segunda-feira, 12 de abril de 2021

O noticiário do fim do mundo

 


1 de maio: O mercado recebeu com preocupação a notícia dada pela Nasa e confirmada pela Agência Russa hoje de que um asteroide atingirá a Terra dentro de trinta dias, acabando com a possibilidade de vida humana no planeta caso nada seja feito. O índice Ibovespa despencou mais de 10% até que as operações fossem interrompidas.  Horas mais tarde, o governo norte-americano anunciou a produção de tendas especiais para abrigar as pessoas no momento do apocalipse, descoberta da ciência que possibilitará salvar a vida de todos aqueles que estiverem abrigados nelas. A tendência, segundo o governo americano, é que em quinze dias já estejam prontas tendas suficientes para atender toda sua população e que em um mês já estejam disponíveis tendas para atender quatro vezes a população mundial. Os EUA, porém, anunciaram que não farão exportações de tendas antes do apocalipse. As tendas serão enviadas para lugares mais pobres apenas após o fim do mundo, mas o governo de Washington afirmou que fornecerá tendas aos turistas brancos e ricos que visitarem o país durante o apocalipse. O Reino Unido anunciou o mesmo. China e Rússia, os dois outros lugares com capacidade para produção das tendas, anunciaram que poderão exportar algumas tendas para outros países. Alguns países emergentes anunciaram um grande acordo para produção em conjunto de tendas, mas o Brasil já anunciou que não fará parte destes acordos.

Em pronunciamento à nação, o presidente Jair Bolsonaro disse em uma live que não acreditava em meteoros, que aquilo era tudo um mimimi, um plano dos comunistas para dominar o mundo e que a verdadeira proteção para o apocalipse era a crença em Deus. Disse também que os verdadeiros abrigos eram as igrejas e convocou a população a rezar no momento da tragédia. Também aproveitou a live para criticar o governador de SP, que está tentando negociar com a China a compra de tendas. Entre xingamentos homofóbicos e xenofóbicos, o presidente diz que as tendas chinesas virão com um chinês escondido que implantará um chip em todos que estiverem lá dentro. Também anunciou uma visita aos EUA que começará no dia 28/05 e que durará uma semana, onde receberá o prêmio de brasileiro do ano de um grupo de empresários brasileiros que moram nos EUA. O prêmio será entregue dentro de uma tenda anti-apocalíptica pintada de verde e amarelo.

3 de maio: O ministro da Economia, Paulo Guedes, deu uma entrevista à Globo News para tentar acalmar o mercado. Disse que que o brasileiro deveria ver o apocalipse como uma oportunidade e pediu ao Congresso maior pressa na aprovação das reformas, para que cheguemos ao fim do mundo com um estado mais enxuto. Disse também que irá com o presidente Bolsonaro para a viagem de estado aos Estados Unidos e que aproveitará o passeio para vender o Brasil pós-apocalipse como terra das possibilidades. Investidor estrangeiro, completou ele, adora um lugar destruído em que tudo precisará ser reconstruído e é este novo Brasil que ele mostrará por lá.

5 de maio: O ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro, morando nos EUA, onde ministra o curso de “como destruir democracias em países emergentes” no MIT, curso que tem sido muito procurado por membros do judiciário do México e da Argentina, afirmou que a população deveria pressionar o Congresso para aprovar a lei de prisão em segunda instância antes do apocalipse. Não foi muito fácil entender exatamente o que o ex-ministro estava dizendo, mas aparentemente ele disse que sonhava com um país chegando ao fim do mundo livre da corrupção. Disse também que via com bons olhos a possibilidade de uso de armas para antecipar o apocalipse de alguns presidiários, no que foi aplaudido pelo time de jornalistas do canal.

6 de maio: Um consórcio de governadores do Nordeste, desesperado com a proximidade do fim do mundo, anunciou um acordo com o governo russo para comprar tendas que atenderiam toda a população. Esta compra, porém, está parada na Anvisa. A agência pede pelo menos 45 dias para inspeção e aprovação das tendas, não tendo funcionários suficientes para uma operação com tanta urgência. Assim que recebeu a notícia do apocalipse, o ministro Guedes tentou demitir 80% do quadro de funcionários públicos, buscando melhorar as contas do país antes do apocalipse. Apenas 40% dos funcionários, porém, foram demitidos. Isto aconteceu porque, mais uma vez, Guedes demitiu todas as pessoas que sabiam fazer as demissões. Tentou recontratá-las, mas já havia também demitido todas as pessoas que faziam as contratações.

Os jornalistas da Globonews se mostraram incomodados com o projeto do consórcio do Nordeste. Falando dos EUA, para onde toda a redação se mudou após a confusão com as tendas, criticaram o que chamaram de “dois extremos”. Não devemos, segundo eles, apoiar nem o presidente Bolsonaro, que quer que todo mundo morra, nem os líderes de esquerda, que querem que todo mundo sobreviva. Deve-se, segundo eles, buscar um meio termo, em que apenas alguns sobrevivem e alguns morrem. Pensando nisso, os jornalistas de NY se mostraram simpáticos à ideia de um grupo de empresários do setor privado que quer comprar tendas apenas para seus funcionários e amigos. A Anvisa já se mostrou simpática à ideia de liberar com urgência a compra destas tendas privadas. Continuou a Globonews alertando a população de que partidos de esquerda poderiam aproveitar o apocalipse para seduzir com “populismo” e que não podíamos esquecer que gastos excessivos em tendas agora poderiam prejudicar as contas no pós-apocalipse, o que diminuiria a confiança dos investidores estrangeiros no país. Lembraram que todos estes investidores sobreviveriam à tragédia e que seriam mais cuidadosos com o seu dinheiro neste novo normal. A prioridade, disseram eles, é a recuperação econômica no pós-apocalipse.

10 de maio: A Bolsa de Valores já se recuperou do tombo. Passado o susto, boa parte da elite empresarial brasileira já se sente segura nos EUA e na Europa. Subiram muito as ações das empresas aéreas e de turismo, com a elite voando para fugir da destruição. Outro setor que animou o mercado foi o do agronegócio, com o aumento de demanda por alimentos nos países ricos e com o meteoro sendo visto como uma forma de resolver o problema da luta por terra no país. Em uma conferência realizada na Disney, os deputados do Partido Novo apresentaram um projeto que zera os impostos daqueles que saíram ao Brasil para sobreviver ao apocalipse e se mostraram bem animados com o novo país que surgirá da destruição. Outra notícia que animou o mercado foi a nova prisão de Lula. Após sobreviver a tudo, o mercado tinha medo de que ele sobrevivesse também ao apocalipse e que atrapalhasse todos os negócios que a tragédia proporciona.

12 de maio: A notícia do dia é a de uma verdadeira explosão na emissão de passaportes europeus para brasileiros bisnetos ou tataranetos de europeus. Um deles, Enzo Marcos Giovaneli, disse que deixava o país para relaxar um pouco a mente e que estava um pouco cansado de ouvir as reclamações daqueles que morreriam no apocalipse. Disse também que não tinha culpa de ter “sorte” e que tinha o passaporte porque merecia. Disse também que via no apocalipse uma grande chance de recomeçar e que pessoas como ele não se curvavam a qualquer dificuldade. Perguntado sobre o que faria após sair da tenda, disse que iria relaxar um pouco na Tailândia, que precisava surfar e curtir a natureza, e que em seguida faria um MBA em Londres sobre gestão com foco em países destruídos por meteoros.

13 de maio: O pastor Silas Malafaia, morando nos EUA, disse que o apocalipse era culpa daqueles que não tinham seguido Deus. Convocou seus seguidores a realizarem testamentos deixando tudo em nome da Igreja e criou o evento “Apocalipse com Cristo”, em que fiéis iriam para a Igreja rezar com o pastor, em teleconferência, enquanto o meteoro destrói tudo que estiver foram da tenda. Outros pastores abraçaram a ideia e estão fazendo o mesmo, no que já é chamado de “grande corrente de encontro com Deus”.

15 de maio: Preocupado com o grande número de faltas entre os trabalhadores neste período pré-apocalíptico, o governo federal lançou o programa “apocalipse patriótico”. Nele, o trabalhador é incentivado a trabalhar mais e produzir mais até o apocalipse, recebendo aqueles que conseguirem aumentar o lucro do patrão, que normalmente já chegou nos EUA, uma placa de herói do Brasil caso conseguisse. Também foi criado um sorteio em que o melhor trabalhador ganharia uma tenda para sobreviver, o que foi muito elogiado pelo especialistas econômicos, por incentivar a competição. O governo também cancelou as férias daqueles que tinham descanso programado para este período e adiou o pagamento dos salários para o segundo dia após o apocalipse, tendo o patrão direito a este dinheiro caso o funcionário não o saque. O Congresso aprovou em sessão extraordinária um projeto de lei que permite que a polícia atire na cabeça de funcionários que se recusarem a trabalhar. A deputada Joice Hasselmann, que se reconciliou com o presidente Bolsonaro em sua chegada aos EUA, elogiou o projeto, dizendo que já que os vagabundos esquerdistas não querem trabalhar antes do apocalipse, a polícia entrega a morte para esta turma antes. A Globonews elogiou a medida e disse que ela garante estabilidade econômica e confiança ao investidor, pois ele vê que tudo está sendo feito dentro da lei.

20 de maio: Como forma de garantir um último entretenimento à nação antes da destruição total, Palmeiras e Flamengo marcaram um supercampeonato para o dia do apocalipse, em partida a ser disputada na Arena Supertenda em Miami. O campeão receberá o título de supercampeão. Os jogadores já anunciaram que farão um minuto de silêncio pelas vítimas um minuto antes da bola rolar. O presidente Bolsonaro anunciou que estará na partida e fará a entrega da taça.

27 de maio: Faltando menos de uma semana para o apocalipse, tudo vai caminhando normal no Brasil. Funcionários de empresas privadas, das forças armadas, do judiciário e policiais já puderam baixar o aplicativo “tenda produtiva”, onde poderão receber uma senha que os permite retirar uma tenda. O restante vaga por aí. A eles, só resta esperar o fim.


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