segunda-feira, 22 de outubro de 2018

O tio burro




Daqui a uma semana é muito provável que Jair Bolsonaro já tenha sido eleito presidente do país que representa a nona economia do mundo. Falando apenas de termos técnicos inicialmente, deixando as gravíssimas questões morais para o decorrer da análise, não lembro de na história do planeta alguma pessoa tão despreparada e ignorante assumir um cargo tão importante. Bolsonaro está sendo eleito para o cargo mais importante do país sem ter apresentado nenhuma proposta realmente boa sobre nenhum termo e sem ter nenhum especialista, à exceção de Paulo Guedes, participando da criação de um plano de governo. Também será eleito se recusando a participar de debates ou de entrevistas no segundo turno, ameaçando a imprensa que “ousa” questioná-lo. Foi deputado por 28 anos, tendo um desempenho medíocre baseado na defesa dos interesses da classe militar. Conquistou fama graças a participações polêmicas em programas de subcelebridades, onde saia falando merda e ofendendo pessoas com base em achismos preconceituosos. Uma pessoa completamente insignificante. Bolsonaro é mais ou menos como aquele tio lunático que quase todos têm na família, aquele que é extremamente burro e não sabe, que só fala merda baseado em nada e cuja solução para quase todos os problemas do planeta costumam incluir assassinatos e prisões. Basicamente um cara como o tio burro vai ser eleito presidente.
A principal discussão da semana que vem será de quem é a culpa pela vitória de Bolsonaro. Muitos falarão que a culpa é do PT, que seria o “responsável” pelo surgimento de Bolsonaro. Outros falarão que é de Ciro, que foi passear na Europa ao invés de ajudar Haddad. Whatsapp, mídia, twitter também estarão entre os responsáveis. Pouco se falará, porém, sobre aquela que deveria ser a constatação mais óbvia desta eleição. A culpa pela vitória de Bolsonaro terá sido de quem votou nele. E mais, Bolsonaro terá ganho porque a maioria do país é exatamente como ele. Racista, homofóbica, machista e guarda dentro de si a mais perigosa união que existe, a da ignorância com a arrogância.
Fomos incapazes de enxergar que somos uma sociedade formada em sua maioria por tios burros da família. Sou um homem branco, de classe média e privilegiado. Esta eleição é a prova de como fui cego para a sociedade que me ronda. Passei boa parte da eleição calmo, achando que era impossível que uma pessoa como Bolsonaro recebesse mais da metade dos votos. Em boa parte do tempo, inclusive, acreditava que Bolsonaro não fosse capaz nem de chegar ao segundo turno. Pensava eu que a galera estava dizendo que ia votar nele por estar puta, mas que, ao ser confrontada com as coisas que ele já disse, com suas propostas de genocídio contra minorias, suas falas contra homossexuais, sua visão sobre mulheres etc, suas intenções de voto iriam cair e o PSDB chegaria ao segundo turno. O que aconteceu foi exatamente o contrário. Bolsonaro apenas subiu com a aparição de vídeos em que ele diz que crianças homossexuais devem apanhar, que quilombolas pesam “arroubas”, que fraquejou ao ter uma filha mulher. Também cresceu quando seu vice disse que o Brasil havia herdado “a malandragem dos negros e a indolência dos índios”. Bolsonaro tirou a máscara de todas estas pessoas, que puderam graças a ele expor seus ódios e preconceitos sem nenhuma vegonha. Lembro-me que conversava com um amigo negro na época em que eu supervalorizava a decência da sociedade brasileira e ele me dizia que eu estava errado, que a sociedade era uma merda e que Bolsonaro tinha chance. Ele estava certo. Ele sente na pele o que esta sociedade de merda é capaz de fazer.
A vitória de Bolsonaro não tem nada a ver com o que chamam de sentimento antipetista. O candidato já deixou bem claro que vai repetir todos os erros cometidos durante a era petista. Recebeu caixa dois, apoiou corruptos e já está partilhando ministérios entre os bandidos de sempre. O que as pessoas que votam em Bolsonaro odeiam no PT não são os erros, e sim os acertos da era petista. Odeiam o Bolsa Família, o desenvolvimento do Nordeste, as cotas racias, a inclusão de homossexuais. Odeiam qualquer tipo de avanço. Querem que o Brasil, como diz seu candidato, volte 50 anos no tempo. Uma época em que o Brasil era mais pobre, mais desigual, menos inclusivo e praticava tortura.
O típico eleitor de Bolsonaro é completamente incapaz de defender seu candidato com base em algum tipo de dado. A “defesa” é sempre feita com base em ataques, mentiras, deboches e, principalmente, aquilo que chamo de “vitimismo dos privilegiados”. São pessoas que têm as melhores condições de vida possível, mas reclamam porque continuam achando a vida uma bosta. Como acham a própria vida uma bosta, incomodam-se muito com o fato de que a dos outros não esteja tão bosta e sonham com o dia em que todos se sentirem tão bostas. Por isso ficam tão felizes quando imaginam a vida de outros piorando na gestão Bolsonaro. "Ele “vai acabar com as mamatas”, diz o publicitário paulistano que mora em Miami e só vem ao Brasil para passar férias no final do ano.
É inacreditável o grau de concessões morais que estas pessoas se mostram dispostas a fazer, com um sorriso no rosto, para “se livrar do PT”. Ontem, por exemplo, Bolsonaro disse que vai expulsar ou prender aqueles que ousarem discordar do seu governo. Dentre estas pessoas que ele vai expulsar ou prender, queridos conhecidos que vão votar no coiso, não está apenas a Gleisi, o Lindbergh ou a grande tara de vocês, o Lula. Estão pessoas como aquele seu amigo esquerdista do facebook, que você acha chato e que tá viajando, aquele amigo gay, do qual você diz ser amigo, mas que não se importa com o fato de que ele pode ser agredido nas ruas em função do discurso do seu candidato. Estou eu.
Vivemos numa sociedade que se mostra intolerante. Que aprova tortura. Que aprova homofobia. Que aprova machismo. Que aprova o racismo. Uma sociedade que quer massacrar minorias. Assim como seu tio burro. Houve uma época em que eu achava as merdas que o meu tio burro falava engraçadinhas e inconsequentes. Não eram. Nunca foram. Eu era alienado. Nós éramos alienados. Fomos extremamente condescendentes com os absurdos e preconceitos de pessoas que amamos. Como o tio burro. O tio burro que não se importa com a vida de ninguém. Só com a dele. O tio burro está muito próximo de triunfar. A principal "proposta" de Bolsonaro para educação é o Escola sem Partidos, projeto que pretende praticamente extinguir o ensino de ciências humanas na escola. O tio burro gosta deste projeto, assim seus sobrinhos ficarão mais parecidos com ele. Esta eleição nada mais é do que isto, o triunfo do tio burro.

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