domingo, 4 de novembro de 2018

Bohemian Rhapsody e a morte do rock



Apesar do título, este texto falará muito pouco sobre o filme Bohemian Rhapsody, que retrata a vida de Freddie Mercury, vocalista do Queen. Como fã da banda, adorei o filme e recomendo a todos. Os realizadores do filme tiveram a brilhante e bem-sucedida ideia de focar mais no filme do que na vida pessoal de Mercury, causando uma verdadeira apoteose com a encenação quase total da lendária apresentação da banda no Live Aid. Uma banda como o Queen não teria menor espaço no rock hoje em dia. O motivo é simples, não apenas no Brasil, mas no mundo, o rock se tornou o som dos reacionários.
Não há público mais coxinha no mundo hoje, em geral, do que o roqueiro. Principalmente o fã de clássicos e de metal. No Brasil, o rock antigo, aliás, se tornou um escudo de arrogância e de sexualidade mal resolvida. Não há ser mais machista e homofóbico do que fã de Iron Maiden (deixando claro que é óbvio que há exceções), por exemplo. Não há no mundo hoje nenhum espaço para a experimentação musical ou para transgressões reais no rock. Com exceção do Radiohead, não creio haver neste instante nenhuma banda que experimente algo obtendo sucesso comercial. Bandas como Brian Jonestown Massacre, Kikagaku Moyo ou Jesus on Heroine estão completamente restritas a públicos minúsculos. O sucesso vem com bandas medíocres sem nenhuma espontaneidade como Killers ou Coldplay. Bandas que fazem músicas perfeitas para propagandas de margarinas ou de tênis. Que sabem fazer um show que sirva como bom pano de fundo para uma selfie.
Não que Queen não gostasse de fazer sucesso. Ou que não gostasse de ter músicas em comerciais de margarina e tênis. We will rock you que o diga. Mas também é a banda que fazia músicas de seis minutos que dificilmente tocaria em rádios e também era a banda que colocava todos os integrantes vestidos de mulher para tocar na MTV americana da era Reagan. O rock atual se tornou basicamente uma coisa de brancos ricos ou de classe média cantando sobre a vida vazia de brancos de classe média que têm como maior dilema a infelicidade com o emprego. Todo espaço para a real criação artística, para a experimentação e para a criatividade migrou para outros sons. O hip hop nos EUA, o eletrônico na Europa e o funk no Brasil. Do ponto de vista artístico, a Pablo Vittar é muito melhor do que qualquer banda de rock surgida no Brasil nesta década. É transgressora, provocadora e criativa. Já o rock brasileiro é medíocre e sem sal.
Nem sempre foi assim. Tirando os anos 80, a história do rock no Brasil foi brilhante. Um começo nos anos 50 com Cauby Peixoto seria a pré-história de um som que explodiria popularmente com a Jovem Guarda. Jovens que inicialmente se limitavam a copiar o Iê-Iê-Iê criariam a grande geração que comporia no futuro alguns dos maiores discos de nossa história, como Ronnie Von e Erasmo Carlos. Do lado menos popular e mais intelectual, surgiam nos anos 60 os Mutantes, talvez a mais experimental banda brasileira. Os anos 70 veriam surgir o que considero o melhor álbum da nossa história, Secos e Molhados e o maior nome do nosso rock, Raul Seixas. O final da década ainda veria aparecer o punk em SP. A onda criativa deu uma parada nos anos 80, com o surgimento de uma onda medíocre de bandas baseadas principalmente nas praias da zona sul carioca e da diplomacia brasiliense. Uma geração formada por jovens ricos que estimulavam o sentimento de vira-latas nacional, com péssimos letristas e instrumentistas ganhando tostões para agradar aqueles que basicamente gostavam de falar mal de tudo. Não há música mais vazia na nossa história do que Que País é Este, da Legião Urbana. O objetivo destas bandas era tirar qualquer componente nacional do nosso rock e fazer algo que ficasse o mais parecido e copiado possível das bandas internacionais. Deu bem errado, mas foi sem dúvida o início da centralização do rock na classe média branca privilegiada das grandes cidades. Nos anos 90, felizmente, o rock ganhou uma sobrevida, com uma geração brilhante de artistas e bandas que voltaram a tentar mesclar o rock com sons nacionais, enaltecendo as origens e criando algo verdadeiramente original. Para citar três nomes, falo de Raimundos, Planet Hemp e, principalmente, de Chico Science.
Não é à toa que no nosso momento atual, com o Brasil invadido por uma onda reacionária, as bandas mais populares do quase falecido estilo sejam as dos anos 80. É inacreditável imaginar que alguém ainda saia de casa e se disponha a pagar um ingresso para assistir a um show do Capital Inicial. Mas tem. Querem cantar algo que os impeça de pensar. Quando algo faz pensar, roqueiro chia. Não é à toa que parte do público vaiou Roger Waters porque ele disse não ao fascismo. Como que alguém que diz gostar de Pink Floyd pode ser fascista?
O rock envelheceu. Está quase morto. Perdeu espaço. Vive de lembranças de uma era gloriosa. Já foi vanguarda. Hoje é o que há de atraso. Coisa de jovens publicitários metidos a empreendedores. De quem vai em bares caros cantar Jota Quest bêbado com uma banda ruim. Poucas coisas são tão simbólicas disso quanto Florence que dá o nome à banda Florence and the Machine na capa da Vogue. Acabou. Quer procurar o espírito que antes era do rock? Está na hora de começar a ouvir funk.

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