A vitória de Jair Bolsonaro em 2018
foi possível graças à união de duas forças retrógradas e fascistas, uma de
natureza militar, liderada pelo próprio ex-capitão, e outra vinda das primeiras
instâncias do Poder Judiciária, liderada por Sérgio Moro, ambas igualmente reacionárias
e autoritárias. Se nos anos 1960 estes dois grupos não tinham problema em
simplesmente dar um golpe, no novo século estas forças tentam dar uma aparência
de legalidade à tomada de poder. É necessário que haja eleições, mesmo que elas
sejam uma farsa. Coube a Moro o papel de impedir a candidatura de Lula,
candidato que venceria as eleições, e de manipular processos de forma a ajudar os
parceiros do projeto. Foi assim nas eleições estaduais de Rio de Janeiro,
Paraná e Goiás. Coube ao Exército o papel de ameaçar as instituições que
poderiam impedir que a farsa se concretizasse. Um país que aceita que um
militar ameace dar um golpe de Estado por Twitter já se rendeu. A aliança ficou
clara quando Moro aceitou tornar-se ministro da Justiça do governo que ajudou a
eleger. Em qualquer lugar sério, o fato de o juiz prender o primeiro colocado e
depois virar ministro do segundo já seria suficiente para que a fraude fosse denunciada.
Por aqui não foi. No fundo porque quem apoiou isto sempre soube o que estava
acontecendo.
Bolsonaro e Moro não se separaram por
diferenças de visão de mundo, mas sim por ambições pessoais. Moro não fico puto
porque Bolsonaro interveio na Polícia Federal, mas sim porque ele, Moro, não
conseguiu intervir. Disse diversas vezes que havia sido uma promessa do presidente
que as indicações da Polícia Federal seriam dele. Não tem nada a ver com
independência. Moro não era e não é contra a interferência do governo no órgão, desde que a interferência seja dele. Até sair do governo, Moro não mostrou nenhuma discordância em
relação ao rumo do governo durante a pandemia. Até elogiou o então chefe por comprar
cloroquina mais barata da Índia.
A saída de Moro do governo poderia
levar a uma cisão na aliança entre militares e baixo clero do Judiciário. Não
levou, e isto me surpreendeu. O baixo clero do Judiciário não desembarcou do
governo junto com o ex-líder. É importante lembrar que este baixo clero do
Judiciário foi fundamental na desestabilização dos dois governos anteriores, de
Dilma e Temer. Os dois não conseguiam fazer nada, nem escolher ministros, que
ações na primeira instância travavam as nomeações. Bolsonaro segue até hoje
fazendo e acontecendo sem que nada aconteça na primeira instância. Um caso
emblemático deste apoio é a situação do ex-ministro Ricardo Salles, que deixou
o governo quando seus crimes eram investigados pelo Supremo porque sabe que na
primeira instância nada acontecerá.
O governo Bolsonaro, obviamente,
fracassou. Não tinha como dar certo. Colocar um maníaco, lunático e psicopata
que nunca escondeu sua psicopatia no poder não tinha como dar certo, afinal.
Junte-se à personalidade do presidente a maior pandemia dos últimos cem anos e
vivemos a maior tragédia da nossa geração enquanto o presidente passeava de jet
ski, corria atrás de ema, promovia aglomerações e festas, boicotava a vacina e
mentia. Mentia e mente muito e o tempo todo. Chegou ao governo assim e não tem razão
para mudar agora que está no topo. Uma parte dos aliados deste projeto, vendo a
possibilidade de derrota do projeto, resolveu desembarcar de Bolsonaro. E Moro
parece estar ganhando espaço entre os militares.
Vemos um número considerável de
militares de alta cúpula abandonando o presidente agora que o barco afunda.
Como ratos. Todos eles se apresentado como “exemplos de responsabilidade”
enquanto o governo que apoiaram segue cumprindo sua promessa de matar. A
cartinha de Antônio Barra Torres, presidente da Anvisa, surge neste contexto. Estes
militares estão entrando de cabeça na candidatura de Moro. General Santos Cruz,
um dos que ameaçou golpe de Estado se o STF revisse a prisão em segunda
instância em 2018, e ex-ministro do governo Bolsonaro, é um dos chefes de
campanha de Moro. Se Bolsonaro conseguiu manter o apoio na primeira instância
do Judiciário no divórcio em 2020, Moro agora avança entre os militares. Eles enxergam no ministro a chance de prosseguir no poder e de continuar o projeto, personalizando a tragédia em Bolsonaro. "Ele nos enganou", dizem estes dois grupos que apoiaram o candidato que prometeu matar ou expulsar opositores, entrar em guerra contra a Venezuela e que disse que a ditadura matou pouco, que deveria ter matado "uns 30 mil".
“A democracia é uma concessão do Exército”. Assim pensa Bolsonaro. Assim pensa a cúpula do Exército. Eles acham que estão fazendo um favor permitindo que a democracia exista. 2018 serviu para mostrar que ela já não existe mais. Nenhuma democracia existe em um lugar em que um militar ameaça um golpe de Estado e não é preso por isso. É importante tem isto em mente na eleição de 2022. Ela não vai acabar com a eleição de Lula. Os grupos de Bolsonaro e Moro não estarão dispostos a conceder. Esta turma não voltará para o quartel. E isto exigirá uma mobilização do que restou de democracia que não se resumirá ao dia da eleição e à festa na noite da vitória. Exigirá um esforço de reconstrução. E se destruir foi fácil, a reconstrução durará décadas.
Bolsonaro era o plano A. Moro é o plano B. Esta turma pode até aceitar a posse de Lula. Mas estão desde já trabalhando no plano C.
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