Um tiro. Tiago
disse que prefere levar um tiro a escolher entre Jair e Luiz. Um tiro.
Tiago é filho de
um diretor da Globo, fez viagens ao exterior desde a infância, estudou nas
melhores escolas, teve todas as oportunidades que ser filho de um diretor pode garantir.
Jovem, “revolucionou” o jornalismo esportivo da Globo, outrora baseado em reportagens
mais sérias e jornalismo mais sofisticado. Com ele, ganharam espaço brincadeiras
e piadas. Este estilo foi chamado de descontraído. Uma semana antes de dizer que
preferia tomar um tiro a escolher entre Jair e Luiz, Tiago havia dito que
sofria “preconceito” por ser rico na faculdade. Como resposta, mudou-se para
Miami. Repetindo, Tiago disse que prefere levar um tiro a escolher entre Jair e
Luiz. Um tiro.
Um tiro. Uma
semana antes da entrevista de Tiago, a menina Aline Rocha, de 4 anos, levou um
tiro enquanto comprava pipoca no subúrbio carioca. Ao mesmo tempo ocorria uma
ação policial na região e uma bala, provavelmente saída da Polícia Militar,
atingiu a criança. Nenhum policial foi punido. Nenhum será. As forças públicas
trataram o assunto como “acidente”. Os “acidentes” ocorrem sempre com as mesmas
pessoas. Ocorrem com Alices, nunca com Tiago. Tiago pode tranquilamente dizer
que prefere tomar um tiro. Sabe que não tomará. Na pior (ou melhor) das
hipóteses irá para Miami.
No fim de maio,
uma chacina matou 25 pessoas na Vila Cruzeiro, no Rio de Janeiro. A polícia
justificou a ação, dizendo que foram localizadas armas na região. Uma das
vítimas foi Gabrielle Cunha, nenhum antecedente criminal, que morreu em casa. “Bala
perdida”. Olha quem morre então veja você quem mata, diz a música dos Racionais.
Jair, o provável candidato de Tiago em 2018, elogiou a ação da Polícia.
O primeiro ato
de Jair ao assumir o poder foi facilitar o porte de armas. O registro de armas
triplicou desde que o atual presidente assumiu o poder. Teoricamente ficou mais
fácil para Tiago tomar um tiro, mas ele não se importa. Sabe que não tomará. Os
tiros são dados em nome de pessoas como ele nos “outros”. Ele está tranquilo,
não se encaixa nestes “outros”. As vítimas são Alices, Gabriellas.
No começo do governo
de Jair, o seu então ministro da Justiça, Sérgio, tentou passar uma lei que
legalizava o excludente de ilicitude. Basicamente o policial estaria livre de
qualquer punição a ações ocorridas em seu expediente de trabalho, podendo
alegar que estava submetido a fortes emoções. A lei não foi aprovada, mas ela
não é tão necessária assim. Os policiais que atiraram em Alice estão
tranquilos. Os policiais que atiraram em Gabriella estão tranquilos. No fundo,
Tiago também está tranquilo. Pode até fazer piada com tiro.
João,
ex-governador de São Paulo, prometeu em campanha que no seu governo o policial
atiraria para matar. Na cabeça. Linguagem de psicopata. Um ano depois, nove
jovens foram assassinados em um baile funk em Paraisópolis. Muito barulho,
muita bagunça. Nenhum policial foi punido. Nenhum será. Excludente de
ilicitude. Talvez arrependido, João decidiu colocar câmeras nas roupas dos
policiais em horário de trabalho. O número de mortos foi reduzido em mais de
30%. O candidato de Jair em SP já falou que vai acabar com isto. Que esta
câmera atrapalha a ação policial. As vidas salvas não renderam muitos votos a
João. Ele era mais popular quando falava coisas psicopatas.
Todo crime cometido
por policiais é um crime cometido em nosso nome. Assassinatos financiados por
nós, cometidos por nós. Não puxamos o gatilho, mas somos mandantes. Ao não reconhecermos nossa culpa, tornamo-nos cúmplices.
Fomos nós também que atiramos em Alice. Fomos nós que matamos Gabriella. Fomos nós que
matamos Genivaldo num camburão transformado em câmara de gás. Todos nós. Chega de passar pano. Passou da hora de
dizermos basta. Passou da hora de falarmos “não em nosso nome”. Passou da hora
de vivermos uma vida “tranquila” enquanto jovens são assassinados em nosso
nome. Passou da hora de exigirmos mudança. Chega de tranquilidade.
Tiago é homem
rico e branco. Entre pessoas ricas, Jair lidera por 44 a 30. Alice é uma mulher
pobre. Entre pessoas pobres, Luiz lidera por 49 a 28. A eleição é sobre isto.
Olha quem morre então veja você quem mata. Tiago prefere dar um tiro. Nesses
últimos 4 anos, o tiro dado em nome de Tiago. E no fundo ele fará o possível
para que continue assim. Talvez morando em Miami. E tratando tiro como piada.
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