A Lava Jato perdeu totalmente a
vergonha de deixar claro qual seu candidato nesta eleição. Após anos de
bajulação e de aprovação incondicional de boa parte da grande mídia e da
opinião pública, a Operação não sente mais necessidade nenhuma de esconder seu
caráter fascista. São anos de abusos e arbitrariedades que culminaram na
situação tosca que vivemos atualmente. Apenas nos últimos três dias, vimos o
juiz Marcelo Bretas, chefe da Operação no Rio, deixar implícito em suas redes
sociais seu apoio ao candidato fascista. O mesmo ocorreu com Rosangela Moro,
esposa do “sub-Deus” da Lava Jato, que postou em seu Instagram uma mensagem
desrespeitosa às mulheres que participaram do protesto do #elenão. Uma semana
antes, havia postado fotos de pessoas apoiando o impeachment com a frase “tudo
aquilo não foi para nada”. Após dedicar o mês de setembro a ações
cinematográficas contra políticos do PSDB do PR e de SP, com prisões
desnecessárias, Moro decidiu, faltando seis dias para a eleição, que era hora
de tornar públicas as delações realizadas por Antônio Palocci, delações que não
haviam sido aprovadas pelo próprio Ministério Público por falta de provas,
aliás.
Palocci está preso há dois anos.
Pelo acordo de delação, terá sua pena reduzida em dois terços caso prove o que
diz. Você sabe qual a pena de Palocci? Darei um tempo para pensar. Não sabe?
Sim, a pena ainda não existe. Palocci está HÁ DOIS ANOS em prisão preventiva. A
prática mais comum usada pela Operação Lava Jato é esta. O uso abusivo da
prisão preventiva, de forma não prevista nos preceitos constitucionais, como
instrumento de tortura psicológica a fim de obter as informações que julgue
necessárias, com ou sem provas. A grande “contribuição” que a Operação Lava
Jato deu a esta onda fascista foi sem dúvida esta. A forma como conseguiu
convencer a maior parte da opinião pública que o desrespeito à lei e a noções
básicas de direitos humanos é aceitável em busca de algo que considere um “bem
maior”, no caso o combate à corrupção. Todo discurso bolsonarista tem isto como
base. Matar pessoas vale a pena se elas forem cometer crimes, derrubar a democracia
é válido para impedir que viremos uma Venezuela etc.
Uma onda fascista como a que
vivemos não surge por acaso. A barbárie é fruto de anos de preparação. Para
quem se interessa pelo tema, os meus dois livros favoritos sobre este assunto
são Gostaríamos de informa-lo que amanhã
seremos mortos com nossas famílias, de Philip Gourevitch, e Origens do Totalitarismo, de Hannah
Arendt, o primeiro tratando do genocídio dos tutsis praticado pelos hutus em
Ruanda no ano de 1994, e o segundo tratando sobre os séculos de perseguição aos
judeus na Europa que culminaram com o Holocausto. Mostra Arendt que os séculos
de perseguição aos judeus fizeram com que a sociedade em geral se acostumasse
com a ideia de tirar direitos daquela parte da população, até o momento em que
o único direito que ainda restava para ser tirado era a vida. Gourevitch parte
desta mesma ideia para explicar a forma como o genocídio em Ruanda foi de certa
forma quase normalizado pela população local. Tanto o Holocausto quanto o
genocídio de Ruanda, argumenta brilhantemente os autores, foram praticados por
pessoas “normais”, daquelas cuja única preocupação na vida é pagar as contas. A
barbárie se torna um hábito.
A barbárie já é um hábito. Moro
no centro de São Paulo. Basta descer na estação Sé do metrô e vir até a estação
República, onde moro. Pessoas completamente abandonadas pelo poder público e
pelo resto da sociedade de classe média, que vai tocando a vida se trancando em
condomínios-presídios. Acostumamo-nos. A Prefeitura de SP apresentou um projeto
para tirar a cracolândia da região da Luz e manda-la para Zona Norte. A
justificativa é que isto irá valorizar a região. Construtoras já anunciam
empreendimentos para a classe média naquela região. Estúdios de 1 dormitório,
com áreas de lazer e metrô perto. Na borda da Sala São Paulo. A preocupação é
com o lugar, não com as pessoas. Tirá-las de lá é o foco, se possível para um
lugar onde elas não sejam vistas. Simplesmente nos acostumamos.
A principal atração que Bolsonaro
pratica sobre seu eleitorado é a ideia de que ele vai matar bandido. E na
classificação de bandido desta gente entra todo mundo que pode ser visto como
diferente. Gays, feministas e petistas, principalmente. Gays devem apanhar na
infância, feministas são pouco higiênicas (Rosangela Moro concorda) e petistas
devem ser metralhados. Presidiários devem ser obrigados a trabalhar, numa
versão moderna de escravidão. A tortura é um instrumento válido e deve ser
aplicado na obtenção de informações importantes. Uma próxima etapa do que já
faz Moro com sua tortura psicológica. Como um candidato destes está em
primeiro? É simples, costume.
Ligando a TV ontem, pude assistir
um debate sobre “como o governo Bolsonaro fará para criar empregos”. Tortura,
homofobia, racismo, machismo. Tudo isto está em segundo plano para o objetivo
supremo de “criar empregos”. A Bolsa sobre com Bolsonaro. Mudando de canal,
cheguei num programa que mostrava uma operação policial bem sucedida, com
bandidos mortos e policiais sendo premiados. Corte para uma propaganda
política, em que João Doria Jr. diz que policial deve ter licença irrestrita
para matar. Corte para outra propaganda, com Márcio França condecorando a
policial que matou o bandido na frente da escola. Corte para outra propaganda,
a policial que matou o bandido concorrendo a deputada federal dizendo que
merece o voto do eleitor porque matou o bandido. Volta o jornal, dizendo que
foram provavelmente policiais que mataram a vereadora Marielle Franco no RJ. A
causa do crime é porque ela denunciava torturas e assassinatos cometidos por
milícias policiais em favelas na cidade. Marielle. Negra, lésbica, mulher.
Bolsonaro. Tortura, homofobia, racismo e machismo. Marielle é tudo que
Bolsonaro persegue. 2018 é o ano em que Marielle foi assassinada e Bolsonaro
pode ser alçado à presidência da República. Os assassinos de Marielle estão soltos. Enquanto debatemos empregos. Parece
que as ações das empresas fabricantes de armas estão subindo, aliás. É um bom
investimento, diz um analista econômico.
Simplesmente nos acostumamos. O
que a candidatura que lidera a campanha presidencial é basicamente a formação
de um Estado psicopata, que elimina aqueles que causam “problemas e mal-estar”.
Basta um passo para que o outro seja dado. Estamos caminhando na barbárie faz
muito tempo. Sérgio Moro é só uma etapa. Bolsonaro é a próxima. Já nos
acostumamos a Moro.
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