Quando eu era criança, meu quadro
de TV favorito era a Porta dos Desesperados no programa do Sérgio Mallandro.
Neste quadro, uma criança tinha que escolher entre três portas, uma repleta de
brinquedos, uma com uma bicicleta e outra com um ator vestido de monstro que
saia correndo se a porta fosse aberta. A grande estrela do quadro era Mallandro
que, alucinado, tentava fazer a criança mudar de porta. Ele berrava, chorava,
rolava no chão, tudo pra fazer a criança mudar de porta. Se a criança mudasse
de porta, em seguida ele começava a berrar, chorar, rolar no chão, mas desta
vez para fazer a criança voltar à porta que havia escolhido. A Porta dos
Desesperados é uma boa metáfora para o que aconteceu no Brasil nos últimos
anos. Uma pessoa histérica e alucinada berrando na orelha de uma pessoa e ela
escolhendo no final a porta com o monstro.
Ao pensar neste texto, resolvi
procurar no Youtube um vídeo da Porta dos Desesperados. Uma coisa que me
surpreendeu nesta busca é que eu realmente não me lembrava de que o Sérgio
Mallandro era um ator tão ruim. Ele já havia sacado, porém, qual era a
principal arma para enganar, manipular e entreter uma pessoa, a histeria. A
televisão nos anos 90 nos acostumou a algumas coisas. A ideia de glorificação
da violência vem de lá, por exemplo. Mas uma pouco comentada é a forma como ela
nos acostumou à histeria. Diversos atores e atrizes, muitas vezes
profissionais, utilizam das armas da histeria para esconder o fato de que são péssimos
atores e atrizes. O exemplo mais gritante disto, a meu ver, é Adriana Esteves.
Ela ganhou fama e prestígio graças a pior interpretação da história da
teledramaturgia mundial (ok, é exagero), que foi o papel de Carminha. Faça uma
careta bem caricata, jogue os braços para o alto, grite, descabele-se. É isto
que ela faz em basicamente todos os papéis que têm, sempre sendo premiada por
isto. Uma eterna Carminha.
Atores não profissionais também
utilizaram a histeria na arte de enganar. Todo programa sensacionalista da TV
tem um apresentador histérico, que berra e bate na mesa. O povo gosta disto e
identifica esta característica como sendo algo real. A histeria foi tratada
como qualidade. São pessoas que dizem aquilo que “poucos têm a coragem de dizer”,
mas que no fundo quase todo mundo diz. A histeria permite que este apresentador
repita o senso comum como se aquilo fosse um ato libertador. Este tipo de
programa sempre tem o histérico como estrela e ao seu lado um “especialista”
calmo, normalmente um advogado canastrão que trabalha como figurante de um
grande espetáculo circense.
A televisão nos acostumou e
popularizou a ideia da pessoa chiliquenta e berrando, baseando suas opiniões em
sensos comuns vazios e recusando qualquer tipo de reflexão. Jair Bolsonaro
surge como um personagem perfeito para o tipo de papel que a televisão sempre
vangloriou. O presidente levou à política o apresentador de TV sensacionalista.
Bolsonaro não é especialista em nenhum assunto, sendo incapaz de falar sobre
mais de um minuto sobre qualquer assunto. Suas opiniões são baseadas em
achismos completamente descolados de qualquer estudo ou análise, resumindo-se a
“ideias” fracas que geram bordões. Seus 28 anos de mandatos insignificantes
como deputado federal foram premiados com inúmeras participações em programas
popularescos em que ele era convidado a dar sua opinião “polêmica” sobre todos os
assuntos possíveis.
Se Bolsonaro representou bem o
papel histérico do apresentador de televisão sensacionalista, Sérgio Moro
assumiu com esperteza o papel de auxiliar advogado canastrão. Assistindo a
sessão de Moro no Senado na última quarta-feira, impressionou-me a forma como o
ministro é mal preparado para mentir. Se Bolsonaro lembra Adriana Esteves
interpretando a Carminha, Sérgio Moro lembra o Cigano Igor. Moro normalmente
muda o tom de voz, começa a piscar mais rápido e gagueja quando está mentido.
Dificilmente consegue olhar nos olhos do seu interlocutor quando vai inventar
algo. Lembro-me dele no programa de Pedro Bial, quando o apresentador perguntou
se ele gostava de ler. O ministro disse que sim, que gostava de biografias, e o
apresentador perguntou qual a última que ele tinha lido. Moro olhou pro lado,
piscou quinhentas vezes e disse gaguejando que não lembrava.
Na mesma resposta Moro disse, em
sequência, que seu celular havia sido hackeado, que não usava Telegram, que as
mensagens eram falsas e que não havia nada demais no que havia sido exposto.
Sempre piscando e olhando para o horizonte. Suas respostas na sessão eram
baseadas em quatro ou cinco bordões que havia decorado e que respondia
independente da relação que havia entre
a questão e a resposta. Um deputado aproveitou a sessão para perguntar sobre a
situação nas prisões em Amazonas e Moro disse que era vítima de uma mídia
sensacionalista. Disse isso um dia depois de ir ao Ratinho, aliás. Lembrou-me
muito o Dr. Farah, do antigo programa do SBT e que em um dado momento chamou
Ratinho de Sr. Rato.
Não espaço para reflexão e
pensamento no campo da histeria. Há somente o estímulo aos são instintos, neste
caso quase sempre a raiva e o ódio. Toda a carreira de Bolsonaro e de seu
assistente de palco Sérgio Moro são baseadas nisto. Foi muito fácil para a
grande mídia nacional incorporá-los. Eles se adequaram perfeitamente à dinâmica da narrativa política adotada a partir de 2013. Foi fácil para o público histérico aceitar o enredo tosco que construíram. É muito difícil escapar da narrativa que
ela ajudou a criar sobre o ministro. Lembro-me quando ele se tornou ministro da
Justiça e da Segurança Pública e foi apresentado por toda a mídia como um
especialista sobre o assunto. Procurei para tentar achar alguma contribuição de
Moro na área acadêmica sobre os temas. Não encontrei nenhum. A mídia vendeu
Moro do mesmo jeito que Ratinho vendia o canastrão Dr. Farah. Nesta semana,
Moro dá indícios de que vai colocar a PF para perseguir o órgão de mídia que
está divulgando suas mensagens. A maior parte da grande mídia apoia o ministro,
tentando desta forma recuperar o monopólio da informação. Todo mundo sabe desde
sempre que o julgamento de Lula foi fajuto. Mas o show tem que continuar. O
Brasil é vítima de uma grande pegadinha do Mallandro. E ela só tem graça
enquanto aqueles que são as vítimas sigam sem perceber. O monstro saiu da casinha. Glu glu ié ié.
Histeria é um termo grego. Vem de hístero (útero). O estudo de mulheres ditas histéricas gerou a psicanálise freudiana. Ela tem sintomas físicos e não abrange só mulheres. Falta de ar, desequílibrio emocional são alguns. Não gosto da banalização de termos. Usar o termo histérico para pessoas que falam alto e gesticulam muito é o mesmo que adjetivar algo incomum como surreal. A banalização das palavras. O esvaziamento de seus significados. A histeria é um assunto absolutamente fascinante no meu entender. Mais do que um comportamento "maluco" de um apresentador de televisão medíocre. Mas entendo o teor da sua argumentação. Gosto da origem das palavras e seu significado original.
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