Dediquei uma parte deste último
fim de semana para tentar observar a forma como os bolsonaristas com os quais
ainda tenho contato se comunicam sobre política em redes sociais. Na grande
maioria das vezes, as opiniões são dadas através de memes ou de frases feitas
com o objetivo de “lacrar”. Há muito espaço também para vídeos editados. É muito
muito rara a existência de textos minimamente complexos ou que façam qualquer
convite a reflexões. O site favorito de “jornalismo” deles é o Antagonista, que
soube perfeitamente encontrar a forma de comunicação com este público. As “notícias”
do site são compostas basicamente por um título sensacionalista, um parágrafo
curto e uma conclusão “lacrando”, quase sempre de forma debochada. O
contraditório deve ser ridicularizado e humilhado. Nas poucas vezes em que há
debate, o objetivo é quase sempre deslegitimar quem dá a opinião e não a
opinião em si. Por exemplo, se a Folha de São Paulo publica uma critica sobre
Bolsonaro, a resposta dos bolsonaristas é criticar o jornal e não rebater de
alguma forma a opinião que lá foi dada. Outra coisa que encontrei nesta busca é
uma tentativa de ridicularizar quem usa o termo fascista para se referir a
Bolsonaro e ao que acontece no Brasil atualmente. O objetivo deste texto é
mostrar porque, na minha opinião, o uso do termo é aplicável ao governo eleito
e refletir sobre isto.
Antes de tudo, é fundamental
dizermos que é óbvio que teremos algumas características do fascismo europeu
dos anos 30 que não encontraremos no fascismo tupiniquim do séc. XXI. Uma delas
é o antissemitismo, característica básica do fascismo do séc. XX que foi
substituído de certa forma pela islamofobia no fascismo do séc. XXI. Os
muçulmanos representam a “minoria perigosa” deste momento nos países de primeiro
mundo e de certa forma isto está contagiando o Brasil. Estas diferenças, porém,
não são suficientes a meu ver para impedir que o termo seja usado com eficácia
para determinar o que ocorre por aqui.
Algumas das características
fascistas quem podemos encontrar em Bolsonaro são militarismo, glorificação da
violência, obsessão por punitivismo, ideia de que a função da minoria é se
adequar às vontades da maioria, ataques à imprensa livre, descrédito das instituições, autoritarismo, machismo e nacionalismo. Este
último, porém, de uma forma inegavelmente mais vazia do que no século passado.
Enquanto o nacionalismo do fascismo europeu era realizado através também da
valorização cultural e histórica da pátria, o nacionalismo bolsonarista é muito
mais bocó, baseado basicamente na ideia de hastear a bandeira do país e cantar
o hino. É uma coisa muito mais ligada a símbolos, se tem uma coisa que
Bolsonaro e seu séquito rejeitam é cultura.
Uma característica importante do
fascismo é a forma como eles aplicam no governo aquilo que sempre criticavam.
Por anos, por exemplo, disseram que o Brasil deveria evitar que ideologias
interferissem em questões de relações internacionais. Antes mesmo de assumir o
governo, Bolsonaro já disse que pretender romper relações diplomáticas com
Cuba, mudar a embaixada brasileira para Jerusalém, provocando nossos parceiros
árabes que são importantíssimos como compradores de produtos agrícolas e de
carne daqui, e ameaçando a Venezuela, país com o qual temos superávit na
balança comercial. Também criticavam paranoicamente as supostas tentativas
petistas de aparelhar o Judiciário, mas eis que na semana da eleição Bolsonaro
já atraiu Sérgio Moro para seu governo, controlando assim a Lava Jato e acabando
com a independência do Ministério Público e da Polícia Federal, enquanto a
mídia aplaude a entrada do juiz justiceiro no governo. Outra característica importante
é a forma como o fascismo consegue se adaptar dizendo aquilo que um determinado
grupo quer ouvir. Conseguem ser vistos como defensores dos trabalhadores pelos
que trabalham e dos patrões para quem chefia, basicamente por dizer uma coisa
para um e outra para o outro.
O avanço do fascismo no Brasil
teve duas caras. A mais tosca e truculenta, representada por Bolsonaro, e a
mais educada e bem vestida, representada por Moro. Não é à toa que as duas se
encontram e veem na outra a possibilidade de implantar suas visões autoritárias
no país. Bolsonaro precisa de Moro para que o Poder Judiciário legitime seus
projetos autoritários, que é o que Poderes Judiciários fazem em todas as
ditaduras no mundo, aliás. Não conheço nenhum caso em que Justiças tenham agido
de outra forma. Moro vê em Bolsonaro a chance de colocar em prática para o país
as medidas autoritárias que usou na Lava Jato, como abuso no uso de prisões
preventivas, usadas como instrumento para obtenção forçada de delações muitas
vezes sem provas e espetacularização do processo judicial. Não à toa a Lava
Jato é dona do assustador projeto das “Dez medidas contra a corrupção”, algumas
de tendência claramente fascistas, como o fim do habeas corpus, ampliação das
possibilidades legais de prisão preventiva sem julgamento previsto e a
legalização da ideia de “prova plantada” em delações. Com Moro, Bolsonaro
controla a única força capaz de um dia suplantá-lo entre o eleitorado fascista
e domina a Justiça, colocando os instrumentos do Poder Judiciário abaixo de
alguém que é seu funcionário.
A minha leitura do momento é Psicologia das Massas do Fascismo, de
Wilhelm Reich. O objetivo do autor do livro é uma análise da atração
psicológica que o fascismo exerceu sobre a sociedade alemã e que o levou ao
poder. Diz o autor que a principal ideia usada pelo nazismo para chegar ao topo
foi a família. A instituição familiar, diz o autor, é a principal e mais
querida instituição autoritária que conhecemos. A mais sagrada. O que o nazismo
fez foi convencer a população a levar ao poder central uma organização
governamental que lembraria muito o funcionamento de uma família, com um pai
forte e truculento que movesse a família alemã em frente, conservando seus
princípios e valores. Diz Reich que o principal mecanismo que faz o
autoritarismo familiar funcionar é a opressão sexual feminina. É a forma como a
sociedade e a própria mulher enxergam a sexualidade feminina como algo errado e
pecaminoso, que deve ser combatido, que faz com que as próprias mulheres
aceitem um papel submisso em relação ao homem na família tradicional. Trazendo
para o Brasil, não é à toa que o nosso movimento fascista tenha verdadeira
ojeriza pelo movimento feminista. Uma coisa inegavelmente diferente entre a
família descrita por Reich e a atual família brasileira é que o autor descreve
a família alemã dos anos 1920/30 como uma família numerosa que estava sempre em
competição com as demais famílias da região. Através de riqueza e casamentos,
uma família fagocitava a outra e o que Hitler fez, segundo o autor, foi levar
este movimento de conquista de uma família sobre a outra para o cenário
mundial. Foi o reconhecimento familiar deste movimento que fez com que a
família tradicional alemã aprovasse os movimentos imperiais do seu ditador.
Para quem tiver interesse em saber como isto ocorria na família alemã,
recomendo o livro Os Buddenbrooks, de
Thomas Mann, que mostra a ascensão e queda de uma família através dos
mecanismos que seriam descritos posteriormente por Reich. Não acho que a
família brasileira tenha esta característica atualmente. Talvez isto explique a
ausência de imperialismos no projeto bolsonarista. Mas é fato que a tara de
Bolsonaro em se apresentar como “defensor da família” mostra que o jogo
psicológico é o mesmo. Mais do que isto, esta ideia talvez seja o foco da sua
campanha. Como convencer um trabalhador a abrir mão de direitos como décimo
terceiro, por exemplo? Convencendo-o de que o outro lado ameaça o laço social
mais sagrado, a família.
Debater com fascistas é algo que
beira o impossível. Fazemos uma análise e uma reflexão com base em clássicos
das mais diversas disciplinas e recebemos como resposta um meme. É foda. Mas só
nos resta tentar. Espero que algum deles consiga chegar ao final do texto. Acho
difícil. Outra característica deles é a total mediocrização dos debates.
Refletir e pensar já estão quase se tornando símbolos de resistência.
Sugiro que leiam esse texto com questionamentos sobre os motivos pelos quais, de tempos em tempos, há um fenômeno de estupidez coletiva que claramente nos leva para o buraco. https://www.cartacapital.com.br/revista/1025/as-massas-se-deixam-levar-mas-a-burice-coletiva-comeca-na-elite
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