Luzes da Ribalta (1952) é o
último filme de Charlie Chaplin. Trata-se de uma história autobiográfica sobre um palhaço
decadente, que não encontra mais seu lugar no mundo, engolido por uma nova
geração interessada em outro tipo de arte e humor. Impossível, para mim,
lembrar deste filme sem compará-lo às situações vividas por Chico Anysio e
Renato Aragão. O que está em discussão não é a qualidade artística dos três,
mas a forma como suas artes sucumbiram ao tempo. O primeiro morreu no
ostracismo, o segundo segue este caminho. A forma como os três perderam
popularidade com a idade e com as transformações do gosto do público ligam as 3
histórias. Chaplin foi vítima do cinema falado; Aragão e Anysio, vítimas da
internet e da TV a cabo.
A
sociedade mudou. O humor na televisão brasileira mudou. É inevitável lutar
contra isso. Renato e Chico foram criados para um tipo de humor de um país
diferente, em que as pessoas viviam em sua maior parte no interior, isoladas e
com pouco acesso à informação. Quase todos os humoristas daquela época
começaram num tipo de ambiente que hoje é quase inexistente, o circo. Hoje, num
país em que a maioria das pessoas é de classe média e vive em cidades, com
acesso a informações vindas do mundo inteiro, o começo vem nos stand ups, não à
toa um nome em inglês. A chamada opinião pública, outrora formada em maior
parte por pessoas simples de cidades interioranas que buscavam um humor em
certa medida inocente, hoje é composta por uma classe média que vive em grandes
cidades, pessoas competitivas e hierarquizadas que procuram um humor que
registre sua forma de enxergar o mundo. A Praça é Nossa não tem a menor graça
para quem assiste Pânico. Sem juízo de valor, isto é fato.
Uma
coisa une estas duas gerações do humor brasileiro: a existência de um “escada”.
Há alguém que se dá bem e alguém que se dá mal nas esquetes, quase sempre. Alguém
humilhando e enganando, outro humilhado e enganado. Renato Aragão, por exemplo,
tinha Dedé Santana para preparar suas piadas. A diferença é que, na geração dos
realities shows, este escada hoje é quase sempre uma pessoa real e não um
personagem. Alguém que se sujeite, conscientemente ou não, a ser humilhado em
praça pública para deleite do “admirável público”. Poucas coisas divertem mais
essa geração competitiva do que alguém sofrendo bullying, isto faz com que se
sintam pessoas melhores do que aquele alvo de chacota. Sentem-se menos feios ao ver um feio de
verdade sendo zoado, sentem-se menos pobre ao ver um pobre sendo zoado. Ser
melhor do que alguém, este é o lema não só do humor, mas de tudo. O novo humor
apenas reflete isso. Mais uma vez, sem juízo de valor.
Uma
coisa separa as duas gerações: o limite. A antiga é composta por pessoas vindas
de um país pobre, ou seja, a vida lhes impôs limite, como a fome e a pobreza.
Quem passou por limitações sabe que tudo tem limites. A nova geração, filha de
pais que forneceram tudo, não conhece esta palavra e, por isso, acha que seu
humor é uma arte que não deve sofrer com nenhum tipo de regra, seja de si
mesmo, seja da sociedade.
Renato
Aragão e Chico Anysio passaram boa parte da vida sendo tratados como gênios.
Nada deve ser mais triste para pessoas como eles, que se acostumaram com este
tratamento, perceberem que no fundo eram apenas um produto, consumido e
descartado quando não mais interessante. É muito ruim contar uma piada que
ninguém mais ri.
Eduardo
Sterblitch é um dos grandes nomes do humor atual. Trabalha no Pânico e possui
um quadro chamado Poderoso Castiga, em que recebe subcelebridades e começa a
humilhá-las. Estas vão ao quadro para serem achincalhadas de forma voluntária.
Na sociedade do espetáculo, vale tudo para esticar em alguns segundos os 15
minutos de fama. Em entrevista a Jô Soares, foi chamado pelo apresentador de
gênio. Jô entende muito mais de humor do que eu. Cada geração tem o gênio que
merece e que a representa.
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