quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

Djokovic e Austrália: O imbecil e a truculência

 


Novak Djokovic é um imbecil. Esta é a causa inicial da confusão que o deixou preso em um aeroporto na Austrália. Todas as pessoas que estão se recusando a tomar a vacina por um motivo que não seja muito sério são imbecis. Todas. E “não querer” não é um motivo sério. São pessoas que estão colocando em risco a saúde pública por egoísmo e ignorância. E quando a gente fala de Djokovic, a gente fala de bastante ignorância. A esposa do tenista, Jelena, foi bloqueada por alguns dias no Instagram no começo da pandemia por compartilhar um vídeo que dizia que a Covid era transmitida pela rede 5G. Djokovic não é responsável pelo que a esposa posta, claro, mas sua atitudes durante a pandemia mostram que é bem provável que ele compartilhe este tipo de maluquice. É um grau muito elevado de tosquice.

Djokovic é um tipo específico e perigoso de idiota: o idiota bem-sucedido. Djokovic é possivelmente o melhor tenista de todos os tempos. O maior campeão da modalidade, mobiliza uma multidão de fãs por onde vai. Isto significa que muito provavelmente Djokovic não deve ouvir um não na vida desde os 18 anos. Pessoas bem-sucedidas normalmente se cercam de pessoas que aplaudem tudo que elas fazem, e quando esta pessoa é idiota ela normalmente se cerca de idiotas. Estas pessoas idiotas provavelmente aplaudiram a ideia idiota do idiota do Djokovic de organizar um torneio idiota durante a primeira onda da pandemia. E quando a gente fala de uma pessoa bem-sucedida e idiota, um dos maiores problemas é que ela acha que o fato de ser bem-sucedida é uma prova clara de que ela não é idiota. O dinheiro e a fama trazem tudo que ele quer, portanto se ele quer ficar sem tomar vacina, ele acha que pode.

Dentre as muitas coisas que me incomodam muito na pessoas que são anti-vacinas é a forma como elas simplesmente não querem lidar com nenhuma consequência da sua escolha. Não sei de nenhum país em que as pessoas estejam realmente sendo obrigadas a tomar vacina. Talvez a China, mas não sei. Ninguém está sendo preso ou tendo a casa invadida por não tomar vacina. Elas só estão, com razão, enfrentando restrições. Num momento de pandemia, é totalmente racional que pessoas que façam a escolha de não tomar a vacina sofram algumas restrições enquanto a doença persistir. Primeiro pela falta de vontade de participar do esforço coletivo para superá-la, e segundo pelo risco sanitário que ela representa. Não quer tomar a vacina, então se isole enquanto a pandemia durar.

Isto não tem nada a ver com o conceito real de liberdade. Liberdade é uma conquista coletiva. Se você acha que liberdade é fazer o que você quer e quando quer enquanto outra pessoa está se fodendo porque você faz isto, você está errado. Isto não é liberdade, é privilégio. Não há liberdade real enquanto a sua suposta “liberdade” individual foi possível graças a exploração e opressão de outras pessoas. Você não está curtindo sua liberdade quando vai fazer curso em Amsterdã pago pelo pai enquanto sua família paga uma miséria à sua empregada doméstica. Você está curtindo seu privilégio. A liberdade real só existe quando obtida por todos e para todos e é uma luta constante de todos. A ideia atual de liberdade está muito ligada a comércio e à realização de vontade. “Você é livre porque compra o quer e faz o que quer”. Não. Quando você compra uma roupa barata feita por mão-de-obra escrava você não está sendo livre porque escolheu comprar aquela roupa, você está sendo um instrumento de opressão. Liberdade não é olhar apenas para o próprio umbigo. É pensar nas consequências coletivas de suas escolhas. É meter uma vacina no braço quando a sociedade precisa.

Isto dito, o governo da Austrália está agindo de forma babaca. A Austrália tem toda a razão, toda toda, toda memo, ao exigir que apenas pessoas vacinadas entrem em seu país. É o que países governados por gente minimamente decente fazem. Porém a Austrália LIBEROU a entrada de Djokovic. Ele só entrou no avião quando a liberação foi dada. A decisão do governo australiano gerou mal-estar, óbvio, e só depois disso é que Djokovic foi barrado no aeroporto por um suposto problema no visto. Um problema que provavelmente não existe, porque ninguém diz ao certo qual é. Djokovic conseguiu a liberação para entrar através de uma regra de exceção, sem que ninguém também explicasse em qual ponto desta regra ele entrou. Ser um idiota bem-sucedido, talvez. Mas o certo é que a liberação aconteceu e pará-lo no aeroporto fazendo publicidade política disto é um ato de truculência. Se aceitaram a ida dele, que aceitem a entrada e lidem com a consequência ao invés de fazer este show patético agora.

Há um certo populismo que se alimenta de duas coisas. A primeira é a truculência contra pessoas ricas, que muitas vezes serve para justificar as ações cometidas diariamente contra pessoas pobres. Aqui no Brasil, muitas vezes analistas aplaudiam a Lava-Jato porque “pela primeira vez víamos pessoas ricas presas no Brasil”. Não se importavam com a truculência das ações e com as inúmeras e claras arbitrariedades cometidas pela operação. Ao invés de buscarmos uma sociedade mais humana, passamos a aplaudir a expansão da desumanidade e aplaudíamos cada vez que Sérgio Cabral era humilhado por juízes justiceiros. A porta do horror se abriu. Uma segunda é a truculência com estrangeiros, com pessoas que vem achando que “aqui é bagunça”. Vimos isto aqui no Brasil na ação da Anvisa em Brasil x Argentina, quando a agência parou a partida porque quatro jogadores argentinos estariam no país irregularmente, quando teve todas as oportunidades de resolver o assunto antes da partida e impedir o circo. Até hoje a Anvisa não apresentou os supostos documentos falsificados dos argentinos, mas ninguém foi atrás disso. Ninguém quer ir atrás ou impedir o circo. Pelo contrário, monta-se tudo para realizar o circo. A Anvisa conseguiu ter sua ação transmitida ao vivo em rede nacional e foi ovacionada pela sociedade sedenta por “justiça”.

O primeiro-ministro da Austrália já se pronunciou em rede social dizendo que na Austrália as regras servem para todos e aquilo que já sabemos. Está sendo aplaudido. Todos estão errados. E normalmente quando todos estão errados, todos acham que estão certos. Djokovic é um imbecil. O pior tipo de imbecil. Mas neste caso está sendo vítima de truculência. O fato de sermos todos vítimas de seu egoísmo e de sua ignorância não deveria permitir que fossemos favorável à humilhação que ele está sofrendo. Até o maior dos imbecis deve ter algum direito assegurado e não pode ser usado como brinquedo por um governo buscando autopromoção.   


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