segunda-feira, 30 de julho de 2018

Neymar e a publicidade



O desenvolvimento do esporte está historicamente relacionado ao desenvolvimento da publicidade. O primeiro grande boom do esporte como algo maior do que uma simples competição entre times ou pessoas se deu nos anos 1930, quando estados totalitários europeus começaram a utilizá-lo como instrumento de propaganda. Após a guerra, os vencedores americanos e soviéticos continuariam fazendo dele instrumento da mesma forma durante todo o século 20. O segundo boom do esporte viria nos anos 1950 e 1960, com o surgimento e popularização da televisão. Este novo aparelho revolucionou nosso estilo de vida e, principalmente, a publicidade. Esta encontrou na televisão um instrumento gigantesco para chegar a um número inimaginável de pessoas, criando novas necessidades de consumo. Para vender mais, seria necessário criar figuras populares capazes de convencer consumidores de que eram incríveis o suficiente para que desejássemos utilizar os mesmos produtos que eles. Encontrou estas figuras principalmente no esporte e na arte pop. Não à toa a música, por exemplo, passou por grandes transformações a partir deste momento também.
A partir disso, não havia mais espaço para amadorismo no esporte. O tênis, esporte tradicional por excelência, foi o último a se adequar ao profissionalismo, em 1968. Nos anos 1970 e 1980, com o desenvolvimento da publicidade infantil, a ligação entre esporte e publicidade ganhou outros patamares. Foi mais ou menos a partir daí que entrou em ação a grande parceira da publicidade, a mídia. Era fundamental que o atleta fosse visto não apenas como alguém que era muito bom numa atividade banal e inútil, mas num “gênio”. Michael Jordan não era apenas um cara muito bom em acertar uma bola redonda dentro de um círculo, era um “gênio”. Ayrton Senna não era apenas alguém muito bom em correr rápido de carro, era um “gênio”. Desta forma, quando consumíamos algo que figuras como estas anunciavam não estávamos comprando algo normal, mas sim o produto usado por um “gênio”. O desodorante do “gênio”, a pasta de dente do “gênio”, a roupa do “gênio” etc. Mais do que isto, ligue sua TV em sei lá qual horário e veja o “gênio” em ação.
Foi neste período também que começou a surgir a mídia especializada. Gente que fazia faculdade e dedicava a vida a basicamente falar sobre pessoas praticando esporte. Gente que passou a se dedicar exclusivamente a analisar pessoas correndo atrás de uma bola, por exemplo. Pessoas na mídia que ganham a vida falando banalidades sobre falsos gênios, que no intervalo aparecem vendendo produtos que ajudam a pagar os salários dos especialistas das banalidades.
A banalidade hoje rende bilhões. Canais de TV, debates, gênios e principalmente publicidade. Temos gênios atrás de gênios. Mais do que isto, popularizou-se a expressão “melhor da história”. Messi, Cristiano Ronaldo, Roger Federer, Usain Bolt, Michael Phelps. Todos os “melhores da história” enquanto continuam vendendo. Em 20 anos teremos outros no lugar. No intervalo de um acalorado debate entre quem é o melhor da história, Messi ou Cristiano, apareceu uma propaganda de Cristiano se barbeando e de Messi comendo salgadinho.
A situação é tão inusitada que não há dúvidas de que os personagens tratados como gênios são incapazes hoje de se enxergarem de forma diferente. Li uma vez uma entrevista de Roger Federer em que ele dizia que se considerava um gênio. O suíço não se vê como alguém que é simplesmente muito bom em uma atividade bocó de dar raquetadas em bolinhas amarelas, ele realmente se acha um gênio. É o caso de Neymar.
Neymar é tratado como gênio desde que tem doze anos de idade. Não tenho dúvidas de que ele acredita que é um. Dificilmente ouve um não ou é convencido a fazer algo que não quer. A publicidade aprendeu a rentabilizar tudo. Até os fracassos. A Nextell teve uma boa repercussão ao trazer pessoas que tinham superado problemas pessoais. Por algum motivo achou que dava para aliar isto a um celular. A Gilette tentou fazer isto com Neymar também. Aparentemente não deu certo. O publicitário que teve a "brilhante" ideia de ligar a queda momentânea de Neymar ao ato de se barbear deve estar sofrendo.
As redes sociais estão representando um novo boom no esporte. E mudando a forma como atletas “geniais” e grande mídia se relacionam. A mídia tradicional está perdendo espaço para as redes sociais. A publicidade precisa cada vez menos dela para usar o seu atleta para vender. O “gênio” consegue ter um contato direto com os seus fãs sem precisar passar pelo jornalista especialista ou pelos apresentadores de TV dos programas de domingo. E a mídia tradicional está surtando por isso. O principal motivo para a má vontade com Neymar por parte desta mídia, a meu ver, é esta.
Neymar não deu nenhuma entrevista desde o fracasso na Copa. Falou apenas em suas redes sociais e na propaganda remunerada da Gilette. Certa vez vi um jornalista na TV dizendo que Neymar “tinha” que se declarar sobre a derrota para a Bélgica. Neymar não tem que nada. A declaração de Neymar para a propaganda é falsa? Tudo é. Se ela fosse dada no programa do Faustão ou no Luciano Huck, seria tão falsa quanto. E seria porque, não só ele, mas o mundo gira hoje em dia basicamente em torno da publicidade, que não faz nada diferente do que vender mentiras. Ações de filantropia, por exemplo, hoje se dedicam mais a promover a figura do doador do que a ideia de caridade. Neymar disse que ninguém sabe como é difícil esta no papel dele. Não duvido. Todos têm problemas e dificuldades. O ser humano é um ser egoísta, sempre acreditamos que nossos problemas são os piores, uma vez que são os únicos que sentimos na pele. Acho Neymar uma pessoa completamente vazia. Opinião pessoal. Isto é fruto do fato de que ele é tratado como gênio desde os doze anos por ser bom numa atividade que por si só é inútil. Uma pessoa que se acostumou a não ter opinião, porque isto pode atrapalhar as vendas. Mas a mídia precisa dele. Bajulava-o antes da Copa e voltará a bajular quando precisar dele para vender algo. Por enquanto está bravinha. Mas já já passa.

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