segunda-feira, 28 de abril de 2014

Cinco Minutos que valeram uma guerra




Em 2 de abril de 1982, a Argentina entrou em um transe coletivo, uma histeria na verdade. O ditador Leopoldo Galtieri, chefe da Junta das Forças Armadas que governava o país desde 1976 anunciava, para delírio de um povo em êxtase na Praça de Maio, que o país estava invadindo as ilhas Malvinas, cuja posse os argentinos reivindicavam da Grã-Bretanha desde o séc. XIX. Galtieri foi o segundo dos três presidentes da ditadura argentina, que durou entre 1976 e 1983. Foi a ditadura mais cruel do continente. Dados divergem sobre o número de mortos, mas as estatísticas falam entre 10.000 e 30.000 mortos. Para se ter uma ideia, a ditadura brasileira, em 21 anos, matou 300 pessoas.
                Em 1982 a Argentina passava por uma grave crise econômica e o governo militar era mais contestado do que nunca. Precisava-se de algo que trouxesse novamente o apoio popular. O arquipélago das Malvinas é a grande mágoa do povo argentino. Duas ilhotas que quase nada tem, nem gente, mas cuja presença inglesa dói na alma portenha. A invasão ocorreu de sopetão e a população do país embarcou com coração e alma na aventura. A popularidade de Galtieri subiu acima de 90% e até os grupos clandestinos de esquerda se alistaram na luta contra os “imperialistas ingleses”.
                Galtieri jamais imaginava que a Inglaterra respondesse. Os argentinos acreditavam em um suposto apoio americano à ocupação das ilhas. Dizia o acordo da OEA que todos os países membros apoiariam um integrante que se envolvesse num conflito e os americanos, até aquele momento, sempre olharam com bons olhos não apenas a ditadura argentina, mas todas as outras ditaduras de direita do continente sul-americano, com exceção dos quatro anos de governo Carter. Reagan, seu sucessor, obviamente não cumpriu o acordo da OEA e apoiou incondicionalmente o Reino Unido de Margareth Thatcher. Foi seguido por Pinochet, que permitiu inclusive que os britânicos usassem o território chileno como base área, e, de forma mais implícita, pelo Brasil, que liberou seu espaço aéreo e naval aos europeus.
                O ditador argentino terminou seu discurso em 02/04/1982 com a frase “Que venham os ingleses”. E eles foram. Com tudo. Margareth Thatcher passava por um período conturbado em seu governo e nada como um conflito com um país claramente mais fraco e agressor para garantir uns pontinhos de popularidade. Não houve guerra, mas sim massacre. Menos de três meses depois da invasão a Argentina estava humilhantemente derrotada. A autoestima de seu povo foi para o chão, junto com a moral dos soldados derrotados e da Junta Militar, que não sobreviveria mais um ano. Era um país em frangalhos.
                Quis o destino que quatro anos depois, em 22/06/1986, Argentina e Inglaterra se encontrassem em um jogo de Copa do Mundo. Futebol é algo irrelevante perto de uma guerra, mas não naquele dia, não para os argentinos. O nervosismo tomou conta de Buenos Aires nos dias e horas que antecederam aquela partida. Ninguém queria pensar como seria o dia posterior a uma possível nova derrota para os ingleses. Ninguém imaginava também o que estava para acontecer.
                O primeiro tempo do jogo foi tenso, com brigas nas arquibancadas, cantos provocativos da torcida inglesa e muita porrada no meio de campo. No segundo tempo, os cinco minutos de glória. Aos 6 minutos, um baixinho acima do peso que jogava pela Argentina tentou uma jogada que deu errado, a bola ricocheteou e sobrou no alto para uma dividida entre este gordinho e o goleiro inglês de quase dois metros. O baixinho, que jamais ganharia esta dividida, foi com a mão na bola, que entrou, e saiu comemorando sem olhar para o lado. Todo estádio viu a mão na bola, menos juiz e bandeirinha. O gordinho havia trapaceado contra os ingleses. Isto é errado, mas não naquele dia. Nada poderia ser mais gostoso para um argentino do que ver ingleses enfurecidos, sentindo-se enganados por um portenho. A humilhação da guerra já era menor. Cinco minutos depois, porém, o que já era gostoso tornou-se uma hecatombe, uma nova histeria coletiva. O mesmo baixinho que era odiado pelos imperialistas enganados, driblou sete ingleses enfurecidos, deixou dois inclusive no chão e fez o gol mais bonito da história do campeonato. É impossível para quem não é argentino entender o que aqueles cinco minutos representaram para a autoestima do país. Ver um portenho primeiro enganar os ingleses com sua malícia e depois humilhá-los com seu talento lavou a alma de um povo. Futebol é algo insignificante. Mas não aquele dia. A Argentina ganharia o jogo e o campeonato, mas são estes cinco minutos que criaram um mito. Diego Armando Maradona, o baixinho gordo que fez os vilões ingleses chorarem por um dia enquanto os argentinos celebravam. Aquele dia representou um novo início para o país. O luto havia acabado.
                Para quem gosta de história, o vídeo abaixo mostra imagem de 1982 de um programa da TV argentina durante a guerra, chamado “24 horas pelas Malvinas”. Era uma espécie de Teleton para arrecadar fundos para os soldados. Nele, Maradona aparece fazendo uma contribuição em dinheiro. A maior contribuição, no entanto, ele daria 4 anos depois. O povo argentino é eternamente grato.

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