Duas coisas marcam, sem dúvida, este começo já não tão começo assim da gestão Doria. Considerando que ele claramente já está desesperado para virar governador ou presidente, esta gestão deve durar apenas até março de 2018. Já se cumpriu, portanto, um quarto desta gestão. Marketing e pós-verdade são as duas características principais que em pouco tempo transformou Doria num fenômeno nacional, com forte apoio midiático. Num primeiro momento, filma-se absolutamente tudo, usando as redes sociais como nunca antes um prefeito fez. Em seguida, divulgam-se dados que quase nunca representam a realidade dos fatos, apostando no fato de que um bom marketing é capaz de se sobrepor ao ultrapassado conceito de verdade.
Nesta semana, Doria chegou ao cúmulo de filmar uma demissão. Relembrando os tempos do Aprendiz, o prefeito registrou em câmera e divulgou nas redes sociais o desligamento de Soninha da Secretaria da Assistência Social. O vídeo é constrangedor. Nele é possível ver uma pessoa acuada e constrangida, ouvindo um gestor repetir um discurso feito que creio que todos que já passaram por um momento deste entendem. Doria tentou usar um momento de tristeza de uma agora ex-secretária para promoção pessoal, e num sintoma assustador do que acontece em nossa sociedade, foi elogiado por boa parte dos seus seguidores. Vejo pessoas que conheço que já passaram pelo que Soninha passou e que não conseguem sentir por ela nenhuma empatia, divertindo-se com a humilhação pública perpetrada pelo chefe que eles acham que os representam.
Nunca que eu lembre um gestor público mentiu tanto na divulgação de dados em tão pouco tempo. Abaixo, alguns exemplos de mentiras contadas por Doria em sua gestão:
- Doria divulgou que, como prometido em campanha, zerou a fila de exames na saúde através do Corujão da Saúde. A verdade é que Doria zerou em abril as filas de 2016, as pessoas que passaram por exames em janeiro não haviam sido atendidas até o início do mês. Fora isto, mais de um quarto das pessoas que estavam na fila foram obrigadas a refazer a consulta e não fizeram os exames. Independente disto, houve uma queda grande na fila, mas a verdade aparentemente não foi suficiente para esta gestão;
- Doria prometeu durante a campanha que não aumentaria as passagens de ônibus em seu primeiro ano de gestão. Manteve os R$ 3,80, mas, junto com o governo do Estado, aumentou em valores bem acima da inflação os valores das tarifas diária e mensal, além dos valores de integração ônibus-metrô. Quando questionado sobre o assunto, diz que só prometeu manter os R$ 3,80;
- Doria transformou a limpeza pública em seu grande lema no início de gestão. Vestiu-se de gari e fez uma verdadeira festa cada vez que se varria uma grande avenida. Dados da própria prefeitura, porém, mostram que a varrição de ruas no primeiro trimestre de 2017 foi menor do que no mesmo período de 2016. Questionado sobre o assunto, o prefeito diz que por causa da crise econômica, a cidade está produzindo menos lixo;
- No começo de fevereiro, a prefeitura divulgou um dado que o número de acidentes na Marginal foi menor em janeiro de 2017 do que no mesmo período de 2016. Doria se apressou para mostrar que aqueles dados demonstravam que o aumento de velocidade na via, criticado por todos os especialistas no assunto, não havia causado impacto no número de acidentes. Não disse, claro, que a velocidade só foi alterada no dia 25/01, não se podendo analisar nada, portanto, no mês de janeiro;
- Os dados de fevereiro e março demonstram que houve um grande crescimento no número de acidentes nesta via após este aumento de velocidade. Crescimento de assustadores 180%. Doria diz que o que houve foi aumento no registro, decorrente do aumento no número de guardas na região. Como se anteriormente acidentes não fossem registrados. O número de atendimentos do Samu triplicaram na região. A explicação do prefeito é a mesma;
- Doria divulgou que a prefeitura recebeu mais de R$ 280 milhões em doações nestes quase quatro primeiros meses. Apenas 6% deste valor, porém, estão declarados oficialmente na prefeitura. Irritado com as críticas, o prefeito divulgou pelo Facebook (sempre lá) uma planilha com o que ele diz serem todas as doações. Há no relatório coisas bizarras, como uma série de móveis que possuem o mesmo preço, R$ 2.000,00. Abaixo uma foto do relatório que comprova isto;
- Doria reduziu em 53% o número de estudantes que recebem o Leve Leite, dizendo que a partir dos 7 anos já é baixa a necessidade do leite com complemento alimentar. Não consultou nenhum especialista ao afirmar isto;
- Doria fez sua tradicional festa para realizar, no final do primeiro mês de gestão, a doação do seu primeiro salário para uma entidade beneficente. O valor do salário é de R$ 17.948,00. Neste mesmo período, porém, a revista do grupo Lide teve um aumento de mais de 50% em sua publicidade, deixando de ser bimestral para ser mensal;
- Doria anunciou o início do processo de privatização do Autódromo de Interlagos, colocando o chefe da Fórmula 1 Bernie Ecclestone como um dos interessados na compra. Ecclestone já negou diversas vezes este interesse.
Estes são alguns dos exemplos de desapego de Doria com o conceito de verdade. Não há um anúncio feito por esta gestão que não tenha algum "segredo" escondido. Isto desde a eleição, em que o então candidato chegou a mentir sobre a própria biografia. Entre outras coisas, disse não ser político, mesmo já tendo presidido a Embratur. Numa era de forte polarização, Doria encontrou na rejeição ao PT e no fato de que quase ninguém presta atenção em nada os dois caminhos para se promover nacionalmente. Aproveita qualquer oportunidade, pública ou não, para ofender Lula e seus eleitores, para deleite dos membros da República de Curitiba. Divulga vídeos de tudo que faz ou diz fazer, aproveitando do fato de que quase nenhum dos seus seguidores "perderá tempo" para ler as matérias com as contradições do que foi dito nos dias seguintes. Uma notícia na era das redes sociais dura pouco, um dia na maioria das vezes. Quando pintam matérias apontando as inconsistências dos dados divulgados por Doria, a notícia já é antiga e o prefeito já colheu os frutos. Este é João Doria Jr., o gestor que o empresariado nacional quer na presidência. Para isto, é fundamental que haja uma inversão de valores, que a maioria que trabalhe como funcionária se identifique com os valores do patrão. O deleite de muitos com a demissão de Soninha mostra que está dando certo. Numa época de crise e aumento do desemprego, cresce a popularidade de um político que se popularizou por demitir. Tempos difíceis nos aguardam.