quinta-feira, 6 de agosto de 2020

Ozônio no rabo dos outros é refresco


Em um novo capítulo deste conto que mistura surrealismo, tragédia e comédia pastelão que se tornou o Brasil, ganhou espaço nesta semana um novo “tratamento” para a Covid-19: enfiar ozônio no cu. Embora ainda não tenha ganho o apoio oficial do governo e do presidente, os defensores do ozônio no cu já foram recebidos pelo atual eterno provisório ministro da Saúde. Parece ser questão de tempo para que o presidente embarque na campanha pelo ozônio no cu.

Eu não sei vocês, mas às vezes eu fico pensando se é a mesma pessoa que cria estas histórias e que de certa forma fica se divertindo ao ver até onde elas podem ir neste manicômio que virou o Brasil. Tipo, será que um dia um cara não pensou: “vamos inventar que o PT quer criar uma mamadeira no formato de piroca para ver se as pessoas acreditam”, rindo e se animando ao ver que as pessoas acreditaram? Será que este mesmo cara depois não inventou “vamos dizer que querem mudar o sexo das crianças nas escolas para ver se eles são imbecis o suficiente para acreditar” e mais uma vez viu sua história ir para frente? Agora este mesmo cara pode ter decidido “vamos dar um passo além, vamos ver se as pessoas estão dispostas a enfiar ozônio no próprio cu se a gente inventar que, sei lá, cura o coronavirus?” Já consagrada, a ideia ganhará o sucesso final com o apoio do presidente, o Messias da imbecilidade.

A porcentagem de pessoas que se cura da Covid-19 é algo em torno de 95%. A porcentagem de pessoas que se cura da Covid-19 usando cloroquina é de 95%. Já para o ozônio no cu, também deve ser de 95%, isto considerando que não haja algum efeito colateral que reduza esta taxa e que, sei lá, mate a pessoa. Não deve fazer bem, afinal, enfiar ozônio no cu. O fato é que a maioria das pessoas com Covid-19 que enfiarem ozônio no cu se curarão da doença, obviamente não graças ao ozônio no cu, mas apesar dele. Mesmo assim, porém, elas realmente acreditarão que foi este produto que salvou suas vidas. Elas dirão aos conhecidos: “fiquei doente, mas foi só colocar ozônio no cu que melhorei”. A pessoa que ouvir a história correrá aos conhecidos dizendo “conheço um cara que teve Covid-19, enfiou ozônio no cu e melhorou na hora” e assim uma verdadeira corrente de ode ao ozônio no cu tomará conta do manicômio. É provável que em poucas semanas já veremos Osmar Terra com espaço na Globonews e na CNN defendendo o uso do ozônio para cu, para desespero de algum especialista em medicina que verá sua opinião igualada a de um fanático imbecil.

Pode ser ignorância minha, mas eu não sei nem onde vende ozônio, se é fácil comprar e se existe um ozônio específico para cus. Mas se eu tivesse loja de alguma coisa, já estaria estocando o produto para atender esta nova demanda. Não sei se tem empresa que comercializa ozônio para cu na Bolsa de Valores, mas se houver, minha dica é que os investidores corram em busca destes valiosos papéis, especialmente se o presidente embarcar na campanha. Quem fizer isto ganhará mais dinheiro do que no boom dos bitcoins. Ozônio para cu e armas, os dois produtos que mais valorizaram no governo Bolsonaro.

Há umas duas ou três semanas, aconteceu aquela que eu achava que seria a cena mais bizarra deste manicômio que é o Brasil durante a pandemia. Numa quinta-feira ensolarada, lá estava o presidente do país correndo atrás de uma ema que o havia bicado, mostrando uma caixa de remédio que, embora já tenha a ineficácia para o tratamento da Covid mais do que comprovada, ele jura que é a cura para a pandemia. Eu estava errado. A história do ozônio no cu consegue ser ainda mais bizarra do que isto e não duvido nada que em duas ou três semanas veremos o presidente correndo atrás da ema para aplicar um pouco de ozônio no cu dela. Eu tenho estado errado há muito tempo, aliás. Achava que era impossível que o Brasil elegesse um completo imbecil insignificante como presidente, que o país se uniria contra ele caso esta possibilidade existisse. Eu estava errado. Achei também que esta enorme tragédia, sem querer romantizá-la, iria de alguma forma restaurar algum espírito de coletividade em nossa sociedade individualizada, que todos veriam como ações individuais podem trazer consequências negativas, achei que o conhecimento seria valorizado, que todos faríamos uma autocrítica sobre nossos comportamentos nos últimos anos. Eu estava errado. Ao invés disso, estamos reabrindo lojas, escolas e voltando partidas de futebol enquanto mais de mil pessoas morrem por dia. Eu achava que a pandemia seria uma chance de humanizar uma sociedade que se desumanizou pelo ódio da última década, processo este que chegou ao ápice na eleição de 2018, com a vitória de um candidato que possui todos os preconceitos possíveis, que ameaçou guerra contra vizinhos que não nos ameaçam e que prometeu matar ou expulsar do país aqueles que não concordassem com ele. Eu estava errado. Ao invés disso, estamos enfiando ozônio no cu. Talvez já façamos isto deste outubro de 2018. Naquele momento tínhamos duas opções, a civilização e a barbárie, representada dois anos depois pelo ozônio no cu. Venceu o ozônio no cu.





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