segunda-feira, 10 de agosto de 2015

A passeata por nada


            

A ligação de Eduardo Cunha com escândalos de corrupção vem de longe. Começou no governo Collor, quando  era o operador de PC Farias na Telerj, continuou pela quase falência do fundo de pensão Cedae (Companhia Estadual de Água e Esgoto do Rio de Janeiro) no governo Garotinho no RJ, passou a compra de ações superfaturadas pela Furnas, já no governo Lula, chegando finalmente à operação Lava-Jato, em que é um dos nomes mais citados.
Dia 16/08 teremos mais uma passeata contra o governo Dilma Rousseff. Em SP será organizada pelo Movimento “Vem pra Rua”, pedindo a saída da presidente, seja por impeachment ou por renúncia. Os líderes do movimento baterão na tecla da corrupção, mas já afirmaram que pretendem poupar Eduardo Cunha de críticas. Argumentam que ele hoje é personagem importante para conseguir o sonhado afastamento da presidente.
Uma boa parte dos brasileiros é corrupta. Compram-se carteiras de motorista, carteiras de estudante, entrega-se propina a policiais e funcionários públicos, ligam-se pontos de TV a cabo ilegal. A corrupção no dia-a-dia é tão grande que algumas empresas até adequaram seus serviços à pirataria. Ou ninguém estranha que a principal distribuidora de TV a cabo do país tivesse recebido, ao mesmo tempo, milhares de pedidos para redução de pacotes? Ou ninguém estranha a relação direta dos funcionários desta empresa com a pirataria?
Mas hoje eu acredito que o grande símbolo da corrupção do dia-a-dia seja a transmissão de pontos entre carteiras de motorista. Extrapola-se a pontuação permitida e se joga esta pontuação adicional na carteira de alguém. Muitos fazem, divulgam e não se sentem culpados ou intimidados fazê-lo. A revolta é muito maior em relação à quantidade de radares na cidade. Chama-se aquilo de “indústria da multa”. As mesmas pessoas que exigem policiamento e reclamam que as pessoas não cumprem as leis, falam mal destes radares que fiscalizam quem está seguindo as normas. Polícia é legal, desde que não esteja fiscalizando aquilo que eles fazem de errado.
Um número significativo destas pessoas estará na manifestação do dia 16. Vestirá sua camisa da seleção brasileira, pintará seu rosto e tirará selfies. Nem todos os manifestantes dessa passeata terão este perfil, mas uma parte significativa. Boa parte dos slogans será contra a corrupção, mas o foco, como mostrado no segundo parágrafo, não é este, quer-se simplesmente tirar a presidente. O argumento encontrado é a corrupção. Mas se precisarmos de um corrupto para substituí-la, sem problemas.
A rivalidade PT-PSDB destruiu nos últimos anos a capacidade de reflexão do grande público. Os dois lados têm culpa por jogar o nível da conversa no chão. Age-se por impulso e não há disposição para ouvir-se o lado oposto. Quando um lado fala, o outro grita e bate panela. Como uma criança que não quer ouvir o pai. Uma criança mimada.
A classe média, da qual faço parte, é geralmente mimada e individualista. Os últimos 21 anos representaram o período de entrada de muitas pessoas nesta classe. Fomos ensinados e doutrinados a perseguir o sucesso e a vitória. Mais do que isso, fomos doutrinados a “merecer” a glória, de tal forma que esperamos este sucesso como resultado de um esforço. Muitas das pessoas que estarão nesta passeata, vindas da classe média, esforçaram-se para evitar a derrota de Aécio na eleição do ano passado. Fizeram o que puderam. Perderam e junto com a derrota veio a dor de descobrir que nem sempre esforço gera resultado. Pela quarta vez seguida. A revolta gerou o ódio e estes movimentos como o “Vem pra Rua” estão trabalhando para transformar este ódio em algo.
A política econômica do segundo mandato de Dilma é uma tragédia. Reeleita, ela preferiu aplicar o projeto econômico do candidato derrotado. Resolveu enfrentar a crise da pior forma possível, aprofundando-a. As mesmas políticas de austeridade que não geraram nenhum resultado concreto na Europa estão sendo adotadas por aqui. Cortam-se gastos públicos, no entanto a política mais bem-sucedida que se conhece para a saída de uma crise foi adotada pelos EUA nos anos 30, o New Deal, em que se elevaram os gastos públicos. Se o governo não tem recursos para tal, a que se aumentar a arrecadação. Que tal um imposto sobre fortunas?
Um grande mérito da elite econômica brasileira foi embutir na classe média seus valores e princípios. Através da mídia, o imposto se tornou assunto proibido. Somos doutrinados a reclamar dos serviços públicos (que muitas vezes são realmente uma porcaria), mas não refletimos sobre a causa deles serem tão ruins. E o motivo é a desvalorização do público em relação ao individual. É ela que nos levou a buscar serviços privados ao invés de lutar como sociedade pela melhoria dos serviços públicos. Dando um exemplo, o que seria das grandes companhias de seguro de saúde se a saúde pública no Brasil fosse boa? Será que elas financiam congressistas? Como agem os congressistas por elas financiados? Por que a mídia não fala disso?
A classe média age e pensa como a elite que sonha ser. E enxerga como um problema sério quando algo a impede de ter a vida de riquezas e privilégios sonhada. E supervaloriza estes problemas através da mídia. Algumas reportagens de revistas semanais de informação nas últimas semanas comprovam isso. O tema é sempre a crise econômica. Uma das matérias falava sobre o “drama” de uma família que não tinha mais dinheiro para jantar fora no sábado à noite, e por isso estava comprando uma pizza. Outra era sobre uma família que não tinha mais condições de ir ao cinema no mesmo sábado à noite, e por isso teve que assinar o Netflx. No mesmo fim de semana, um grupo de haitianos sofreu um atentado no centro de São Paulo. O espaço para este assunto na mídia foi quase nulo? Por quê? A meu ver, a mídia tem interesses econômicos próprios e os defende. Cada um defende o seu lado, tentando transformar problemas individuais em problemas coletivos e dessa forma mobilizar pessoas.
As indústrias automobilísticas tiveram por anos um lucro irreal bancado dinheiro público, ora por subsídios ora por investimento direto. Este lucro foi por anos usado para bancar bônus milionários para diretores que se julgavam mestres cada competência, quando na verdade geravam empresas que sem o governo iriam a bancarrota. O governo e a sociedade bancaram estes diretores por ano, sem exigir nada como contrapartida. Quando a fonte governamental secou, qual a primeira coisa que foi feita? Demitiu-se. O dinheiro do lucro, que deveria ter sido usado para criar uma reserva para anos futuros, foi todo torrado. Muitos não concordam com a minha visão, mas acredito que uma empresa que recorre a recursos públicos tem certas responsabilidades. O lucro foi usado para premiar uma “boa gestão”. O prejuízo foi justificativa para demitir e culpar o governo. O empresariado brasileiro conseguiu criar a imagem de que a função deles é “criar empregos”. Na realidade, eles não estão nem aí para os empregos que criam. Eles só os criam porque ganham algo. Não acho isso errado, apenas não gosto do argumento de que eles não pensam no individual, e sim no coletivo. E mais do que isso, a incapacidade da sociedade de enxergá-los como parte significativa do problema que enfrentamos.
O Bradesco está muito preocupado com a crise econômica atual. Seus melhores economistas aparecem quase diariamente na televisão falando da gravidade da situação. O lucro do banco, no entanto, subiu 18% em relação ao ano passado. Os questionamentos a isso são inexistentes. O Bradesco lucra apesar ou por causa da crise? Por que cada vez mais bancos estrangeiros deixam o Brasil, como o HSBC neste mês ficando espaço apenas para Bradesco e Itaú? Estes lucros são reais ou são semelhantes àqueles do Pan-Americano? A ausência de questionamentos é simples, o Bradesco é um dos maiores patrocinadores de todos os órgãos da grande mídia. Você arrumaria briga com um cliente?
Os questionamentos são seletivos e graças à doutrina que nos impede de refletir, imperceptíveis. A bola da vez é a Petrobrás. Mas alguém viu algum questionamento sobre a verba de publicidade que a estatal gasta? Por que uma empresa monopolista investe em publicidade? Quanto de dinheiro público é repassado a empresas privadas desta forma?
O principal motivo da oposição à Dilma é financeiro. Pessoas que acreditam que poderiam estar ganhando mais dinheiro do que estão querem mudança. Para isso, estimulam um movimento de “combate” à corrupção sem discuti-la de forma mais complexa. Nossa sociedade é corrupta, nosso governo não tem porque não ser corrupto. Ele é um reflexo perfeito do que somos. As denúncias de corrupção são sérias, mas não há interesse em acabar com ela. Há interesse em usá-la para mover uma massa indisposta a discutir e a pensar. Dilma ainda não tem seu nome diretamente envolvido nos escândalos. Cunha tem. Ela o movimento quer derrubar. Ele será poupado. Há um interesse nisso. O interesse em mudar. Mas também em deixar tudo como está.

Um comentário:

  1. Gostei. Embora você deixe claro qual é a sua posição política, considero o texto imparcial e que ele destaca o real problema. A corrupção não tem lados nem partidos, está espalhada e enraizada em todos eles. Não há como condenar o crime de um diminuindo o do outro. Crime é crime e deve ser reprimido, independente de que lado ele está. Acredito que o PT tem culpa nos escândalos de corrupção que tem ganhado os jornais, mas não sem a conivência de PSDB, PMDB, PPS e demais partidos que hoje mandam e desmandam no senado. Não gosto do PT, mas não acredito que o impeachment da presidente é a solução para nossos problemas. Se Dilma tem que cair, que o senado caia junto com ela, ou nada se resolve. Ou combatemos todos eles ou nos nos sujeitamos à situação, que não vai mudar, com ou sem Dilma. Talvez fosse mais útil deixarmos de ocupar as principais avenidas de nossas cidades com discursos hipócritas e nos unirmos em uma só marcha até Brasília. A presidente não governa sozinha, nem tampouco toma todas as decisões sem a benção do senado. Se ela não atende as nossas expectativas, então, ninguém que está lá atende.

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