Não é raro que fotografias
consigam de forma tão perfeita captar o espírito de um momento. O casal se
beijando na Times Square virou um símbolo da vitória aliada na Segunda Guerra.
A criança vietnamita correndo com o corpo queimado é a maior lembrança dos horrores
da Guerra do Vietnã. Sem dúvida a foto que melhor simboliza a distopia que
vivemos no Brasil é a que inicia este texto. Funcionários da Havan,
uniformizados, coagidos por um chefe lunático, obrigados a participarem de um
vídeo ridículo em que ele declara apoio ao candidato Jair Bolsonaro. Olhe para
os olhos de cada uma destas pessoas. Veja o grau de submissão e humilhação a
que elas são impostas por um chefe incapaz de respeitar qualquer tipo de
opinião individual. Repito, olhe para a cara destas pessoas, submetendo-se ao
papel de números.
O trabalho embrutece, dizia Darcy
Ribeiro em O Povo Brasileiro. No
vídeo que gerou esta foto, Luciano Hang ameaça seus funcionários que não estão
dispostos a votar em seu candidato. Diz que tirará seu investimento e gerará
desemprego se outro candidato ganhar. Em seguida, aparece num palco, numa
posição que lembra a de um pastor numa igreja evangélica, onde seus
funcionários uniformizados são obrigados a cantar o hino nacional.
A campanha de Bolsonaro e seus
adeptos criou algo que considero um fenômeno novo na história do planeta, que é
o nacionalismo bocó. Regimes que se propõe a serem nacionalistas costumam
valorizar predominantemente a cultura nacional. Afinal, não há riqueza maior
para um país do que sua cultura. A França, por exemplo, é mais conhecida por
sua cultura do que por qualquer outra coisa. Os milhões de visitantes de Roma,
além de ver o papa, vão pra lá atrás da cultura que o lugar oferece. Os EUA se
tornaram a potência que se tornaram não apenas pela força econômica, mas pela
forma que impuseram sua cultura ao redor do mundo. Isto é diferente no
nacionalismo bocó bolsonarista. O desrespeito que eles têm pela cultura brasileira
é gigantesco. Para eles, artista é tudo “vagabundo, preguiçoso e maconheiro” e
toda verba pública tem que ser cortada para eles. O mesmo acontece com o
conhecimento em geral. Bolsonaro foi completamente indiferente ao incêndio do
Museu Nacional, por exemplo. Desqualificam todo conhecimento histórico,
tentando reescrever a história com base em achismos e preconceitos. À exceção
de Paulo Guedes, não há nenhum especialista em absolutamente nada que apõe qualquer
coisa na campanha Bolsonaro. Nenhum educador apoia suas sandices. Não há
proposta alguma para saúde pública. Suas ideias de segurança pública são
rechaçadas por quem estuda o assunto, atendendo basicamente a um lobby da indústria
de armas que sonha em lucrar com a generalização do porte de armas no país.
A campanha de Bolsonaro é um
grande nada repleto de preconceitos e ódio. Uma mistura de antipetismo,
machismo, homofobia, glorificação da violência e ignorância, repleto de
símbolos nacionais que por si só não significam nada e com a anuência criminosa
de setores da economia, que não se importam em promover um verdadeiro genocídio
desde que isto signifique ganhos na Bolsa de Valores. A elite econômica usa a
onda Bolsonaro para realizar alguns sonhos. Não querem perder esta chance única
de eleger um candidato que se dispõe a acabar com o 13º salário e com os
direitos trabalhistas, tudo isto com a legitimidade das urnas. A campanha de Bolsonaro é uma grande negação do conhecimento. Não à toa se baseia basicamente em informações falsas e visões de mundo paranóicas. Verdade e conhecimento andam lado a lado, quem não se preocupa com um não se preocupa com o outro.
Bolsonaro propõe uma tirania das
maiorias. “As minorias devem se submeter à vontade das maiorias”, diz ele em
vídeo. A tirania das maiorias é o grande risco da democracia, algo previsto
tanto na Antiguidade Clássica por Aristóteles quanto na democracia moderna, por
Tocqueville, por exemplo. Foi por este motivo que Montesquieu concebeu a ideia
de separação dos poderes. Executivo, Legislativo e Judiciário funcionariam de
forma independente, se vigiariam e impediriam que as minorias fossem
massacradas pelos interesses da maioria. Pois bem, imaginemos um Executivo de
Bolsonaro. A previsão para 2018 é que mais da metade do nosso Legislativo será
composto por integrantes de três bancadas: agronegócio, lobby das armas e
igrejas evangélicas. As três categorias apoiam Bolsonaro. O Judiciário, nesta
semana, deixou muito claro quem é seu candidato. Após prender e impedir a única
pessoa que derrotaria este candidato nas eleições, o juiz Sérgio Moro liberou,
a uma semana da eleição, uma delação ainda sem provas com diversas acusações
contra o partido que o enfrentará no segundo turno. Sua esposa usa redes
sociais para declarar apoio implícito a Bolsonaro. Juiz Marcelo Bretas, chefão
da Lava Jato no Rio de Janeiro, faz o mesmo. O presidente do Supremo, Dias
Toffoli, declarou que o Golpe Militar de 1964 deve ser chamado de Movimento e
proibiu uma entrevista porque ela poderia ajudar o concorrente de Bolsonaro.
Brasil acima de todos e Deus acima de tudo, diz Jair Bolsonaro. Mas a frase
poderia tranquilamente ser de Deltan Dallagnol, o procurador da Lava Jato que
propõe o fim do habeas corpus e das limitações à prisão preventiva. Nenhum dos outros dois poderes parará as loucuras de Bolsonaro no Executivo. Pelo contrário.
Brasilien über alles, diz a
versão brasileira do fascismo. Olhe mais uma vez para a foto que deu início a
este blog. É isto que estamos nos tornado. Um horror inimaginável nos espera.
Quem se abstém disto é cúmplice. Lembro-me da história de um conhecido meu, que
trabalha em um banco no Itaim. Contava ele que em 2014, um amigo dele havia
ameaçado e por fim pago a empregada doméstica para que ela prometesse votar em
Aécio em 2014. Ele e seus amigos riram da história. Vivemos uma grande
distopia. Que pode estar apenas começando.
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