segunda-feira, 5 de novembro de 2018

As razões de usarmos o termo fascista para Bolsonaro



Dediquei uma parte deste último fim de semana para tentar observar a forma como os bolsonaristas com os quais ainda tenho contato se comunicam sobre política em redes sociais. Na grande maioria das vezes, as opiniões são dadas através de memes ou de frases feitas com o objetivo de “lacrar”. Há muito espaço também para vídeos editados. É muito muito rara a existência de textos minimamente complexos ou que façam qualquer convite a reflexões. O site favorito de “jornalismo” deles é o Antagonista, que soube perfeitamente encontrar a forma de comunicação com este público. As “notícias” do site são compostas basicamente por um título sensacionalista, um parágrafo curto e uma conclusão “lacrando”, quase sempre de forma debochada. O contraditório deve ser ridicularizado e humilhado. Nas poucas vezes em que há debate, o objetivo é quase sempre deslegitimar quem dá a opinião e não a opinião em si. Por exemplo, se a Folha de São Paulo publica uma critica sobre Bolsonaro, a resposta dos bolsonaristas é criticar o jornal e não rebater de alguma forma a opinião que lá foi dada. Outra coisa que encontrei nesta busca é uma tentativa de ridicularizar quem usa o termo fascista para se referir a Bolsonaro e ao que acontece no Brasil atualmente. O objetivo deste texto é mostrar porque, na minha opinião, o uso do termo é aplicável ao governo eleito e refletir sobre isto.
Antes de tudo, é fundamental dizermos que é óbvio que teremos algumas características do fascismo europeu dos anos 30 que não encontraremos no fascismo tupiniquim do séc. XXI. Uma delas é o antissemitismo, característica básica do fascismo do séc. XX que foi substituído de certa forma pela islamofobia no fascismo do séc. XXI. Os muçulmanos representam a “minoria perigosa” deste momento nos países de primeiro mundo e de certa forma isto está contagiando o Brasil. Estas diferenças, porém, não são suficientes a meu ver para impedir que o termo seja usado com eficácia para determinar o que ocorre por aqui.
Algumas das características fascistas quem podemos encontrar em Bolsonaro são militarismo, glorificação da violência, obsessão por punitivismo, ideia de que a função da minoria é se adequar às vontades da maioria, ataques à imprensa livre, descrédito das instituições, autoritarismo, machismo e nacionalismo. Este último, porém, de uma forma inegavelmente mais vazia do que no século passado. Enquanto o nacionalismo do fascismo europeu era realizado através também da valorização cultural e histórica da pátria, o nacionalismo bolsonarista é muito mais bocó, baseado basicamente na ideia de hastear a bandeira do país e cantar o hino. É uma coisa muito mais ligada a símbolos, se tem uma coisa que Bolsonaro e seu séquito rejeitam é cultura.
Uma característica importante do fascismo é a forma como eles aplicam no governo aquilo que sempre criticavam. Por anos, por exemplo, disseram que o Brasil deveria evitar que ideologias interferissem em questões de relações internacionais. Antes mesmo de assumir o governo, Bolsonaro já disse que pretender romper relações diplomáticas com Cuba, mudar a embaixada brasileira para Jerusalém, provocando nossos parceiros árabes que são importantíssimos como compradores de produtos agrícolas e de carne daqui, e ameaçando a Venezuela, país com o qual temos superávit na balança comercial. Também criticavam paranoicamente as supostas tentativas petistas de aparelhar o Judiciário, mas eis que na semana da eleição Bolsonaro já atraiu Sérgio Moro para seu governo, controlando assim a Lava Jato e acabando com a independência do Ministério Público e da Polícia Federal, enquanto a mídia aplaude a entrada do juiz justiceiro no governo. Outra característica importante é a forma como o fascismo consegue se adaptar dizendo aquilo que um determinado grupo quer ouvir. Conseguem ser vistos como defensores dos trabalhadores pelos que trabalham e dos patrões para quem chefia, basicamente por dizer uma coisa para um e outra para o outro.
O avanço do fascismo no Brasil teve duas caras. A mais tosca e truculenta, representada por Bolsonaro, e a mais educada e bem vestida, representada por Moro. Não é à toa que as duas se encontram e veem na outra a possibilidade de implantar suas visões autoritárias no país. Bolsonaro precisa de Moro para que o Poder Judiciário legitime seus projetos autoritários, que é o que Poderes Judiciários fazem em todas as ditaduras no mundo, aliás. Não conheço nenhum caso em que Justiças tenham agido de outra forma. Moro vê em Bolsonaro a chance de colocar em prática para o país as medidas autoritárias que usou na Lava Jato, como abuso no uso de prisões preventivas, usadas como instrumento para obtenção forçada de delações muitas vezes sem provas e espetacularização do processo judicial. Não à toa a Lava Jato é dona do assustador projeto das “Dez medidas contra a corrupção”, algumas de tendência claramente fascistas, como o fim do habeas corpus, ampliação das possibilidades legais de prisão preventiva sem julgamento previsto e a legalização da ideia de “prova plantada” em delações. Com Moro, Bolsonaro controla a única força capaz de um dia suplantá-lo entre o eleitorado fascista e domina a Justiça, colocando os instrumentos do Poder Judiciário abaixo de alguém que é seu funcionário.
A minha leitura do momento é Psicologia das Massas do Fascismo, de Wilhelm Reich. O objetivo do autor do livro é uma análise da atração psicológica que o fascismo exerceu sobre a sociedade alemã e que o levou ao poder. Diz o autor que a principal ideia usada pelo nazismo para chegar ao topo foi a família. A instituição familiar, diz o autor, é a principal e mais querida instituição autoritária que conhecemos. A mais sagrada. O que o nazismo fez foi convencer a população a levar ao poder central uma organização governamental que lembraria muito o funcionamento de uma família, com um pai forte e truculento que movesse a família alemã em frente, conservando seus princípios e valores. Diz Reich que o principal mecanismo que faz o autoritarismo familiar funcionar é a opressão sexual feminina. É a forma como a sociedade e a própria mulher enxergam a sexualidade feminina como algo errado e pecaminoso, que deve ser combatido, que faz com que as próprias mulheres aceitem um papel submisso em relação ao homem na família tradicional. Trazendo para o Brasil, não é à toa que o nosso movimento fascista tenha verdadeira ojeriza pelo movimento feminista. Uma coisa inegavelmente diferente entre a família descrita por Reich e a atual família brasileira é que o autor descreve a família alemã dos anos 1920/30 como uma família numerosa que estava sempre em competição com as demais famílias da região. Através de riqueza e casamentos, uma família fagocitava a outra e o que Hitler fez, segundo o autor, foi levar este movimento de conquista de uma família sobre a outra para o cenário mundial. Foi o reconhecimento familiar deste movimento que fez com que a família tradicional alemã aprovasse os movimentos imperiais do seu ditador. Para quem tiver interesse em saber como isto ocorria na família alemã, recomendo o livro Os Buddenbrooks, de Thomas Mann, que mostra a ascensão e queda de uma família através dos mecanismos que seriam descritos posteriormente por Reich. Não acho que a família brasileira tenha esta característica atualmente. Talvez isto explique a ausência de imperialismos no projeto bolsonarista. Mas é fato que a tara de Bolsonaro em se apresentar como “defensor da família” mostra que o jogo psicológico é o mesmo. Mais do que isto, esta ideia talvez seja o foco da sua campanha. Como convencer um trabalhador a abrir mão de direitos como décimo terceiro, por exemplo? Convencendo-o de que o outro lado ameaça o laço social mais sagrado, a família.
Debater com fascistas é algo que beira o impossível. Fazemos uma análise e uma reflexão com base em clássicos das mais diversas disciplinas e recebemos como resposta um meme. É foda. Mas só nos resta tentar. Espero que algum deles consiga chegar ao final do texto. Acho difícil. Outra característica deles é a total mediocrização dos debates. Refletir e pensar já estão quase se tornando símbolos de resistência.

Um comentário:

  1. Sugiro que leiam esse texto com questionamentos sobre os motivos pelos quais, de tempos em tempos, há um fenômeno de estupidez coletiva que claramente nos leva para o buraco. https://www.cartacapital.com.br/revista/1025/as-massas-se-deixam-levar-mas-a-burice-coletiva-comeca-na-elite

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