quinta-feira, 19 de julho de 2018

O Dr. Bumbum e a ditadura da beleza



A bancária Lilian Calixto saiu de Cuiabá no dia 18/7 para realizar um procedimento estético no Rio de Janeiro. Aplicaria um implante nos glúteos com o médico Denis Furtado, que era conhecido no meio como “Dr. Bumbum”. O valor do procedimento seria de R$ 20 mil e ocorreu na casa do médico. Em decorrência de complicações decorrentes da cirurgia, Lilian morreria no domingo.
O Brasil realizou em 2017, segundo dados da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética, um milhão e duzentas mil cirurgias estéticas. É o segundo país no mundo em que mais são realizados estes tipos de procedimentos, atrás apenas dos EUA. Segundo esta mesma instituição, mulheres representam 86% destas cirurgias. Os dois procedimentos mais comuns são lipoaspiração e implantação de silicone nos seios.
A principal característica do sistema em que vivemos é que ele precisa sempre nos manter de alguma forma infelizes. A principal arma da propaganda é mostrar como seríamos mais felizes se comprássemos aquilo que está sendo vendido. E nada vende mais do que a beleza. Ligamos a TV diariamente e somos bombardeados por pessoas lindas demonstrando felicidade. Desde cedo somos doutrinados a buscar o tão padrão de beleza e isto é multiplicado por infinito no caso feminino. Quando criança, as bonecas são quase sempre loiras e magras. As apresentadoras infantis são quase todas loiras e magras. Passando para a adolescência, programas com atrizes quase sempre loiras e magras disputando o galã e vendendo um estilo de vida consumista nos preenchem. Na vida adulta, apresentadoras de TV quase sempre loiras e magras nos confundem com fofocas sobre celebridades loiras e magras e publicidade de produtos de beleza entre uma notícia sobre crise econômica e outra. As revistas femininas quase sempre trazem em suas capas mulheres magras e loiras, em títulos como “Boa Forma” ou “Saúde”. Passamos a vida sendo bombardeados pela ditadura da beleza e tendo uma vida de merda graças aos padrões impostos por ela. Somos vítimas, mas ao mesmo tempo opressores, uma vez que também utilizamos estes padrões para julgar.
A infelicidade com o próprio corpo é uma das maiores formas de opressão social. Enquanto procurava matérias sobre o assunto para tentar escrever este texto, a que mais me assustou foi a conclusão de uma matéria do Estado de São Paulo sobre o assunto em dezembro de 2016: “As mulheres e homens podem começar o ano de 2017 mais bonitos e confiantes, pois quando se está bem exteriormente e interiormente, de corpo e alma, as coisas boas começam a surgir”. Todo oprimido é facilmente manipulado e a indústria lucra com isto. A sociedade é incentivada a tratar o assunto da forma o mais superficial possível. Quase todas as matérias que falam sobre a segunda colocação do Brasil no ranking de cirurgias plásticas no mundo as fazem tratando o assunto com orgulho.
Este dado é sinônimo de um grave problema social. Não nos aceitamos como somos. Cada vez mais pessoas, especialmente mulheres, são empurradas para mesas de cirurgia em nome de um padrão de beleza que não temos. Arriscam suas vidas (porque toda cirurgia tem um risco afinal) para se sentir mais aceitas por uma sociedade que não busca aceitar ninguém, que julga basicamente por posses e aparências.
O Brasil não sabe reconhecer e tratar suas doenças. A mídia não faz o seu papel. Ao invés de usar esta tragédia para debater nossa sociedade e abordar o que leva tantas mulheres a buscar o bisturi por razões estéticas, trata o caso com sensacionalismo. As bases para a busca de uma melhoria deste problema seriam o questionamento dos valores de uma sociedade consumista e a aposta em maior diversidade na representação das pessoas por parte da mídia. Mas ninguém parece interessado nisso. Beleza e infelicidade vendem. Fazem a economia girar. Numa sociedade dominada por este tipo de pensamento, casos como estes se repetirão. Dr. Bumbum será preso. E caso ele tenha agido de má fé neste caso, espero que continue preso. Mas a sociedade continuará sendo oprimida pelo assunto. Quem sabe não veremos ainda nesta década alguma matéria comemorando que o Brasil assumiu a primeira colocação neste triste ranking? 

2 comentários:

  1. Ver um homem refletindo e dissertando sobre o assunto é bem refreshing porque eu não vejo isso acontecendo muito? E tem um TED Talk (the sexy lie) que diz que homens podem inclusive ajudar a combater a ditadura da beleza parando de julgar as mulheres pela aparência :))

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    1. Oi Melissa. Vou procurar este TED Talk. Eu acho que nós homens somos a parte principal deste problema na verdade. A questão da ditadura da beleza passa muito pela forma como a sociedade machista trata a mulher como objeto.

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