quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

Barra Torres, a Anvisa e as pessoas que não prestam

 


É importante ter uma coisa em mente. Nenhuma pessoa que tenha aceitado participar do governo Bolsonaro em qualquer momento presta. Bolsonaro foi um deputado de trabalho quase nulo e insignificante durante 28 anos de mandato, ganhou fama participando de programas de subcelebridade e de humor, que deram espaço para seu lunatismo em troca de audiência. Chegou ao poder graças a um processo de destruição exercido por membros corruptos do judiciário aliados a setores da grande mídia dispostos a tudo para evitar que a esquerda continuasse no poder. Seus momentos de maior “destaque” em sua carreira político estão sempre ligados a manifestação de algum preconceito. Negros, mulheres, movimentos sociais e principalmente gays. Disse que crianças gays deveriam apanhar, que preferia um filho morto a um filho gay. Disse que o maior erro da ditadura foi “matar pouco”. Em sua campanha presidencial, prometeu matar ou expulsar do país os seus opositores. Também prometeu entrar em guerra contra um país vizinho que nada nos fez e tirar o Brasil da ONU. Repetindo, qualquer pessoa que tenha aceitado trabalhar em um governo que tenha sido eleito com estas propostas não presta. Qualquer pessoa com acesso à informação que não tenha feito oposição a este governo desde o dia em que ele foi eleito deve ser vista com desconfiança. O horror não começou com a pandemia.

Antônio Barra Torres, presidente da Anvisa, é um picareta. Mesmo que tivesse presidido a Anvisa com técnica e competência, seria um picareta. Pelo simples fato de ter feito parte deste governo. Ele é almirante e foi um dos muitos militares incompetentes e inexperientes na gestão pública a assumir um cargo relevante. Sua gestão na Anvisa foi marcada pela liberação de um número nunca antes visto de agrotóxicos e pela burocracia na liberação (ou não de vacinas), na maior parte das vezes agradando Jair Bolsonaro.

A Anvisa fez tudo que pode para não liberar ou atrasar a Coronavac. Se não fosse a ação dura e correta do governador de São Paulo, João Doria Jr., e a pressão intensa da sociedade, a liberação da vacina possivelmente não teria acontecido. Se não fosse a Coronavac, estaríamos hoje ainda mais fodidos do que já estamos. Bolsonaro só aceitou comprar as outras vacinas quando Doria começou a vacinar com a Coronavac em SP e quando Lula voltou a ter direitos políticos. Até agora, a Anvisa não liberou a mesma vacina, a única que pode ser produzida em território nacional, para aplicação em crianças. Argumentos burocráticos. Mesmos argumentos que foram usados para não liberar a Sputnik, vacina usada em boa parte da América Latina e que já havia sido negociada pelos governadores do Nordeste, todos adversários do presidente. Muitas vidas teriam sido salvas se a Anvisa tivesse liberado o medicamento. A ideia de que a Anvisa trabalhou bem nas vacinas durante a pandemia é uma falácia. Na maior parte do tempo foi aliada de Bolsonaro no processo de criação de entraves na vacinação.

Em março de 2020, pandemia começando, Bolsonaro fazendo merda, lá estava Barra Torres participando de manifestação com o presidente. Ambos sem máscara. Festejando a tragédia que se anunciava. Pessoas como Barra Torres não estão acostumadas a cobranças pelo que fazem. Elas são muitas. As “enganadas”. As que dizem que votaram em Bolsonaro porque achavam que ele era “diferente”. Diferente sem dúvida ele é. Nada é mais diferente do que correr atrás de uma ema com um remédio que não tem eficácia durante uma pandemia. Nada é mais diferente do que boicotar a vacinação infantil. Nada é mais diferente do que gravar vídeo caçoando de pessoas sem ar no ápice da tragédia. Barra Torres e os imbecis que queriam alguém “diferente” para “acabar com tudo isto daí” tiveram a missão duplamente cumprida. Ele é diferente e acabou com tudo. Não sobrou nada.

Uma parte da cúpula do Exército, vendo o barco afundar, resolveu cair fora. Estão tentando embarcar na candidatura de Sérgio Moro, maior responsável pela eleição de Bolsonaro. Nada mais natural do que isto. Personalizar a tragédia em Bolsonaro e governar sem ele. Gente que tem o autoritarismo na veia. A aliança jurídico-militar. O juiz que prendeu o primeiro colocado e se tornou ministro do segundo, junto com os generais que ameaçaram dar um golpe de Estado caso o Supremo não mantivesse a decisão. Um bolsonarismo sem Bolsonaro. A cartinha de Barra Torres nada tem a ver com divergências com Bolsonaro. Tem a ver com um movimento político. Assim como o seu processo de "beatificação". Movimento de gente que em 2018 estava na rua celebrando a tragédia que começava. Gente que não acha que estava errada. Gente que não presta.


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