domingo, 22 de abril de 2018

A inversão da relação causa-consequência no país da pós-verdade



A principal característica do momento de judicialização da política brasileira é a inversão da relação causa-consequência. Desde 2015, a consequência aparece antes da causa, que é criada e se ajusta para a obtenção do objetivo procurado. Os dois exemplos que darei neste texto são o impeachment de Dilma Roussef e a prisão de Lula. Em seguida, procurarei mostrar o papel da mídia em naturalizar esta inversão e como ela se adequa ao período da pós-verdade.
Dilma Roussef assumiu seu segundo mandato em janeiro de 2015. Em março do mesmo ano, aproximadamente 75 dias após esta posse, mais de um milhão de pessoas foram à Avenida Paulista pedir o seu impeachment. Meios da grande mídia, mercado financeiro e membros do Judiciário apoiaram a passeata. Já se sabia qual era a consequência desejada, mas ainda faltava criar uma causa que a justificasse legalmente. Para isto, inventou-se um crime de responsabilidade fiscal. Dilma teria cometido a tal das pedaladas fiscais, atrasando o pagamento do governo a bancos públicos para supostamente melhorar o balanço. Não há nenhum indício comprobatório de que a presidente efetivamente houvesse ordenado isto a seus ministros e o suposto crime havia sido cometido na gestão anterior. A Constituição deixa claro que é necessária comprovação de intenção do presidente no cometimento do crime e que este só pode ser julgado por coisas que aconteceram no atual mandato. Mas foda-se. É o que conseguiram achar como suposta causa para justificar a consequência que já desejavam. É o que legitimaria a farsa. A mídia fez seu papel de convencer a população que lá havia um motivo. Durante a votação na Câmara, ficou claro que ninguém estava nem aí para o suposto motivo. Família, Deus, maçonaria, corretores de seguros, Sérgio Moro, general torturador, economia, tudo foi citado, menos o tal crime. No fundo, ele era completamente insignificante.
A segunda consequência pedida naquela mesma passeata era a prisão de Lula. Eles ainda não sabiam o porquê a queriam, apenas a queriam. A maioria das respostas era “porque ele é ladrão”, seguido por gritos de “viva Cunha”. Mais uma vez, era necessário encontrar uma causa que justificasse esta consequência. Durante o clamor desta parcela da população, o dono de uma empreiteira foi preso. Após quase um ano em prisão preventiva, depois de negar várias vezes o envolvimento do ex-presidente a quem se buscava culpar, aceitou delatá-lo. Disse que tentou vender um apartamento para ele e que, como acreditava que a venda ocorreria, reformou este imóvel e depois cobraria este valor em reforma. Note que a situação é tão bizarra que não é o imóvel que seria a propina, mas a reforma do mesmo. Lula desistiu da compra, todo o sistema de propina é uma mera suposição, mas foda-se. Num dos interrogatórios contra Lula, Sérgio Moro perguntou sobre a instalação de um elevador no imóvel da discórdia. Usou sempre verbos no passado, indicando que a instalação deste elevador aconteceu e que seria uma das grandes “provas” de que este processo no futuro do pretérito era real. Nesta semana, um grupo do MTST ocupou o imóvel e descobriu-se que não há nenhum elevador ou indícios de que uma reforma tenha ocorrido por lá nos últimos tempos. Durante todo este período, nenhum órgão de mídia se interessou por um furo de reportagem de visitar o apartamento. Mais do que isto, o juiz do caso não permitiu que a defesa vistoriasse o imóvel prova da acusação. Uma situação bizarra.
Na era da inversão da relação causa-consequência, a simples existência de um processo já é o suficiente para que se legitime a realização de uma vontade, neste caso de punição. Dilma foi afastada e Lula foi preso pela vontade de um grupo de pessoas poderosas, a partir de causas forjadas que foram inventadas depois das consequências. O judiciário politizado fez sua parte de criar processos a partir destas invenções. A mídia fez sua parte ao endeusar este judiciário, tornando seus membros heróis nacionais e reinterpretando o sentido da palavra Justiça. Vivemos um período em que a vontade de alguns se sobrepõe sobre a verdade. Judiciário conservador, elitista e retrógrado, mercado financeiro rentista, mídia que faz o jogo desta turma. Cada um fazendo sua parte. O Brasil se tornou o país das causas inventadas. O país da pós-verdade.

Nenhum comentário:

Postar um comentário