?
Um grande mérito da elite econômica brasileira foi embutir na classe média seus valores e princípios. Através da mídia, o imposto se tornou assunto proibido. Somos doutrinados a reclamar dos serviços públicos (que muitas vezes são realmente uma porcaria), mas não refletimos sobre a causa deles serem tão ruins. E o motivo é a desvalorização do público em relação ao individual. É ela que nos levou a buscar serviços privados ao invés de lutar como sociedade pela melhoria dos serviços públicos. Dando um exemplo, o que seria das grandes companhias de seguro de saúde se a saúde pública no Brasil fosse boa? Será que elas financiam congressistas? Como agem os congressistas por elas financiados? Por que a mídia não fala disso?
A classe média age e pensa como a elite que sonha ser. E enxerga como um problema sério quando algo a impede de ter a vida de riquezas e privilégios sonhada. E supervaloriza estes problemas através da mídia. Algumas reportagens de revistas semanais de informação nas últimas semanas comprovam isso. O tema é sempre a crise econômica. Uma das matérias falava sobre o “drama” de uma família que não tinha mais dinheiro para jantar fora no sábado à noite, e por isso estava comprando uma pizza. Outra era sobre uma família que não tinha mais condições de ir ao cinema no mesmo sábado à noite, e por isso teve que assinar o Netflx. No mesmo fim de semana, um grupo de haitianos sofreu um atentado no centro de São Paulo. O espaço para este assunto na mídia foi quase nulo? Por quê? A meu ver, a mídia tem interesses econômicos próprios e os defende. Cada um defende o seu lado, tentando transformar problemas individuais em problemas coletivos e dessa forma mobilizar pessoas.
As indústrias automobilísticas tiveram por anos um lucro irreal bancado dinheiro público, ora por subsídios ora por investimento direto. Este lucro foi por anos usado para bancar bônus milionários para diretores que se julgavam mestres cada competência, quando na verdade geravam empresas que sem o governo iriam a bancarrota. O governo e a sociedade bancaram estes diretores por ano, sem exigir nada como contrapartida. Quando a fonte governamental secou, qual a primeira coisa que foi feita? Demitiu-se. O dinheiro do lucro, que deveria ter sido usado para criar uma reserva para anos futuros, foi todo torrado. Muitos não concordam com a minha visão, mas acredito que uma empresa que recorre a recursos públicos tem certas responsabilidades. O lucro foi usado para premiar uma “boa gestão”. O prejuízo foi justificativa para demitir e culpar o governo. O empresariado brasileiro conseguiu criar a imagem de que a função deles é “criar empregos”. Na realidade, eles não estão nem aí para os empregos que criam. Eles só os criam porque ganham algo. Não acho isso errado, apenas não gosto do argumento de que eles não pensam no individual, e sim no coletivo. E mais do que isso, a incapacidade da sociedade de enxergá-los como parte significativa do problema que enfrentamos.
O Bradesco está muito preocupado com a crise econômica atual. Seus melhores economistas aparecem quase diariamente na televisão falando da gravidade da situação. O lucro do banco, no entanto, subiu 18% em relação ao ano passado. Os questionamentos a isso são inexistentes. O Bradesco lucra apesar ou por causa da crise? Por que cada vez mais bancos estrangeiros deixam o Brasil, como o HSBC neste mês ficando espaço apenas para Bradesco e Itaú? Estes lucros são reais ou são semelhantes àqueles do Pan-Americano? A ausência de questionamentos é simples, o Bradesco é um dos maiores patrocinadores de todos os órgãos da grande mídia. Você arrumaria briga com um cliente?
Os questionamentos são seletivos e graças à doutrina que nos impede de refletir, imperceptíveis. A bola da vez é a Petrobrás. Mas alguém viu algum questionamento sobre a verba de publicidade que a estatal gasta? Por que uma empresa monopolista investe em publicidade? Quanto de dinheiro público é repassado a empresas privadas desta forma?
O principal motivo da oposição à Dilma é financeiro. Pessoas que acreditam que poderiam estar ganhando mais dinheiro do que estão querem mudança. Para isso, estimulam um movimento de “combate” à corrupção sem discuti-la de forma mais complexa. Nossa sociedade é corrupta, nosso governo não tem porque não ser corrupto. Ele é um reflexo perfeito do que somos. As denúncias de corrupção são sérias, mas não há interesse em acabar com ela. Há interesse em usá-la para mover uma massa indisposta a discutir e a pensar. Dilma ainda não tem seu nome diretamente envolvido nos escândalos. Cunha tem. Ela o movimento quer derrubar. Ele será poupado. Há um interesse nisso. O interesse em mudar. Mas também em deixar tudo como está.

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

A televisão, a publicidade e a cultura da violência no Brasil

 

Até os anos 60, a violência no Brasil tinha uma cara diferente da que temos hoje. A desigualdade social e a pobreza eram ainda maiores naquele período, o que explica sermos hoje uma sociedade mais violenta? Vários aspectos, mas o objetivo aqui é abordar apenas um deles e refletir sobre seus impactos na violência urbana, o surgimento da televisão.
A televisão chegou ao Brasil ainda nos anos 50, mas foi na década seguinte que começou a se  popularizar, chegando à classe média. Este novo meio de comunicação, com um alcance maior do que tudo que existia antes, levou a um desenvolvimento da publicidade. A venda de anúncios era o que tornaria tudo aquilo possível e a televisão começou um trabalho de criação de “mitos”, seres incríveis e admiráveis que eram capazes de vender tudo aquilo que anunciassem. Não é à toa que nesta época surgiram os primeiros grandes “heróis” de massa do país: Pelé, Roberto Carlos e Wilson Simonal. Artistas e jogadores de futebol poderiam ser mostrados agora a todo país, não apenas ao eixo Sul-Sudeste, e havia muita gente disposta a lucrar a partir do fanatismo que estas pessoas causavam.
Mais do que produtos, a publicidade vende a felicidade, sempre a ligando a alguma mercadoria. Um número cada vez maior de pessoas tinha acesso a estas novas publicidades e isto gerou nelas uma série de “necessidades” que antes não existiam e que só poderiam ser supridas pela compra do produto e do sonho visto na televisão. Os sambistas antigos e os funkeiros atuais vêm do mesmo lugar. A felicidade para os primeiros estava relacionada a conceitos ligados a relacionamentos, já para os músicos atuais está no consumo. O que explica esta diferença é uma mudança de valores trazida pela publicidade. Pode ser chocante, mas faz sentido acreditar que se Cartola nascesse hoje, no mesmo lugar em que nasceu no começo do século passado, provavelmente estaria fazendo a mesma coisa que o MC Guimê.
O desenvolvimento da televisão, portanto, levou uma série de novos desejos a um grupo cada vez maior de pessoas, que nem sempre via suas vontades atendidas. Isto mudou o aspecto da violência, especialmente nas grandes cidades. Até aquele momento, a violência urbana estava muito mais ligada a Máfias do que a qualquer outra coisa. Relacionava-se em boa parte a relações quase patriarcais de grupos disputando mercados negros. A partir dos anos 70, desenvolveu-se um tipo de violência mais individual, de pessoas que não queriam um mercado, queriam apenas comprar. Pessoas incapazes de comprar o produto dos sonhos vendido pela publicidade e que encontravam no roubo a única saída para esta dita felicidade. Vivíamos uma ditadura militar truculenta que apostou na repressão e não na educação como forma de enfrentar esta nova epidemia. Ideia de repressão compartilhada hoje em dia pelas pessoas que defendem a redução da maioridade penal como solução para os problemas do país. Deu errado lá atrás, tem tudo para dar errado agora.
Já nos anos 80, a televisão já consolidada como grande entretenimento nacional descobriu um novo mercado consumidor, as crianças. Devidamente preparada, surgia a primeira grande apresentadora infantil do país, Xuxa. Loira e bonita, era o instrumento ideal para convencer crianças a pedirem seus produtos para pais já acostumados com a ligação produto – felicidade. Xuxa foi transformada em rainha, as crianças em súditas, sedentas pelo que ela vendia. É neste período também que encontramos os primeiros surtos de violência infantil no país, como os arrastões em praias cariocas.
Lembro que, obviamente, há outras explicações para as novas ondas de violências surgidas a partir dos anos 70. O êxodo rural, com uma quantidade cada vez maior de pessoas morando em situações degradantes em grandes cidades, o consumo maior de drogas pela classe média e alta e o surgimento de grupos nas camadas mais baixas dispostas a suprir o vício desses consumidores, destruição do aparato educacional de base, surgimento e disseminação do crack como droga barata entre pessoas sem esperanças, entre outros. Mas o objetivo é falar apenas sobre televisão e publicidade, sem esquecer, claro, dos outros componentes transformadores deste contexto. E lógico que todos estes componentes citados acima já existiam antes do surgimento da televisão. Já havia gente roubando carroça no Brasil Colônia. A reflexão é sobre o caráter epidêmico que ela tomou.
A partir dos anos 90, a televisão passou a enxergar a violência como um produto e o medo como um motivador. Programas jornalísticos do mundo cão se desenvolveram, sempre mostrando como o mundo é perigoso ao mesmo tempo em que anunciavam maravilhas que os telespectadores poderiam comprar. Surgia neste período uma série de empresas vendendo o novo produto que este consumidor mais desejava, a segurança. O programa mostrava uma reportagem sobre o roubo de carros. Em seguida, uma propaganda de carro, sempre com uma pessoa que havia encontrado a felicidade por tê-lo. Logo após, a propaganda de uma seguradora de carros. Fechava-se o ciclo. Queira o carro. Compre o carro. Proteja-se do perigo.
Os anos PSDB-PT foram acima de tudo um período de explosão do consumo. A estabilização econômica do PSDB permitiu um maior acesso a novos produtos por um número maior de pessoas, e isto se desenvolveu pelas políticas de distribuição de renda do PT. Mas note que o conceito de “felicidade” imposto pela publicidade televisiva já estava disseminado mesmo em nossas políticas governamentais. Melhorar o país seria permitir que um número maior de pessoas consumisse, pois é nisso que estaria a verdadeira felicidade. Mesmo a educação foi tratada como um bem de consumo. O valioso esforço petista para colocar um número cada vez maior de jovens de baixa renda na universidade visa muito mais a formação de mão-de-obra qualificada para a produção, e não o surgimento de uma geração capaz de refletir sobre a sociedade em que vivemos e como melhorá-la. O mesmo processo de descaso com as ciências humanas existente no regime militar existe hoje. Estas ciências não estão inseridas no programa de ciências sem fronteiras, por exemplo. Não discutimos se o país está bem pelo conhecimento criado, mas sim pelo PIB.
 A transformação da educação em um produto de consumo é, a meu ver, a etapa final de um processo alienante iniciado, entre outros motivos, com o desenvolvimento da publicidade a partir do surgimento da televisão. Assim como a violência, a educação mais do que qualquer coisa é pensada para vender. Mais do que qualquer coisa, as maiores causas da violência urbana hoje são o consumismo e o individualismo. Não há reflexão, há apenas respostas a instintos, e nada nos faz agir mais de forma instintiva do que o medo.
Ligue a TV. Queira o carro. Compre o carro. Proteja-se. Prenda. Reprima. Seja infeliz.

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

O fim da gestão Haddad


Foi divulgada ontem a primeira pesquisa para as eleições municipais de SP de 2016. O resultado foi catastrófico para o atual prefeito Fernando Haddad. Ele aparece em 4º com 9%, atrás dos televisivos Celso Russomano e José Luiz Datena, além da antiga aliada e agora rival Marta Suplicy. O candidato do PSDB, Bruno Covas ou Andrea Matarazzo, aparece em 5º lugar. Nomes desconhecidos, qualquer um dos dois tende a crescer com o apoio de Alckmin e os programas eleitorais, o que torna bem possível que Haddad fique em 5º lugar. Creio que seria algo inédito na história do mundo um candidato à reeleição ficar em 5º lugar. O que Haddad pode fazer para mudar este cenário? Em minha opinião, nada.
Haddad é um choque para SP. Um choque de modernismo para o qual a cidade não estava mentalmente preparada. Numa cidade em que se fala apenas do indivíduo, ele pensou no coletivo. Numa cidade em que as pessoas se enxergam como consumidores, ele nos tratou como cidadãos. Pagará o preço por isso no ano que vem.
Nunca um prefeito pensou tanto no coletivo sem fazer concessões. Marta, que também revolucionou o transporte coletivo em sua gestão, fazia concessões como a construção do túnel Rebouças, por exemplo. Haddad não. Fez aquilo que se faz em toda cidade grande de 1º mundo, criou dificuldades para os carros e investiu nas bicicletas. Mas como convencer pessoas que foram criadas com a ideia de o que carro simboliza o ápice do sucesso e que entram em prestações eternas para ter conforto e demonstrar algum tipo de ascensão social a andar de bicicleta? Um vídeo que circulou nas redes sociais mostra uma bicicleta andando mais rápido do que um carro na Marginal Pinheiros. Em outros lugares do mundo, isso faria as pessoas largarem o carro. Aqui, muda-se de prefeito.
Nada simboliza mais a mentalidade de boa parte da população paulistana do que a polêmica em torno da redução de velocidade nas Marginais. Eu, sinceramente, não tenho opinião formada sobre o assunto. Ao mesmo tempo em que tendo a concordar com medidas que penalizem o uso de automóveis, concordo que a Marginal é uma via expressa e que é muito improvável um caso de atropelamento nela em que a culpa não seja do pedestre. Por isso, não acho nada sobre o assunto. Espanta-me, porém, o grau de polêmica que este assunto gerou. De repente ter que andar a 50 km/h na Marginal se tornou o maior problema da cidade. Esqueceu-se até da falta d’água. O Governador da Sabesp teve 49% dos votos na capital. O Prefeito que reduziu a velocidade nas Marginais tem 9%. Daí pode-se concluir que o paulistano, em geral, prioriza o carro à água.  
No combate ao crack, Haddad optou pelo caminho da cidadania. Seu programa de acolhimento aos usuários também gerou críticas e foi maldosamente apelidado de “bolsa-crack”. Dois anos depois, uma reportagem de um grande jornal traz como título que 40 % dos atendidos por este programa abandonaram o programa. Uma manchete mais otimista diria que 60% dos atendidos continuam no programa depois desse período. 60 % para este caso é muito, basta pensarmos na quantidade de celebridades que se internam em clínicas milionárias pelo mesmo problema e têm recaídas. Uma parcela significativa da população não quer seus impostos gastos nisso. Quando se pensa como consumidor, perde-se a noção de cidadania, perde-se a capacidade de enxergar o outro com algum grau de compaixão. Estimula-se toda uma retórica estimulando a competição e a meritocracia que faz com que as pessoas não reflitam, sendo contra o uso do seu suado imposto na reabilitação de pessoas a margem da sociedade. Não à toa o defensor dos consumidores está em primeiro.
Toda ação gera uma reação adversa de igual intensidade. A onda de rejeição a Haddad gerará um próximo governo que provavelmente será o seu oposto. O seu pensamento coletivo será substituído ou pelo já citado individualismo do consumidor de Russomano ou pelo individualismo do medo de Datena, que receberá os votos daqueles cuja prioridade é a sobrevivência na alardeada guerra urbana em que vivemos. A pessoa que tem medo pensa apenas em si. Quer seu imposto gasto em armas e polícias, não em parques e praças.
O candidato do PSDB deve crescer, mas creio todos se uniriam contra ele num provável segundo turno. Não vejo também chances para Marta. Sua candidatura é um tiro no pé para ela e para Haddad. Os dois têm o mesmo eleitorado, concentrado na periferia e na “esquerda Vila Madalena”. Aqueles vão de Marta e estes vão de Haddad, de tal forma que nenhum dos dois terá votos suficientes para ir ao segundo turno.
O que resta para Haddad? Para mim, ele deve esquecer a eleição do ano que vem e pensar em como a história se lembrará dele. Apenas o tempo e a mudança de mentalidade de uma nova geração serão capazes de reabilitá-lo. Paulo Maluf deixou a prefeitura de SP em 1996 com 92% de popularidade. Veja como sua gestão é avaliada quase 20 anos depois.
Haddad deve aproveitar este 1 ano e 5 meses que restam de mandato para aprofundar as transformações que vem realizando na cidade e aguentar a provável humilhação das urnas no ano que vem. Voltar atrás agora significaria prejudicar seu legado e não trará os votos necessários para um segundo mandato. Nenhuma concessão. Fechar o minhocão aos sábados e a Paulista aos domingos. Investir no Plano Diretor e no combate à especulação imobiliária. Estimular a ideia de que uma cidade não é apenas aquilo que está do lado de fora do vidro do carro no caminho entre a casa e o trabalho. A cidade também é algo para ser vivido. Hoje a maioria não valoriza isso. Quem sabe em 2036.