Poucas pessoas têm a importância
para a pauta progressista em SP nos últimos 30 anos de Marta Suplicy. Psicóloga
e sexóloga, tornou-se famosa graças a um quadro revolucionário no programa TV
Mulher da Rede Globo nos anos 80, em que falava sobre sexo do ponto de vista
feminino. Num país retrógrado, ainda vivendo uma ditadura militar, poucas
coisas foram tão progressistas quanto a imagem de uma mulher independente e
confiante falando sobre sexo na televisão, sem culpa e de forma natural.
A entrada na política veio graças
ao então marido, Eduardo Suplicy. Ganhou importância no PT e recebeu a
possibilidade de concorrer ao governo do estado em 1998. De forma
surpreendente, terminou na terceira colocação, ficando muito perto, mas muito
perto mesmo, de tirar Mário Covas do segundo turno, onde este derrotaria Paulo
Maluf. Aquela eleição serviu de trampolim para sua primeira e única vitória
numa eleição para o Executivo e Marta foi eleita prefeita de São Paulo em 2000.
Adotando uma postura de defesa das minorias e dos marginalizados, ela derrotou
o mesmo Paulo Maluf e substitui Celso Pitta, que deixou a cidade quebrada.
Seu mandato foi em certa medida
revolucionário. Fernando Haddad não poderia realizar as transformações que tem realizado
no transporte público da cidade se não fosse o trabalho de Marta no começo do
século. Ela criou o bilhete único e investiu como nenhum outro prefeito antes
de Haddad no conceito de corredores de ônibus. Baseada no conceito do Cieps de
Brizola, Marta criou o mais importante projeto de educação de base do Brasil
neste século, o CEU, em que implantou na periferia da cidade super-escolas que
levavam não apenas educação da forma mais “convencional”, mas também lazer,
cultura e esporte. Não à toa é amada, de forma justa, nas regiões mais pobres
da cidade. O PT deve a ela boa parte dos votos que recebe por lá até hoje. Em
2004, porém, foi derrotada por José Serra na eleição em que tentava um segundo
mandato. Foi uma eleição tensa, em que a petista definitivamente não contou com
a boa vontade da mídia, mais ou menos a mesma coisa que acontece com Fernando
Haddad hoje. Foi estigmatizada com o termo “Martaxa” ao tentar criar um imposto
sobre o lixo que possibilitaria um aumento de arrecadação numa cidade que vinha
de um processo de destruição de finanças pela gestão anterior. Mas foi ali, com
aquela derrota, que Marta começou a mudar sua postura e a colocar seus
interesses pessoais à frente de interesses coletivos. Um pequeno e quase
imperceptível gesto mostra isso. Marta não estava na cidade para transferir o
poder a seu sucessor. Tinha ido passar o réveillon em Paris. Nada contra
aproveitar o réveillon fora da cidade, porém uma das obrigações do seu cargo é
esta transmissão de poder ao sucessor. É um símbolo da democracia e deve estar
acima de qualquer chateação pessoal.
Quatro anos depois, Marta seguia
como nome mais forte do PT na cidade e conseguiu mais uma vez a oportunidade de
disputar a prefeitura de SP. Num segundo turno contra o então prefeito Gilberto
Kassab, Marta protagonizou um dos momentos mais tristes da história da política
brasileira, rivalizando com Collor levando a ex-namorada de Lula à TV em 1989. A
campanha de Marta, histórica e incansável defensora dos direitos civis dos
homossexuais no país, levou ao ar na última semana de campanha uma propaganda
de televisão que deixava implícita a mensagem de que Kassab poderia ser
homossexual (É casado? Tem filhos?). Aquilo pode ter ido ao ar sem que Marta
soubesse, porém a então petista não pediu desculpas em nenhum momento. Ela
perdia assim sua segunda eleição seguida para a prefeitura, dessa vez sem honra
nenhuma. Era o segundo sinal de que algo estava se perdendo dentro dela.
Em 2010, Marta disputou venceu a
disputa para o Senado, não assumindo seu cargo no ano seguinte ao receber da
presidenta Dilma um convite para ser Ministra da Cultura. Ela já havia sido
ministra do Turismo no governo Lula, em que se notabilizou pela infeliz frase “relaxa
e goza” durante um período de caos aéreo. A frase foi apenas um momento de
infelicidade, mas foi supervalorizada pela mídia e pelos setores descontentes
com a figura ainda progressista que Marta representava. Em 2012, o
ex-presidente Lula, notando a imagem desgastada de Marta em alguns setores da
população paulistana, convenceu o partido a lançar uma figura nova, Fernando
Haddad, para a disputa da prefeitura. A ex-prefeita ficou imensamente
descontente, mas aceitou e até ajudou na eleição do colega de partido. Em
constantes choques com a presidente Dilma, iniciou uma campanha interna para
lançar Lula como candidato a presidente em 2014, ficando isolada na legenda
após esta derrota. Sabendo que não tinha possibilidade alguma de conseguir a
vaga para a disputa da prefeitura em 2016 pela legenda petista, resolveu chutar
o balde.
Marta tornou-se uma grande
crítica do único prefeito a ter uma gestão tão transformadora quanto ela. Mais
do que isso, usando o argumento de que “não aguenta mais a corrupção”, passou a
criticar o governo federal do qual foi ministra em 2 gestões por quase 7 anos e
se filiou ao partido mais corrupto do Brasil, o PMDB. Em nome de uma ambição
pessoal, Marta se esforça para jogar fora uma vida pública voltada para as
transformações sociais e para o progresso, ligando-se a um partido que
representa o que há de mais retrógrado na sociedade brasileira. Nada é mais
decepcionante para uma pessoa que admira a história de Marta do que vê-la ao
lado de Eduardo Cunha, homem que representa o oposto de tudo que ela se
notabilizou por defender. Mais do que isso, ao entrar no PMDB dizendo que vai “combater
a corrupção” tudo que a ex-prefeita conseguiu foi se tornar motivo de chacota.
O processo de transformação de
Marta, motivado a meu ver por um ego pessoal gigantesco, chegou dessa forma ao
seu fim. Para ter a tão sonhada candidatura própria, Marta jogou fora sua
história e prejudicará a candidatura da pessoa que hoje mais representa o
modernismo na cidade, Fernando Haddad. Marta tem e sempre terá seus méritos,
mas hoje é um símbolo de como a ambição pessoal pode corroer e se sobrepor às
ideologias de uma pessoa. Por enquanto, tudo que ela conseguiu foi decepcionar antigos eleitores.
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