sexta-feira, 23 de setembro de 2016

DEAD MAN WALKING


Nessa semana me deparei com um informe publicitário interessante. O jornal Destak, distribuído gratuitamente em SP, exibiu em sua capa apenas informações sobre o trânsito, porém as várias manchetes traziam somente notícias utópicas. Os destaques eram “Brasil registra zero mortes no trânsito”, “Pedestres se sentem seguros ao andar nas ruas”, “Ciclistas circulam com equipamentos de segurança e respeitam a sinalização”, “Nenhum motorista ultrapassa o farol vermelho”, além do seguinte comentário: O mérito é da população. Uso de cinto, capacete, cadeirinha para bebês e hábitos como não usar celular ao dirigir e atravessar sempre na faixa são os principais responsáveis pela redução de acidentes.

Essa peça publicitária da Mapfre Seguradora é importantíssima para o cidadão paulistano contemporâneo. Estamos em período de eleições municipais em que, para grande parte do eleitorado, o maior problema da cidade é o trânsito. Enganou-se caso tenha pensado em engarrafamentos, situação das vias, falta ou má qualidade do transporte público. Os grandes problemas do paulistano hoje são as velocidades das vias e os radares pela cidade.
Antes de defender o meu ponto de vista sobre essa nova obsessão paulistana, gostaria de confessar que sou crítico da mudança de velocidade nas marginais. Penso que vias expressas podem ter velocidades superiores aos atuais 70 e 50Km/ hora. Sou a favor dos 50Km/ hora nas vias arteriais, onde o limite anterior era, em geral, de 60km/ h. Vou ao trabalho de carro e percorro por volta de 50km diariamente.

Candidatos aparecem aos montes usando o limite de velocidade como plataforma de campanha. Frases sinônimas de “Vou lutar pelo aumento da velocidade em SP” aparecem com frequência. Candidatos gritando bobagens não passam de mais um dia no cotidiano eleitoral, o que assusta agora é que as bobagens estão sendo assimiladas por eleitores rasos, com pequena consciência cidadã e coletiva. Não à toa o nome da coligação PSDB/ PSB/ PP/ DEM é “acelera São Paulo”.

Fernando Haddad é um dos prefeitos mais impopulares da história. Ele não está envolvido em casos de corrupção como Celso Pitta e está cumprindo o seu mandato até o final, diferente de José Serra. O erro de Haddad é tomar medidas impopulares contra essa divindade chamada automóvel. Construção de ciclovias, diminuição de velocidade e aumento da fiscalização no trânsito formam o tripé da derrota. As três afrontas ao relicário da individualidade paulistana somaram-se a outros dois fatores. O primeiro é inerente à vontade do prefeito, já que o ódio ao PT é uma força da natureza, como um tornado arrebatando tudo à sua frente, um ódio que não distingue nomes, histórias e fatos. O segundo, e não menos importante, é o corte das agências de comunicação, tão presentes na administração pública muito por culpa do próprio PT. Haddad não renovou o contrato das oito agências que trabalhavam para a prefeitura e muitos acreditam que a sua má avaliação deve-se a isso. Essas agências trabalham junto ao mercado editorial para promoção ou proteção de seus clientes. Haddad passou o seu mandato sem a proteção da mídia e, inclusive, foi tornado um exemplo para os demais políticos. Reeleição sem publicidade é difícil, quando se é do PT torna-se impossível. Tarefa árdua também é governar ignorando a reeleição, como fez. Acho válida essa autocrucificação de Haddad, ignorando individualismos pelo bem coletivo e pensando no futuro da cidade, não no dele.

O eleitor que é crítico de Haddad não está preocupado com o transporte na cidade, mas sim com as multas que recebe. Corrobora com essa visão o próprio voto dessas pessoas nas eleições estaduais, já que o governo do estado possui atrasos escandalosos nas importantíssimas obras do metrô e do monotrilho. A expansão da Linha 4 (amarela) era para o ano de 2012, mas teve previsão de conclusão reajustada para 2019. Linha 5 (lilás) passou de 2014 para 2017. Linha 6 (laranja) não será mais entregue em 2018, com sorte em 2020.

O monotrilho é um eterno canteiro de obras. O caso da Linha 15 (prata), o importante trecho Vila Prudente – Cidade Tiradentes, é muito emblemático. No projeto inicial seriam entregues 11 estações em 2010 e 7 em 2012. Agora esperamos receber 11 estações em 2018, já para o restante não há previsão. Esses são alguns casos, mas os atrasos e denúncias de corrupção nas obras do governo do estado são gritantes. Pouco importa. A população paulistana não liga para isso e ajudou a eleger Geraldo Alckmin novamente, talvez fruto do belo trabalho das oito agências de comunicação que trabalham para o Palácio dos Bandeirantes.

A população está preocupada mesmo é com a multa que recebe por exceder os limites de velocidade, já que como diz o meu amigo João Oliveira “o paulistano só deseja descumprir as leis de trânsito sem ser incomodado”. Para o motorista a culpa está no radar e não na sua desobediência, como um traficante que responsabiliza a repressão policial ao invés da sua prática. O paulistano se acha europeu, mas está mais para um texano reclamante exagerado de seus direitos individuais. Na Europa pessoas de diferentes classes sociais usam o metrô e as bicicletas, entendem que essa é uma forma coletiva, moderna e limpa de transporte.

Ironicamente o maior legado do petista foi também a sua ruína eleitoral. A revolução na forma como os paulistanos se transportam foi um choque muito grande para o egoísmo da capital. Ampliação dos corredores de ônibus, diminuição da velocidade dos automóveis, maior fiscalização de infratores e incentivo irrestrito às ciclovias são atitudes que devem ser tomadas por qualquer prefeito moderno. Pena que hoje a cidade não enxergue o tamanho do bem que essas decisões fizeram para as pessoas, deve ser o que chamamos de distorção dos fatos.

Estamos prestes a ter o prefeito das privatizações. Privatização dos parques, Pacaembu, Interlagos, Anhembi, ciclovias, mercados municipais, serviço funerário, faixas de ônibus (pasmem), enfim, um mal irreversível para a cidade. Uma pena... escolheram Barrabás.

terça-feira, 6 de setembro de 2016

A (falta de) visão de Estado na candidatura Doria



“É melhor do que nada”. É desta forma que a maior parte dos eleitores de João Doria Jr. que conheço defende a sua principal proposta para a área da saúde. O candidato pretende pagar hospitais particulares no período da madrugada para alocar aqueles pacientes que ainda não conseguiram ser atendidos no setor público. A campanha de Doria teve até o momento muitas situações em que fica clara a visão da elite paulistana, representada por este candidato, sobre o funcionamento do serviço público para os mais pobres, mas nenhuma foi mais clara do que esta.
Como uma patroa que se sente indo para o céu ao doar roupas velhas que não quer mais para a empregada, a solução de Doria é permitir aos pobres utilizar os mesmos hospitais dos ricos, mas nos horários que estes acham inadequados. Mais do que isto, acredita esta visão que os usuários destes serviços devem ficar felizes e gratos por este tipo de atendimento, uma vez que é “melhor do que nada”. Se não existissem os CEUs, muito provavelmente a proposta de Doria para resolver a educação na cidade seria colocar os alunos da periferia para estudar nas escolas particulares das regiões mais ricas no horário da madruga. O argumento dos defensores dessa sugestão seria dizer que é “melhor do que nada”. A proposta de Doria não apenas acredita que basta àqueles que precisam do serviço público o “resto” do que não é aproveitado pelo mais ricos no setor privado, como garante maior lucro aos empresários da saúde, que poderão alugar seus equipamentos no horário noturno ao Estado. Como as pessoas chegarão da periferia aos hospitais particulares das regiões centrais de madrugada, se o transporte público não funciona neste horário? Doria nunca responderá isto publicamente, mas muito provavelmente pensará algo do tipo, “Ah, aí já é querer demais.”
Nada até o momento foi mais marcante na eleição municipal de São Paulo do que a falta de conhecimento de Doria sobre a cidade. A quantidade de informações erradas ditas pelo candidato, seja por má fé ou por simples ignorância, é gritante. No último debate realizado na Rede TV, vimos dois exemplos claros deste desconhecimento. Ao questionar a candidata Marta Suplicy, o candidato tucano disse que a ex-petista não entregou nenhuma UBS em sua gestão. Foram 59. Cinquenta e nove. Não foram uma ou duas. Foram cinquenta e nove. Em outro momento, debatendo com Fernando Haddad, Doria disse que era um absurdo que nenhuma linha de ônibus funcionasse de madrugada. Já há várias linhas funcionando neste horário. Por fim, mostrou-se contra a proposta de Erundina de aumento de impostos para os mais ricos, dizendo que esta camada “já paga mais impostos”. Interessante que ele não quis usar o verbo “nós” ao falar esta frase, mas independentemente disso, mais uma informação falsa. A maior parte da carga tributária brasileira está em bens e serviços e não na renda. A maior parte dos rendimentos dos ricos vem de lucros e dividendos, que possuem alíquota tributária zero. É por isso que os mais pobres pagam uma parcela maior da sua renda em tributos do que os mais ricos.
Fica claro que a arrogância de Doria o impede, em alguns assuntos, de estudar os problemas da cidade. Típico empresário paulistano bem-sucedido nos negócios, ele é muito provavelmente cercado de bajuladores que só sabem elogiar, fazendo com que o ego do tucano esteja sempre afagado. Não sei se nos três exemplos acima Doria mentiu deliberadamente. Acredito que no caso da carga tributária sim, mas no exemplo das UBS de Marta e dos ônibus noturnos de Haddad, possivelmente ele apenas não saiba. E o pior, não sabe achando que sabe. Há alguns meses, o tucano disse em diversas entrevistas que um dos seus primeiros atos seria acabar com o fechamento da Av. Paulista aos domingos. Ao visitá-la neste dia da semana, porém, mudou de ideia. Disse que gostou da “vibe”. Esta experiência deveria ensiná-lo a conhecer melhor a cidade antes de fazer propostas. Mas isto não aconteceu.
Para Doria, administrar o Estado significa destruí-lo e repassar suas funções aos seus colegas do setor privado. Por isso, defende a privatização do Autódromo de Interlagos e do Pacaembu, achando que é o primeiro a ter esta ideia. Paulo Maluf, Celso Pitta, José Serra e Gilberto Kassab já foram prefeitos, por que não fizeram isto antes? Ainda mais no caso do estádio do Pacambu, em que tínhamos o maior clube da cidade sem estádio. Há razões para isto. Falando primeiramente do Pacaembu, trata-se de um local tombado, portanto nenhuma construtora poderia derrubá-lo para construir prédios. Os três times grandes da capital já possuem estádio, então nenhum deles estaria interessado. Nenhuma outra empresa de eventos estaria também interessada em comprá-lo, uma vez que shows são proibidos no local em horário noturno. Quem compraria então? A resposta é a mesma que impediu Maluf de concretizar a venda nos anos 1990, a Igreja Universal do Reino de Deus. Edir Macedo sonha em transformar o antigo estádio municipal em templo e já era claro mesmo há 20 anos que ele ganharia o leilão, mesmo com o poderoso Corinthians interessado. A questão neste caso é, portanto, a Prefeitura deve procurar alguma forma de tornar o Pacaembu viável ou deve permitir que  vire um templo da Universal? É isto que está em jogo. No caso de Interlagos, o Autódromo é responsável pelo evento mais lucrativo para a cidade, a Fórmula 1, além de ser uma opção de lazer para os moradores da região. Caso seja privatizado, obrigaria a Prefeitura a pagar um aluguel para garantir o espaço para este evento, caso contrário o comprador usaria o espaço para construção de prédios. Quanto a cidade perderia sem este evento? Quais opções de lazer os moradores da região teriam no lugar? Esta é a verdadeira discussão.
Além destas duas propostas, o tucano veio com mais duas ideias de privatizações que nenhum jornalista funcionário de empresas de mídia cujos chefes participam alegremente dos eventos patrocinados pela LIDE, empresa de Doria, quiseram questionar: a privatização de faixas de ônibus e do serviço funerário da cidade. Como privatizar uma faixa específica de uma rua? Vai ter pedágio? O que fazer com quem morrer e não puder pagar o funeral? Deixar num canto? Ou pagar pra empresa privada enterrar? Aparentemente ninguém quer saber.
A candidatura de Doria representa a pá de cal no que havia de resquício de socialdemocracia no PSDB. Uma atitude irresponsável de Alckmin, que interessado em garantir verba dos grandes empresários em sua possível candidatura presidencial em 2018, pode colocar a administração da cidade nas mãos de um empresário arrogante e egocêntrico, capaz de agradar àqueles eleitores que tem como única prioridade o ódio ao PT.
Por fim, há outra proposta de Doria que é muito simbólica sobre o perfil de seu eleitorado. Ele quer “reestatizar” o Controlar, tornando gratuita a revisão obrigatória de veículos. O eleitor de Doria não se preocupa muito em perder áreas de lazer como Interlagos para o setor privado. Mas não quer pagar a taxa de revisão do seu automóvel, acha que isto sim deve ser função do Estado. No fundo, o carro é a única coisa com a qual ele se preocupa. E o resto? Pode ser “melhor do que nada”.


O PMDB TIROU DILMA, NÃO AS RUAS


Pensei em escrever um texto culpando a classe média trabalhadora por mais esse duro golpe na democracia brasileira. As pessoas que foram às ruas pedir pelo impeachment foram somente mais um instrumento para a pseudo legitimidade do impedimento da presidenta Rousseff.

Dilma tentou, com toda a sua inabilidade política, implodir o PMDB. Ela fez totalmente o oposto do que o seu antecessor que com o passar dos anos praticamente dividiu os poderes entre os dois partidos. Os indícios que Dilma desejava retirar o tumor do governo começaram em seu primeiro mandato, tanto que o PMDB cogitou não apoiar a reeleição caso não ganhasse mais ministérios.
Quem encheu as ruas nos protestos de 2015 foi a classe média trabalhadora. O argumento da esquerda de que as manifestações eram compostas de burgueses é fraco. As passeatas estavam recheadas de trabalhadores assalariados que possuem o pensamento do patrão, ao contrário do dinheiro.

O PMDB é de centro e até por isso dentro dele podemos encontrar todo tipo de ideologia. É um partido que hoje tende ao liberalismo econômico e ao enfraquecimento da CLT, atendendo aos desejos da indústria e em oposição aos interesses dos trabalhadores.
Se Dilma não tivesse tentado fragmentar a influência do PMDB no governo as ruas poderiam estar até agora bradando incansáveis, pois nada mudaria. É difícil classificar com a palavra “erro” qualquer tentativa de destruir um partido fisiologista como o PMDB, porém vou usar o termo e dizer quais foram os erros da presidenta que culminaram no impeachment.
Já no primeiro mandato, em 2011, a presidenta mudou o comando de Furnas, retirando de Dimas Toledo e repassando para Flávio Decat. É conhecido que Dimas era muito próximo a Eduardo Cunha, bem como que Flávio tem muito mais capacidade técnica para o cargo. A substituição foi excelente para a estatal e péssima para Dilma, que a partir desse fato ganhou o seu pior opositor.

Durante o primeiro mandato Dilma desagradou a cúpula do PMDB com as suas indicações ministeriais. As vagas do partido eram preenchidas por nomes que não tinham “cumplicidade” com a Câmara, irritando os parlamentares e criando o “BLOCÃO” de deputados insatisfeitos com o governo, chefiado por Eduardo Cunha.

Após as eleições Dilma decidiu que colocaria em prática o plano de destruição do PMDB e dessa vez ela não teria mais que pensar em apoio para a reeleição. O primeiro passo foi tentar emplacar um petista como presidente da Câmara. Arlindo Chinaglia perdeu feio para Eduardo Cunha. Dilma 0 x 1 PMDB.

O segundo passo foi a tentativa de refundação do PL. Mais uma vez o Planalto tentou ajudar Gilberto Kassab a criar um partido. Para o governo era a chance de “puxar” alguns parlamentares do PMDB e enfraquecer a sigla. Essa manobra alertou a cúpula do partido e Eduardo Cunha ganhou ainda mais liberdade na oposição. Acredito que ali o PMDB definiu o futuro da presidenta. O PL não foi fundado até hoje e Kassab  é ministro de Temer. Dilma 0 x 2 PMDB.

Dilma não governou em seu segundo mandato e o impeachment foi uma mera formalidade. O governo não tinha poder algum na Câmara e nada do que foi proposto para melhorar as condições econômicas passou. A política do “quanto pior melhor” foi posta em prática com maestria. Aumento do desemprego e retração do PIB é tudo o que a mídia precisa para cumprir o seu papel no golpe e convencer pessoas de que era preciso retirar o governo para que o país voltasse a andar. Dilma 0 x 3 PMDB.

Por fim o mês de dezembro de 2015. A última chance de Dilma evitar o impeachment era que o PT livrasse Eduardo Cunha do seu. O PT indicou o voto desfavorável a Cunha e o revide veio ligeiro.
Dilma e o PT ainda tinham esperança diante da fragmentação de poder no PMDB. O grupo de Temer é chefiado por Cunha, que é desafeto de Renan Calheiros. Mas o PMDB é realmente um câncer, sua vocação é sobreviver, o seu lema é vão-se os anéis e ficam os dedos. O PT não pôde contar com ninguém mais além de Requião e Kátia Abreu. Final de jogo.

Vemos aqui o que a classe média assalariada não quer enxergar. Não foram as ruas que tiraram Dilma, foi o PMDB. A antiga oposição foi convencida de que Michel Temer colocaria em pratica o plano de governo derrotado nas urnas em 2014 e as manifestações populares foram apenas a chancela de um golpe que todos enxergam e poucos discutem. A classe média assistiu a essa partida em que a democracia perdeu com um gol impedido, porém para o torcedor o que importa é a vitória e o sentimento de que roubado é mais gostoso. Estão cegos mais que pela falta de informação, mas pelo ódio.

Viveremos a partir de agora a era dos empresários. A aversão ao PT será o combustível para impulsionar todas as reformas previstas pelos industriais. A flexibilização das leis do trabalho é um nome bonito para a retirada da proteção dada ao trabalhador pela lei contra o maior poder econômico do empregador. Em período de desemprego vão deixar o empresário escolher quais os “direitos” o trabalhador terá, como se patrão e empregado pudessem sentar para conversar de igual para igual e discutir sobre férias, 13º, licença maternidade, salário, alimentação, etc.

Espero que a classe média acorde desse transe logo, mas pelo o que vejo o aprendizado virá apenas pela dor. Salários sucateados, aumento na carga horária e aposentadorias baixas são apenas alguns dos remédios amargos que teremos que tomar para que deixemos de abraçar patos de borracha na frente da FIESP.



sábado, 3 de setembro de 2016

O Golpe e o Triunfo do Ódio



Eles estavam escondidos até 2013. Vivíamos num ambiente que pendia ao progressismo social e eles tinham uma certa vergonha quando expunham suas ideias. Começaram a reaparecer em 2013, tiraram a cara para fora um pouco mais em 2014 e reapareceram ao público de vez em 2015. Eles têm ódio, sempre. No momento, o ódio é contra Lula, o PT, Dilma, o Bolsa-Família, o Mais-Médicos, o Prouni, as cotas, a Venezuela (mesmo sem às vezes saber onde ela fica no mapa), Cuba, os gays, os pobres, as minorias, contra tudo que de alguma forma eles achem diferente, contra tudo que inclui socialmente.
Eles odeiam a Dilma e ela saiu. Mas isto não é o suficiente. Eles odeiam o Lula. E se ele for preso? Isto não será suficiente. Eles odeiam o PT. E se ele acabar? Isto não será suficiente. Eles odeiam os petistas. E se estes forem presos? Isto não será suficiente. Eles vão brigar até o momento em que estiverem brigando entre si. Porque odiar é tudo que eles sabem fazer.
Preste atenção na cara que eles fazem ao discutir política. Nas caras de rancor, nos argumentos vazios, nos xingamentos, nas ameaças e nos deboches. Para eles, Dilma é uma vaca, Lula um bêbado, o Bolsa-Família coisa de vagabundos, se você é esquerdista deve ir para Cuba, o PT deve ser exterminado. Preste atenção no descaso e na negação cada vez que se tenta mostrar a eles os avanços sociais que tivemos desde 2003. Eles também veem estes avanços, mas não se importam. Eles não sabem gostar de nada nem de ninguém. Não conseguem construir, apenas destruir, de preferência com um xingamento. E será assim sempre. Eles são infelizes.
Eles não se importam se Dilma foi incompetente. Não se importam se a política econômica é errada. Só querem odiar. Já a odiavam quando o país estava bem. Já odiavam Lula quando o país crescia 5% ao ano. Lembro que nos anos 1990, o já deputado Jair Bolsonaro, grande ícone deles, disse que o principal erro da ditadura militar foi não ter matado o então presidente da República. E este presidente não era Lula, mas sim Fernando Henrique Cardoso.

Eles estão mais confiantes do que nunca. Venceram a primeira etapa e agora não vão querer parar. Você não se reconhece neste texto, mas estava nas passeatas da turma do verde-e-amarelo? Eles estavam do seu lado e você não fez nada. Você não teve vergonha da companhia deles. Você acha que os usou, mas foram eles que te usaram. Eles venceram. O golpe contra Dilma foi apenas o primeiro passo. Eles saíram da caverna, estão fortes e você participou disso. Sinto muito, você fez parte de algo que tornou nosso país muito pior. Pode ser que em algum momento a vítima deles seja você.

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

O Parlamentarismo, a Tecnocracia e o Golpe



Após o caos democrático concretizado nesta semana com o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, muitos procuram encontrar explicações para o fato do Brasil ter tido dois processos semelhantes num intervalo de tempo de apenas 24 anos. Desde a redemocratização, foram quatro presidentes eleitos e dois afastados desta forma. O culpado mais fácil seria o Presidencialismo, sendo a sua substituição pelo Parlamentarismo a solução mais óbvia.
O parlamentarismo, porém, está longe de ser garantia de estabilidade política. Itália e Japão, por exemplo, tiveram quase um primeiro-ministro por ano desde a Segunda Guerra Mundial. O próprio Brasil, em sua única experiência parlamentarista, teve três primeiros-ministros em apenas 18 meses. Nos locais em que o parlamentarismo é estável, como no Reino Unido e na Alemanha, isto se dá mais pelo pequeno número de partidos relevantes, praticamente dois e quatro, respectivamente, do que pelo modelo de governo. A conclusão que podemos chegar, portanto, é que a instabilidade política no Brasil se deve mais ao número de partidos (35, sendo que 28 têm representação no Congresso) do que ao modelo de governo. O PT, partido que mais deputados elegeu na última eleição, formava apenas 13% da representação, tendo que fazer inúmeras alianças para alcançar a metade necessária para governar. Temos que lembrar, contudo, que o Brasil possui uma sociedade muito mais densa e complexa do que os dois exemplos citados, sendo necessário um número maior de partidos para garantir algo que é tão ou mais importante do que a governabilidade, a representatividade. Temos um problema causado pelo número de partidos, mas temos que resolvê-lo sem prejudicar a garantia de que todas as minorias tenham chance de representação.
O maior problema do Brasil, porém, que é a causa deste caos todo, é que no fundo não damos, como sociedade, prioridade a valores democráticos. Costumamos, especialmente naquilo que chamo de tecnocracia (economistas e jornalistas da grande mídia, por exemplo) priorizar a economia em detrimento da democracia. Aceitamos tranquilamente que um governo com o qual não concordamos quanto à gestão econômica sofra um processo de impeachment e seja substituído por outro que represente valores derrotados pela maioria nas urnas, desde que isto signifique que o projeto com o qual concordamos chegue ao poder. Nossa sociedade acha de certa forma normal que o projeto tucano, por exemplo, chegue ao poder através de Temer, mesmo tendo sido derrotado quatro vezes consecutivas nas urnas, uma vez que isto poderia estancar a crise econômica. E isto vale para os dois lados, o PT possivelmente faria a mesma coisa se a crise atingisse um governo tucano. Lembro que o PT pediu o impeachment de FHC em março de 1995, apenas três meses após a posse, embora no caso petista há o atenuante de que era claro que este processo não seria aprovado. Foi mais uma jogada estratégica de marcar território e não pode ser colocado no mesmo patamar do pedido atual, que causou estas consequências trágicas. Nos locais em que a democracia se mostra estável, a vontade da maioria (valor democrático) está acima de qualquer valor econômico. Exemplifico mais uma vez com o Reino Unido e seu Brexit, cuja consequência econômica negativa é gigantesca (a libra desvalorizou 25% desde então). No entanto, quase ninguém da chamada tecnocracia por lá questiona a validade do seu resultado ou busca formas de não realizar o que foi decidido pela maioria. Usando os EUA como outro exemplo, não houve uma movimentação por um pedido de impeachment quando o governo Bush derreteu a economia e mesmo a Fox News, pesada opositora da gestão Obama, cogitava a possibilidade de afastamento do mesmo em suas críticas diárias. Impeachment em países com valores democráticos fortes é coisa séria. Por aqui, não há nenhuma vergonha em se impor coisas que a urna não aprovou. Por exemplo, o projeto de governo que apoiava uma reforma da previdência foi rejeitado nas urnas, chegou ao poder através desse impeachment e isto não causa nenhum desconforto ao grupo que a apoia. Pelo contrário, eles acham que a maioria não é capaz de saber o que é melhor o país e que esta imposição é válida. O maior legado negativo desta loucura que vivemos, a meu ver, é que ficou claro que no Brasil nenhum governo sobreviverá a uma crise econômica. Enquanto nossa tecnocracia intelectualizada não priorizar valores democráticos e respeito à vontade da maioria em relação a resultados econômicos, viveremos nesta instabilidade.

O próximo passo dos tecnocratas e dos golpistas, a meu ver, será o apoio à implantação do Parlamentarismo no Brasil. Rejeitados duas vezes pelas urnas, este modelo de governo tornará mais difícil que alguém que desagrade ao empresariado que financia esta tecnocracia de chegar ao poder. Retirará da maioria a possibilidade de escolha do chefe do Executivo. Em nosso multipartidarismo, dará a chance ao centrão fisiológico de se unir eternamente, dividindo o poder entre si até formar os 50% + 1 necessários no Congresso. Caberá à mesma tecnocracia fazer o trabalho sujo de convencer a classe média, a serviço dos seus chefes, que isto é necessário e democrático. Já fizeram isto no convencimento desta mesma classe de que o maior problema do Brasil, um dos países com maior desigualdade do mundo, é a carga tributária. Aqueles que não estudam um assunto a sério repetem muito facilmente o que foi dito por um “especialista”. Um momento ontem me deixou claro a forma como esta tecnocracia entende o funcionamento do país. William Waack entrevistava um especialista econômico X e o assunto era a já citada Reforma da Previdência. Segundo eles, esta reforma tem que acontecer de qualquer jeito. Repito, de qualquer jeito...