Novak
Djokovic é um imbecil. Esta é a causa inicial da confusão que o deixou preso em
um aeroporto na Austrália. Todas as pessoas que estão se recusando a tomar a
vacina por um motivo que não seja muito sério são imbecis. Todas. E “não querer”
não é um motivo sério. São pessoas que estão colocando em risco a saúde pública
por egoísmo e ignorância. E quando a gente fala de Djokovic, a gente fala de
bastante ignorância. A esposa do tenista, Jelena, foi bloqueada por alguns dias
no Instagram no começo da pandemia por compartilhar um vídeo que dizia que a
Covid era transmitida pela rede 5G. Djokovic não é responsável pelo que a esposa
posta, claro, mas sua atitudes durante a pandemia mostram que é bem provável que
ele compartilhe este tipo de maluquice. É um grau muito elevado de tosquice.
Djokovic
é um tipo específico e perigoso de idiota: o idiota bem-sucedido. Djokovic é
possivelmente o melhor tenista de todos os tempos. O maior campeão da
modalidade, mobiliza uma multidão de fãs por onde vai. Isto significa que muito
provavelmente Djokovic não deve ouvir um não na vida desde os 18 anos. Pessoas
bem-sucedidas normalmente se cercam de pessoas que aplaudem tudo que elas fazem,
e quando esta pessoa é idiota ela normalmente se cerca de idiotas. Estas
pessoas idiotas provavelmente aplaudiram a ideia idiota do idiota do Djokovic
de organizar um torneio idiota durante a primeira onda da pandemia. E quando a
gente fala de uma pessoa bem-sucedida e idiota, um dos maiores problemas é que
ela acha que o fato de ser bem-sucedida é uma prova clara de que ela não é
idiota. O dinheiro e a fama trazem tudo que ele quer, portanto se ele quer ficar
sem tomar vacina, ele acha que pode.
Dentre
as muitas coisas que me incomodam muito na pessoas que são anti-vacinas é a
forma como elas simplesmente não querem lidar com nenhuma consequência da sua
escolha. Não sei de nenhum país em que as pessoas estejam realmente sendo obrigadas
a tomar vacina. Talvez a China, mas não sei. Ninguém está sendo preso ou tendo
a casa invadida por não tomar vacina. Elas só estão, com razão, enfrentando
restrições. Num momento de pandemia, é totalmente racional que pessoas que
façam a escolha de não tomar a vacina sofram algumas restrições enquanto a
doença persistir. Primeiro pela falta de vontade de participar do esforço
coletivo para superá-la, e segundo pelo risco sanitário que ela representa. Não
quer tomar a vacina, então se isole enquanto a pandemia durar.
Isto
não tem nada a ver com o conceito real de liberdade. Liberdade é uma conquista
coletiva. Se você acha que liberdade é fazer o que você quer e quando quer
enquanto outra pessoa está se fodendo porque você faz isto, você está errado. Isto
não é liberdade, é privilégio. Não há liberdade real enquanto a sua suposta “liberdade”
individual foi possível graças a exploração e opressão de outras pessoas. Você
não está curtindo sua liberdade quando vai fazer curso em Amsterdã pago pelo
pai enquanto sua família paga uma miséria à sua empregada doméstica. Você está
curtindo seu privilégio. A liberdade real só existe quando obtida por todos e
para todos e é uma luta constante de todos. A ideia atual de liberdade está
muito ligada a comércio e à realização de vontade. “Você é livre porque compra
o quer e faz o que quer”. Não. Quando você compra uma roupa barata feita por
mão-de-obra escrava você não está sendo livre porque escolheu comprar aquela roupa,
você está sendo um instrumento de opressão. Liberdade não é olhar apenas para o
próprio umbigo. É pensar nas consequências coletivas de suas escolhas. É meter
uma vacina no braço quando a sociedade precisa.
Isto
dito, o governo da Austrália está agindo de forma babaca. A Austrália tem toda
a razão, toda toda, toda memo, ao exigir que apenas pessoas vacinadas entrem em
seu país. É o que países governados por gente minimamente decente fazem. Porém
a Austrália LIBEROU a entrada de Djokovic. Ele só entrou no avião quando a
liberação foi dada. A decisão do governo australiano gerou mal-estar, óbvio, e
só depois disso é que Djokovic foi barrado no aeroporto por um suposto problema
no visto. Um problema que provavelmente não existe, porque ninguém diz ao certo
qual é. Djokovic conseguiu a liberação para entrar através de uma regra de exceção,
sem que ninguém também explicasse em qual ponto desta regra ele entrou. Ser um
idiota bem-sucedido, talvez. Mas o certo é que a liberação aconteceu e pará-lo
no aeroporto fazendo publicidade política disto é um ato de truculência. Se aceitaram
a ida dele, que aceitem a entrada e lidem com a consequência ao invés de fazer
este show patético agora.
Há
um certo populismo que se alimenta de duas coisas. A primeira é a truculência contra
pessoas ricas, que muitas vezes serve para justificar as ações cometidas
diariamente contra pessoas pobres. Aqui no Brasil, muitas vezes analistas
aplaudiam a Lava-Jato porque “pela primeira vez víamos pessoas ricas presas no
Brasil”. Não se importavam com a truculência das ações e com as inúmeras e
claras arbitrariedades cometidas pela operação. Ao invés de buscarmos uma
sociedade mais humana, passamos a aplaudir a expansão da desumanidade e
aplaudíamos cada vez que Sérgio Cabral era humilhado por juízes justiceiros. A porta
do horror se abriu. Uma segunda é a truculência com estrangeiros, com pessoas
que vem achando que “aqui é bagunça”. Vimos isto aqui no Brasil na ação da
Anvisa em Brasil x Argentina, quando a agência parou a partida porque quatro jogadores
argentinos estariam no país irregularmente, quando teve todas as oportunidades
de resolver o assunto antes da partida e impedir o circo. Até hoje a Anvisa não
apresentou os supostos documentos falsificados dos argentinos, mas ninguém foi
atrás disso. Ninguém quer ir atrás ou impedir o circo. Pelo contrário, monta-se
tudo para realizar o circo. A Anvisa conseguiu ter sua ação transmitida ao vivo
em rede nacional e foi ovacionada pela sociedade sedenta por “justiça”.
O
primeiro-ministro da Austrália já se pronunciou em rede social dizendo que na
Austrália as regras servem para todos e aquilo que já sabemos. Está sendo
aplaudido. Todos estão errados. E normalmente quando todos estão errados, todos
acham que estão certos. Djokovic é um imbecil. O pior tipo de imbecil. Mas
neste caso está sendo vítima de truculência. O fato de sermos todos vítimas de
seu egoísmo e de sua ignorância não deveria permitir que fossemos favorável à
humilhação que ele está sofrendo. Até o maior dos imbecis deve ter algum
direito assegurado e não pode ser usado como brinquedo por um governo buscando
autopromoção.
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