quinta-feira, 30 de junho de 2022

Quando éramos reis

 


Muito raramente os textos que escrevo ficam tão bons no papel quanto parecem ser na minha cabeça. A razão principal é a ansiedade. Eu quase nunca dou a um texto o tempo para que eu o melhore na minha cabeça. É quase sempre o impulso. E também quase nunca os reviso. Escrevo para um blog que pouca gente lê textos que funcionam mais como uma terapia, um desabafo, do que qualquer outra coisa. Na minha cabeça eu tenho um texto não escrito que acho brilhante sobre a relação entre a Copa do Mundo e o país. Não é a à toa que a seleção de 1958 surgiu ao mesmo tempo da Bossa Nova. Não é à toa que a seleção de 1982, possivelmente a melhor seleção não-campeã que tivemos, tenha tido o mesmo destino derrotado do movimento das Diretas-Já, dois anos depois. A derrota bonita segue sendo uma derrota. Mas segue sendo bonita. Não é à toa que a seleção de 1994 surgiu no ano do Plano Real. Vencer a inflação a qualquer custo após sucessivas derrotas. Vencer a Copa do Mundo a qualquer custo depois de sucessivas derrotas. Vencemos. Não é à toa que a seleção de 2002 venceu em 2002. Ronaldo renasceu no ano em que o Brasil optou por renascer. Em algumas coisas o renascimento deu bem certo. Em outras deu bem errado. Não é à toa que a hecatombe de 2014 antecedeu a hecatombe de 2016-2018. No momento em que o Brasil deveria mostrar ao mundo sua força, tudo desandou. O 7x1 se tornaria a metáfora perfeita do país. Cada dia um 7x1 diferente.

Eu tinha 18 anos em 2002. Uma das melhores memórias que tenho daquela Copa é que eu estudava num Cursinho pré-vestibulares cheio de estudantes coreanos e eles enlouqueceram na Copa. Roubaram muito para a Coreia naquela Copa e eu adorei isto. Foi lindo ver aqueles coreanos nerds e obcecados por uma vaga na faculdade de engenharia surtando e enchendo a cara por causa de algo tão besta quanto onze homens correndo atrás de uma bola. Metade da minha sala faltou na aula para assistir a semi entre Coreia x Alemanha. Eu não faltei. Me arrependo. Não lembro do que era a aula, mas provavelmente me lembraria da ida ao bar com os coreanos.

Chegar numa final de Copa do Mundo parecia algo fácil para a minha geração. Chegamos com um time zoado em 1994. Quase ganhamos em 1998 com um técnico que não sabia o nome de quase nenhum dos jogadores adversários. Depois procurem uma entrevista do Vampeta em que ele comenta a preleção do Zagallo para as quartas-de-final contra a Dinamarca. Ganhamos em 2002 com um time desacreditado, que um ano antes tinha perdido para Honduras na Copa América. Ronaldinho surgiu, Ronaldo ressurgiu, Rivaldo teve sua última explosão. Roberto Carlos, Cafu, putaquepariu, que time bom. O Brasil jogou quase sempre às 8 da manhã, lembro que eram os únicos dias de folga no Cursinho. Tínhamos aula até de sábado. Uma coisa interessante que acho quando lembro do Cursinho é que naquela época eu não fazia ideia do que queria fazer da vida. Com o tempo percebi que é uma temeridade exigir de um garoto de 18 anos que escolha o que fazer da vida. Mas aos 38 sigo sem saber. Em 20 anos, descobri mais o que não quero do que o que quero. Ou falhei em transformar o que gosto em profissão. Ou vai ver simplesmente não arranjei alguém para me pagar para fazer o que gosto. Bom, decidi no fim das contas fazer economia. Encontrei na faculdade vários como eu. Não é tão incomum não saber o que quer da vida. Não é tão incomum não descobrir.

Naquele ano votei pela primeira vez para presidente. Meu voto foi em Lula. Foi a única vez que votei nele. Este arrependimento é maior do que o arrependimento do bar dos coreanos. Vai ver na vida vamos juntando arrependimentos. Ou damos valor quando perdemos. Do mesmo jeito que parecia ser fácil chegar em final de Copa do Mundo, parecia ser fácil viver em democracia. Minha geração não lutou por ela, não soube preservá-la. Em 2002, o segundo turno foi entre Lula e José Serra. A direita votava num economista ex-ministro da Saúde que lutou pela quebra das patentes dos remédios contra HIV, tornando o Brasil exemplo no Mundo. Regina Duarte apareceu em sua campanha dizendo que tinha “medo” de Lula. Duas décadas depois, a Regina Duarte que fazia campanha para o cara que ajudou a transformar o Brasil em modelo na luta contra o HIV se tornou ministra do cara que diz que vacina transmite HIV. Saudade de 2002. Passei uma década votando no partido de José Serra. Típico de um jovem privilegiado incapaz de sair da própria bolha, que não busca ver as mudanças. Um jovem que aos 18 anos fazia Cursinho, afinal. Foi preciso muita merda acontecer para que eu saísse do discurso de ódio que a direita ia já implantando a partir de 2003. Às vezes sinto que o João de 2006 embarcaria fácil no discurso de uma coisa como o MBL e me xingo. Me arrependo pelo que faria. Ainda bem que não fiz. Deu tempo.

18 anos. Quando temos 18 anos, 20 anos parece uma vida inteira. Quando temos 38, 20 anos não parece tanto tempo assim. Às vezes parece até mesmo ontem. Aos 58 anos, sabe-se lá o que pensarei sobre 20 anos. Impossível prever. Se voltasse a 2002, a primeira coisa que faria seria ir ao bar com os coreanos. E conversaria com o João de 2002. Não seria necessário mostrar o 2022 sombrio para convencê-lo a mudar. Talvez bastaria fazê-lo olhar à sua volta.

2022 o Brasil vai em busca do hexa. Vai em busca de redenção. Novamente na Ásia. Novamente nas urnas. Fomos incapazes de criar uma renovação e a nossa esperança em 2002 é a mesma de 2022. É Lula. Muito raramente os textos que escrevo ficam tão bons no papel quanto parecem ser na minha cabeça. A razão principal é a ansiedade. Eu quase nunca dou a um texto o tempo para que eu o melhore na minha cabeça. É quase sempre o impulso. E também quase nunca os reviso. Escrevo para um blog que pouca gente lê textos que funcionam mais como uma terapia, um desabafo, do que qualquer outra coisa. Na minha cabeça eu tenho um texto não escrito que acho brilhante sobre a relação entre Lula e o país. Sua ascensão foi a ascensão do país. Sua queda nos levou ao buraco. Sua ressurreição pode ser a nossa ressurreição. É paradoxal ter esperança no futuro olhando tanto para o passado. Mas é o que sobrou, quando não há perspectiva no presente. Ninguém entende tanto de recomeço quanto ele. Ronaldo recomeçou apenas uma vez. A vida de Lula é a vida dos recomeços. Que o Brasil recomece com ele.



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