Eu
sempre gostei muito de eleição quando era criança. Achava tudo uma grande festa
e sentia que havia uma comoção maior nas ruas do que há hoje. Talvez seja
porque havia uma proximidade maior com a época da ditadura, as pessoas davam
mais valor ao fato de poder votar, sei lá. Minha mãe era (e ainda é) malufista
fanática, o que significa que as eleições na minha casa tinham sempre este
personagem como foco central.
A
primeira eleição que lembro alguma coisa foi para a Prefeitura em 1988. Tinha
apenas 4 anos, não me recordo de quase nada, só lembro da minha mãe enfurecida
porque a Erundina ganhou, acusando o mundo de fraude e falando que São Paulo
iria acabar. Da eleição de ano seguinte eu tenho mais memórias. Em 1989 o
brasileiro foi às urnas votar para presidente pela primeiras vez em 29 anos e
foi, para mim, a eleição mais legal que já teve. Um trilhão de candidatos, uma
quase total ausência de regras, baixaria e grande participação popular. Eu
tinha uma bandeira de quase todos os candidatos. À época, 4 candidatos eram os
meus favoritos: Maluf (claro), Silvio Santos (nas duas semanas em que ele
participou da campanha e zoneou tudo), Éneas (meu nome é Enéas) e Marronzinho
(Um cara cujo lema era “pobre vota em pobre” e que tinha como principal
promessa usar a Petrobrás para procurar água no Nordeste. Pouca gente lembra,
mas no dia da apuração houve uma grande festa para leitura do primeiro voto, e
este foi para Marronzinho!). A eleição
era com cédula de papel, lembro-me de sair às 8 da manhã para votar com a minha
mãe, com um boné de Maluf. Em seguida, saí para votar com meu pai, que naquela
eleição votou no Brizola. Minha mãe pediu para eu enganá-lo e marcar o nome de
Maluf na hora do voto, sinceramente não lembro se fiz isso, acho que não. Eis
que veio o segundo turno e a grande surpresa: minha mãe, por algum motivo,
tinha um ódio mortal de Collor e não só votou como fez campanha por Lula. Não
sei quantos votos Maluf teve no primeiro turno, estou com preguiça de
pesquisar, só sei que ele ficou em quinto ou sexto. Se ele teve, sei lá,
1.500.000 votos, aposto que 1.499.999 dos seus eleitores votaram em Collor, eu
aposto que a minha mãe foi a ÚNICA pessoa que votou em Maluf no primeiro turno
e Lula no segundo. Minha casa foi entupida com bandeiras do PT, algo que nunca se
repetiu, e minha mãe brigou com quase todas as suas amigas malufistas por Lula.
Ela joga na cara de todos até hoje que ela sabia que Collor era bandido.
Em
1990, outra eleição, dessa vez pra governador. O segundo turno foi Fleury e
Maluf. Eu adorava o símbolo da campanha do Fleury, era um catavento. Meu pai
aparecia cada dia com um, minha mãe no início chiou, mas depois até começou a
pegar alguns para mim na rua. Hoje São Paulo tem duas forças políticas, PT e
PSDB, uma tentando mostrar que é menos pior do que a outra. Naquela época era
mais legal, existiam quatro forças, PT, PSDB, Quércia e Maluf, uma tentando
mostrar que era menos pior do que as outras.
Dois
anos depois, finalmente a glória. Enfim, Maluf ganhava uma eleição. Até hoje
não sei como, mas a população de SP o elegeu prefeito uma semana e meia depois
do impeachment de Collor e 4 ou 5 dias depois do massacre do Carandiru. Tenho três
lembranças dessa eleição. 1) Minha mãe buzinou tanto que meu pai malufou; 2)
Ela encheu a porta do apartamento em que morávamos com adesivos do Maluf, estragando-a
para sempre; 3) Minha irmã, já com 14 anos e com idade para pensar sobre as
coisas, apareceu em casa com uma bandeira do Suplicy. Eu a atirei pela janela, tomei
uma bronca da minha irmã, que ficou uns 3 dias sem falar comigo, mas ganhei um
parabéns da minha mãe. Foi uma consagração !
Dois
anos depois, uma eleição não tão legal, uma vez que não tinha Maluf. Ele não
quis largar o cargo de Prefeito para concorrer ao Governo do Estado (viu
Serra?). Minha mãe se encantou então com outro candidato, o ex-prefeito de
Osasco Francisco Rossi (eu morava no centro de SP, Osasco parecia para mim o
lugar mais distante do mundo). Meu pai estava muito doente à época e minha mãe
escolheu Rossi porque ele tocou “Segura na mão de Deus” em um dos seus
programas. Rossi foi para o segundo turno contra Covas, que recebeu o apoio do
PT e de Maluf (sim, PT, PSDB e Maluf juntos contra o ex-prefeito de Osasco !).
Minha mãe soltou pela primeira vez a frase “Maluf está errado”.
Em
1996, com 12 anos, minha última eleição malufista. No ápice de sua
popularidade, Maluf elegeu um poste, Celso Pitta, contra Luiza Erundina. Nessa
época descobri que minha professora favorita era petista, isso me fez começar a
rever alguns conceitos. Lembro da tosquice que foi o último debate, em que
Pitta estava na Bandeirantes e Erundina na Globo, um chamando o outro de
covarde. Foi a primeira eleição, acho, com urna eletrônica. Acho uma chatice,
preferia cédula de papel.
A
partir de 1998 as eleições perderam a graça, uma vez que eu já tinha opinião
própria, enxerguei em Maluf o ladrão corrupto, filhote da ditadura, como diria
Brizola. Mas não consigo ter o ódio que a maioria das pessoas possui dele. Ele
é um personagem nostálgico da minha infância, de uma época em que sempre
achamos que nossa mãe está certa.
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