quarta-feira, 3 de outubro de 2018

A distopia



Não é raro que fotografias consigam de forma tão perfeita captar o espírito de um momento. O casal se beijando na Times Square virou um símbolo da vitória aliada na Segunda Guerra. A criança vietnamita correndo com o corpo queimado é a maior lembrança dos horrores da Guerra do Vietnã. Sem dúvida a foto que melhor simboliza a distopia que vivemos no Brasil é a que inicia este texto. Funcionários da Havan, uniformizados, coagidos por um chefe lunático, obrigados a participarem de um vídeo ridículo em que ele declara apoio ao candidato Jair Bolsonaro. Olhe para os olhos de cada uma destas pessoas. Veja o grau de submissão e humilhação a que elas são impostas por um chefe incapaz de respeitar qualquer tipo de opinião individual. Repito, olhe para a cara destas pessoas, submetendo-se ao papel de números.
O trabalho embrutece, dizia Darcy Ribeiro em O Povo Brasileiro. No vídeo que gerou esta foto, Luciano Hang ameaça seus funcionários que não estão dispostos a votar em seu candidato. Diz que tirará seu investimento e gerará desemprego se outro candidato ganhar. Em seguida, aparece num palco, numa posição que lembra a de um pastor numa igreja evangélica, onde seus funcionários uniformizados são obrigados a cantar o hino nacional.
A campanha de Bolsonaro e seus adeptos criou algo que considero um fenômeno novo na história do planeta, que é o nacionalismo bocó. Regimes que se propõe a serem nacionalistas costumam valorizar predominantemente a cultura nacional. Afinal, não há riqueza maior para um país do que sua cultura. A França, por exemplo, é mais conhecida por sua cultura do que por qualquer outra coisa. Os milhões de visitantes de Roma, além de ver o papa, vão pra lá atrás da cultura que o lugar oferece. Os EUA se tornaram a potência que se tornaram não apenas pela força econômica, mas pela forma que impuseram sua cultura ao redor do mundo. Isto é diferente no nacionalismo bocó bolsonarista. O desrespeito que eles têm pela cultura brasileira é gigantesco. Para eles, artista é tudo “vagabundo, preguiçoso e maconheiro” e toda verba pública tem que ser cortada para eles. O mesmo acontece com o conhecimento em geral. Bolsonaro foi completamente indiferente ao incêndio do Museu Nacional, por exemplo. Desqualificam todo conhecimento histórico, tentando reescrever a história com base em achismos e preconceitos. À exceção de Paulo Guedes, não há nenhum especialista em absolutamente nada que apõe qualquer coisa na campanha Bolsonaro. Nenhum educador apoia suas sandices. Não há proposta alguma para saúde pública. Suas ideias de segurança pública são rechaçadas por quem estuda o assunto, atendendo basicamente a um lobby da indústria de armas que sonha em lucrar com a generalização do porte de armas no país.
A campanha de Bolsonaro é um grande nada repleto de preconceitos e ódio. Uma mistura de antipetismo, machismo, homofobia, glorificação da violência e ignorância, repleto de símbolos nacionais que por si só não significam nada e com a anuência criminosa de setores da economia, que não se importam em promover um verdadeiro genocídio desde que isto signifique ganhos na Bolsa de Valores. A elite econômica usa a onda Bolsonaro para realizar alguns sonhos. Não querem perder esta chance única de eleger um candidato que se dispõe a acabar com o 13º salário e com os direitos trabalhistas, tudo isto com a legitimidade das urnas. A campanha de Bolsonaro é uma grande negação do conhecimento. Não à toa se baseia basicamente em informações falsas e visões de mundo paranóicas. Verdade e conhecimento andam lado a lado, quem não se preocupa com um não se preocupa com o outro.
Bolsonaro propõe uma tirania das maiorias. “As minorias devem se submeter à vontade das maiorias”, diz ele em vídeo. A tirania das maiorias é o grande risco da democracia, algo previsto tanto na Antiguidade Clássica por Aristóteles quanto na democracia moderna, por Tocqueville, por exemplo. Foi por este motivo que Montesquieu concebeu a ideia de separação dos poderes. Executivo, Legislativo e Judiciário funcionariam de forma independente, se vigiariam e impediriam que as minorias fossem massacradas pelos interesses da maioria. Pois bem, imaginemos um Executivo de Bolsonaro. A previsão para 2018 é que mais da metade do nosso Legislativo será composto por integrantes de três bancadas: agronegócio, lobby das armas e igrejas evangélicas. As três categorias apoiam Bolsonaro. O Judiciário, nesta semana, deixou muito claro quem é seu candidato. Após prender e impedir a única pessoa que derrotaria este candidato nas eleições, o juiz Sérgio Moro liberou, a uma semana da eleição, uma delação ainda sem provas com diversas acusações contra o partido que o enfrentará no segundo turno. Sua esposa usa redes sociais para declarar apoio implícito a Bolsonaro. Juiz Marcelo Bretas, chefão da Lava Jato no Rio de Janeiro, faz o mesmo. O presidente do Supremo, Dias Toffoli, declarou que o Golpe Militar de 1964 deve ser chamado de Movimento e proibiu uma entrevista porque ela poderia ajudar o concorrente de Bolsonaro. Brasil acima de todos e Deus acima de tudo, diz Jair Bolsonaro. Mas a frase poderia tranquilamente ser de Deltan Dallagnol, o procurador da Lava Jato que propõe o fim do habeas corpus e das limitações à prisão preventiva. Nenhum dos outros dois poderes parará as loucuras de Bolsonaro no Executivo. Pelo contrário.
Brasilien über alles, diz a versão brasileira do fascismo. Olhe mais uma vez para a foto que deu início a este blog. É isto que estamos nos tornado. Um horror inimaginável nos espera. Quem se abstém disto é cúmplice. Lembro-me da história de um conhecido meu, que trabalha em um banco no Itaim. Contava ele que em 2014, um amigo dele havia ameaçado e por fim pago a empregada doméstica para que ela prometesse votar em Aécio em 2014. Ele e seus amigos riram da história. Vivemos uma grande distopia. Que pode estar apenas começando.


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