Uma declaração atrapalhada do
porta-voz do Partido Comunista da Alemanha Oriental no final da tarde de 9 de
novembro de 1989 resultaria, na noite daquele mesmo dia, na queda do Muro de
Berlim. Ninguém estava muito preparado para o que ocorreria a partir daquilo.
Isto inclui a Federação Austríaca de Futebol e a prefeitura de Viena. Na semana
seguinte após a queda do muro, estava marcada a partida entre Áustria e
Alemanha Oriental, que definiria quem ficaria com uma vaga para a Copa do Mundo
de 1990. Mais de 50 mil alemães orientais aproveitaram a fronteira recém-aberta
e foram para Viena assistir a partida, tornando basicamente a equipe uma local
estando fora de casa. A Alemanha Oriental perdeu o jogo e ficou fora do
Mundial.
A desclassificação alemã oriental
acabaria sendo muito importante para o futuro da sociedade alemã. A partir do
começo de 1990, começou a crescer nos dois países a ideia de reunificação das
Alemanhas, projeto que foi logo incorporado pelo governo alemão ocidental. A
campanha e o posterior título da Alemanha Ocidental na Copa da Itália foi parte
fundamental do processo de criação de uma unidade entre duas sociedades tão
distintas durante aquele ano. Isto certamente não teria acontecido se os
alemães orientais tivessem a sua seleção na mesma competição.
Com o apoio americano e
aproveitando o sentimento criado pelo futebol, os governos alemães decidiram
marcar um plebiscito nas duas nações para votar a reunificação. Para convencer
o governo soviético, o governo alemão ocidental deu basicamente uma montanha de
dinheiro para a URSS e assinou um documento se comprometendo a manter os
monumentos em homenagem aos soldados soviéticos mortos na Segunda Guerra que
até hoje existem em território alemão. França e Inglaterra eram contrárias à reunificação,
mas EUA e URSS deixaram bem claro que seriam eles que decidiriam. Marcou-se o
plebiscito para o início de setembro e a proposta de unificação venceu com mais
de 80% dos votos.
Após isto, seria necessário
escolher uma data em que a reunificação oficial ocorreria e a escolha foi a
mais pragmática possível. Optou-se por 3 de outubro, basicamente porque o
primeiro final de semana deste mês costuma ser o último antes da chegada do
inverno e o governo alemão desejava que a data fosse o grande dia de celebração
nacional nos anos posteriores, com festa nas ruas. Era muito importante que o 3
de outubro fosse gigantesco e superasse o 9 de novembro como data oficial da
reunificação. O dia 9 de novembro coincide com o aniversário da Noites dos
Cristais em 1938 na Alemanha nazista, e existia o temor no governo alemão de
que a transformação deste dia em feriado facilitasse a existência de manifestações
da extrema-direita celebrando o triste evento.
A Alemanha Oriental, assim,
passou o mês de setembro de 1990 como “país-fantasma”, com data marcada para
deixar de existir. No final deste mês, a seleção de futebol deste país perto de
ser extinto tinha um amistoso marcado contra a Bélgica em Bruxelas.
Contrariando a opinião pública dos dois países, Bélgica e Alemanha Oriental
decidiram manter o amistoso. Difícil, porém, foi encontrar jogadores na quase
extinta Rep. Democrática Alemã que se dispusessem a participar deste evento.
Após inúmeras convocações e recusas, a Alemanha Oriental conseguiu arranjar
doze jogadores que toparam jogar, sendo que nenhum deles era goleiro. Um
meio-campo foi improvisado na posição. Um destes jogadores era Matthias Sammer.
Principal nome da seleção alemã oriental à época, Sammer seria o grande nome do
primeiro título da Alemanha unificada na Eurocopa de 1996 e último alemão a
ganhar a Bola de Ouro, no mesmo ano.
Num dia frio e chuvoso, a seleção
da Alemanha Oriental entrava com apenas um jogador reserva e sem técnico num
estádio vazio belga para fazer sua última partida. A Bélgica massacraria a
seleção alemã oriental durante todo o primeiro tempo, mas por aqueles motivos
que apenas o futebol explica, não conseguiu fazer o gol graças à atuação do
meio-campo improvisado no gol. E, para surpresa geral de todos, no começo do
primeiro tempo Sammer abriu o placar para o país em extinção. O gol de Sammer
gerou um enorme interesse na partida dentro da Alemanha Oriental, algo do tipo “não
acredito nisso” e calcula-se que a quantidade de TVs que ligaram na partida
multiplicou-se por sete nos cinco minutos seguintes ao gol. Aguentando a pressão,
a Alemanha Oriental faria 2x0 no final do jogo, com o mesmo Sammer. O final
desta partida resultou em lágrimas e numa comoção espontânea nas ruas da
Alemanha Oriental. Muitos consideram que esta partida deu início ao movimento
que chamam de “ostalgie”, uma certa nostalgia que alemães orientais têm de seu
antigo país. Uma multidão receberia os doze jogadores após a partida.
A reunificação alemã foi de certa
forma cruel com o futebol alemão oriental. Os clubes do antigo país, outrora
competitivos nas competições europeias, foram destruídos pela incapacidade de
competir com os milionários times do antigo vizinho do Ocidente. A partida
citada acima transformou Sammer no maior ídolo esportivo na região que era a
Alemanha Oriental. Isto até hoje. Para se ter uma ideia, a contratação de
Sammer pelo Borussia Dortmund em 1991 transformou o Borussia em time de maior
torcida naquela região, situação que permanece inalterada atualmente. Durante
os anos 2010, o Bayern de Munique inclusive contratou Sammer para o cargo de
diretor técnico, com o objetivo de conquistar o mercado alemão oriental. Não
deu certo. O futebol naquela região passa hoje por um suspiro graças ao
investimento financeiro que a Red Bull faz no clube da cidade de Leipzig, mas
ainda muito longe de conseguir enfrentar os poderosos clubes do Ocidente.
A Alemanha possui quatro Copas do
Mundo, sendo duas muito simbólicas para eles, 1954 e 1990. Ganhou três
Eurocopas. Participou de algumas das partidas mais marcantes da história. Final
de 1966 contra a Inglaterra, semifinal de 1970 contra a Itália, semifinal de
1982 contra a França, 7x1 no Brasil em 2014. Para quase metade do país, porém,
o jogo mais marcante segue sendo um amistoso insignificante disputado num
estádio vazio na Bélgica em 1990. Um dia em que doze jogadores jogaram com dignidade
por um país que praticamente não existia. Apenas pela honra e por respeito ao
passado.