sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Cameron, os refugiados e a opinião pública britânica



Uma semana após comparar os refugiados sírios a um enxame de insetos, o premiê britânico anunciou ontem que o Reino Unido fará parte do programa de recepção de refugiados da União Europeia. O número previsto é de aproximadamente 5.000 refugiados, ainda bem longe dos 400.000 refugiados que a Alemanha receberá apenas em 2015, e foi uma resposta à crescente pressão da opinião pública britânica que chegou ao ápice ontem, com a divulgação da impactante foto do corpo de uma criança refugiada em uma praia turca.
Cameron foi eleito e reeleito na Grã-Bretanha tendo como base uma política anti-imigrantes e contrária à União Europeia. Após a entrada de Romênia e Bulgária na União, por exemplo, o premiê iniciou uma campanha de publicidade negativa do Reino Unido nestes dois países. Placas com frases do tipo “Não venha para Londres, aqui só chove e as pessoas são antipáticas” foram espalhadas nestes dois países, placas estas patrocinadas pelo governo de Londres. A resposta do governo romeno foi brilhante. A Romênia comprou publicidade em Londres e espalhou placas do tipo “Na Inglaterra só chove e as pessoas são antipáticas? Pois então venham conhecer a Romênia, aqui o tempo é bonito e as pessoas te tratarão bem !”.
Como promessa de campanha, Cameron convocará até o final de 2017 um plebiscito para a saída do Reino Unido da União Europeia. Em sua opinião, a União hoje só traz custos ao contribuinte britânico. Cameron também é contra a entrada liberada para europeus de países pobres, como os habitantes do Leste Europeu. A União Europeia é possivelmente o mais importante acordo de paz hoje existente, mas isto não importa para Cameron. Ele não quer derrubar fronteiras, quer aumentá-las. A questão que importa para ele não é paz, é grana.
Poucos países têm tanta responsabilidade sobre o que ocorre hoje no mundo do que a Grã Bretanha. A questão dos refugiados africanos, por exemplo, está intimamente ligada à política colonial inglesa. Por séculos aquela região foi explorada por Londres, que levou toda a riqueza, deixando em resposta um rastro de destruição. Hoje os descendentes dos explorados correm em direção à metrópole, buscando melhores condições de vida. Cameron diz não, acredita que o Reino Unido não tem responsabilidade pelo que acontece. Não há um lugar do mundo que não tenha sofrido com o Império Britânico na história. A África foi dizimada em nome do desenvolvimento industrial inglês. A Ásia teve sua população viciada em ópio porque isto atendia aos interesses comerciais britânicos. O Paraguai foi dizimado por Brasil, Argentina e Uruguai armados pelos ingleses. Isto para citar 3 exemplos em 3 continentes distantes. Cameron deveria estudar história... Ou não, a educação na Inglaterra é muito boa, neste caso a questão é egoísmo mesmo... E má fé. Cameron e boa parte da população britânica não enxerga a responsabilidade histórica que possuem com estes povos. Ou até enxergam, simplesmente não se sentem incomodados com isso.
Para não dizer que o Reino Unido não tem interesse com nenhum tipo de refugiado, o governo britânico dá cidadania para qualquer pessoa que chegar lá disposta a investir 1 milhão de libras no seu território. Com isso, muitos russos mafiosos procurados em Moscou ou árabes milionários do petróleo são muito bem recebidos na terra da rainha.
Cameron representa hoje a ausência de humanidade em um governo. Deu uma entrevista em que se disse emocionado com a foto do menino morto. Duvido. Não há espaço para este tipo de coisa em seu governo. Ele quer apenas atender a um momento da opinião pública britânica, que muito provavelmente não está tão interessada nesta questão. Basta uma notícia de sua inútil família real para que o drama dos refugiados saia da mídia. Uma nova festa de Harry ou uma nova foto de Kate no mercado. E assim Cameron poderá se livrar do que há uma semana chamou de enxame...

Nenhum comentário:

Postar um comentário