A
ligação de Eduardo Cunha com escândalos de corrupção vem de longe. Começou no
governo Collor, quando era o operador de
PC Farias na Telerj, continuou pela quase falência do fundo de pensão Cedae (Companhia
Estadual de Água e Esgoto do Rio de Janeiro) no governo Garotinho no RJ, passou
a compra de ações superfaturadas pela Furnas, já no governo Lula, chegando
finalmente à operação Lava-Jato, em que é um dos nomes mais citados.
Dia
16/08 teremos mais uma passeata contra o governo Dilma Rousseff. Em SP será
organizada pelo Movimento “Vem pra Rua”, pedindo a saída da presidente, seja
por impeachment ou por renúncia. Os líderes do movimento baterão na tecla da
corrupção, mas já afirmaram que pretendem poupar Eduardo Cunha de críticas.
Argumentam que ele hoje é personagem importante para conseguir o sonhado
afastamento da presidente.
Uma
boa parte dos brasileiros é corrupta. Compram-se carteiras de motorista,
carteiras de estudante, entrega-se propina a policiais e funcionários públicos,
ligam-se pontos de TV a cabo ilegal. A corrupção no dia-a-dia é tão grande que
algumas empresas até adequaram seus serviços à pirataria. Ou ninguém estranha
que a principal distribuidora de TV a cabo do país tivesse recebido, ao mesmo
tempo, milhares de pedidos para redução de pacotes? Ou ninguém estranha a
relação direta dos funcionários desta empresa com a pirataria?
Mas hoje eu acredito que o
grande símbolo da corrupção do dia-a-dia seja a transmissão de pontos entre
carteiras de motorista. Extrapola-se a pontuação permitida e se joga esta
pontuação adicional na carteira de alguém. Muitos fazem, divulgam e não se
sentem culpados ou intimidados fazê-lo. A revolta é muito maior em relação à
quantidade de radares na cidade. Chama-se aquilo de “indústria da multa”. As
mesmas pessoas que exigem policiamento e reclamam que as pessoas não cumprem as
leis, falam mal destes radares que fiscalizam quem está seguindo as normas.
Polícia é legal, desde que não esteja fiscalizando aquilo que eles fazem de
errado.
Um
número significativo destas pessoas estará na manifestação do dia 16. Vestirá
sua camisa da seleção brasileira, pintará seu rosto e tirará selfies. Nem todos
os manifestantes dessa passeata terão este perfil, mas uma parte significativa.
Boa parte dos slogans será contra a corrupção, mas o foco, como mostrado no
segundo parágrafo, não é este, quer-se simplesmente tirar a presidente. O
argumento encontrado é a corrupção. Mas se precisarmos de um corrupto para
substituí-la, sem problemas.
A
rivalidade PT-PSDB destruiu nos últimos anos a capacidade de reflexão do grande
público. Os dois lados têm culpa por jogar o nível da conversa no chão. Age-se
por impulso e não há disposição para ouvir-se o lado oposto. Quando um lado
fala, o outro grita e bate panela. Como uma criança que não quer ouvir o pai. Uma
criança mimada.
A classe média, da qual faço parte, é geralmente
mimada e individualista. Os últimos 21 anos representaram o período de entrada
de muitas pessoas nesta classe. Fomos ensinados e doutrinados a perseguir o
sucesso e a vitória. Mais do que isso, fomos doutrinados a “merecer” a glória,
de tal forma que esperamos este sucesso como resultado de um esforço. Muitas
das pessoas que estarão nesta passeata, vindas da classe média, esforçaram-se
para evitar a derrota de Aécio na eleição do ano passado. Fizeram o que
puderam. Perderam e junto com a derrota veio a dor de descobrir que nem sempre
esforço gera resultado. Pela quarta vez seguida. A revolta gerou o ódio e estes
movimentos como o “Vem pra Rua” estão trabalhando para transformar este ódio em
algo.
A
política econômica do segundo mandato de Dilma é uma tragédia. Reeleita, ela
preferiu aplicar o projeto econômico do candidato derrotado. Resolveu enfrentar
a crise da pior forma possível, aprofundando-a. As mesmas políticas de
austeridade que não geraram nenhum resultado concreto na Europa estão sendo
adotadas por aqui. Cortam-se gastos públicos, no entanto a política mais
bem-sucedida que se conhece para a saída de uma crise foi adotada pelos EUA nos
anos 30, o New Deal, em que se elevaram os gastos públicos. Se o governo não
tem recursos para tal, a que se aumentar a arrecadação. Que tal um imposto
sobre fortunas?
Um
grande mérito da elite econômica brasileira foi embutir na classe média seus
valores e princípios. Através da mídia, o imposto se tornou assunto proibido. Somos
doutrinados a reclamar dos serviços públicos (que muitas vezes são realmente
uma porcaria), mas não refletimos sobre a causa deles serem tão ruins. E o
motivo é a desvalorização do público em relação ao individual. É ela que nos
levou a buscar serviços privados ao invés de lutar como sociedade pela melhoria
dos serviços públicos. Dando um exemplo, o que seria das grandes companhias de
seguro de saúde se a saúde pública no Brasil fosse boa? Será que elas financiam
congressistas? Como agem os congressistas por elas financiados? Por que a mídia
não fala disso?
A
classe média age e pensa como a elite que sonha ser. E enxerga como um problema
sério quando algo a impede de ter a vida de riquezas e privilégios sonhada. E
supervaloriza estes problemas através da mídia. Algumas reportagens de revistas
semanais de informação nas últimas semanas comprovam isso. O tema é sempre a
crise econômica. Uma das matérias falava sobre o “drama” de uma família que não
tinha mais dinheiro para jantar fora no sábado à noite, e por isso estava
comprando uma pizza. Outra era sobre uma família que não tinha mais condições
de ir ao cinema no mesmo sábado à noite, e por isso teve que assinar o Netflx.
No mesmo fim de semana, um grupo de haitianos sofreu um atentado no centro de
São Paulo. O espaço para este assunto na mídia foi quase nulo? Por quê? A meu
ver, a mídia tem interesses econômicos próprios e os defende. Cada um defende o
seu lado, tentando transformar problemas individuais em problemas coletivos e
dessa forma mobilizar pessoas.
As
indústrias automobilísticas tiveram por anos um lucro irreal bancado dinheiro
público, ora por subsídios ora por investimento direto. Este lucro foi por anos
usado para bancar bônus milionários para diretores que se julgavam mestres cada
competência, quando na verdade geravam empresas que sem o governo iriam a
bancarrota. O governo e a sociedade bancaram estes diretores por ano, sem
exigir nada como contrapartida. Quando a fonte governamental secou, qual a
primeira coisa que foi feita? Demitiu-se. O dinheiro do lucro, que deveria ter
sido usado para criar uma reserva para anos futuros, foi todo torrado. Muitos
não concordam com a minha visão, mas acredito que uma empresa que recorre a
recursos públicos tem certas responsabilidades. O lucro foi usado para premiar
uma “boa gestão”. O prejuízo foi justificativa para demitir e culpar o governo.
O empresariado brasileiro conseguiu criar a imagem de que a função deles é “criar
empregos”. Na realidade, eles não estão nem aí para os empregos que criam. Eles
só os criam porque ganham algo. Não acho isso errado, apenas não gosto do
argumento de que eles não pensam no individual, e sim no coletivo. E mais do
que isso, a incapacidade da sociedade de enxergá-los como parte significativa
do problema que enfrentamos.
O
Bradesco está muito preocupado com a crise econômica atual. Seus melhores
economistas aparecem quase diariamente na televisão falando da gravidade da
situação. O lucro do banco, no entanto, subiu 18% em relação ao ano passado. Os
questionamentos a isso são inexistentes. O Bradesco lucra apesar ou por causa
da crise? Por que cada vez mais bancos estrangeiros deixam o Brasil, como o
HSBC neste mês ficando espaço apenas para Bradesco e Itaú? Estes lucros são
reais ou são semelhantes àqueles do Pan-Americano? A ausência de
questionamentos é simples, o Bradesco é um dos maiores patrocinadores de todos
os órgãos da grande mídia. Você arrumaria briga com um cliente?
Os
questionamentos são seletivos e graças à doutrina que nos impede de refletir,
imperceptíveis. A bola da vez é a Petrobrás. Mas alguém viu algum
questionamento sobre a verba de publicidade que a estatal gasta? Por que uma
empresa monopolista investe em publicidade? Quanto de dinheiro público é
repassado a empresas privadas desta forma?
O
principal motivo da oposição à Dilma é financeiro. Pessoas que acreditam que
poderiam estar ganhando mais dinheiro do que estão querem mudança. Para isso,
estimulam um movimento de “combate” à corrupção sem discuti-la de forma mais
complexa. Nossa sociedade é corrupta, nosso governo não tem porque não ser
corrupto. Ele é um reflexo perfeito do que somos. As denúncias de corrupção são
sérias, mas não há interesse em acabar com ela. Há interesse em usá-la para
mover uma massa indisposta a discutir e a pensar. Dilma ainda não tem seu nome diretamente
envolvido nos escândalos. Cunha tem. Ela o movimento quer derrubar. Ele será
poupado. Há um interesse nisso. O interesse em mudar. Mas também em deixar tudo
como está.