quinta-feira, 13 de setembro de 2018

A beleza de uma partida de futebol horrorosa



Flamengo e Corinthians empataram ontem por 0 a 0 no Maracanã pela primeira partida da semifinal da Copa do Brasil. Foi possivelmente o pior jogo de todos os tempos. Não digo que foi o pior evento esportivo de todos os tempos porque de vez em quando ainda assisto a corridas de Fórmula 1. Num exercício matinal de masoquismo em alguns domingos, fico vendo jovens milionários dando voltas em circuitos desinteressantes em veículos feios, única e exclusivamente porque isto me traz uma nostalgia gostosa da infância, de fazer isto quando criança estando junto do meu pai. Sobre Flamengo e Corinthians, foi horroroso e de uma beleza que apenas quem enxerga no futebol uma metáfora da vida foi capaz de compreender.
Assim como a vida, um jogo de futebol é um grande tédio, marcado por pouquíssimos momentos de emoção em que algo efetivamente acontece. Não importa o quanto uma partida seja boa, ela sempre poderá ser resumida em um compacto de três minutos. Isto quando o jogo é bom. Este Flamengo e Corinthians acho que dá pra reduzir em, sei lá, uns quarenta segundos. Do mesmo jeito que não importa o quão agitada tenha sido uma vida, sempre podemos reduzir 70 anos de experiência num livro de 600 páginas, isto no caso de uma vida realmente agitada.
No futebol, assim como na vida, ficamos um grande tempo parados esperando algo acontecer para que saiamos da mesmice. Este algo, quase sempre, é fruto de mero acaso. Por mais que especialistas, que entendem muito mais do assunto do que eu, fiquem falando na TV sobre esquemas táticos, desenhando aqueles quadrados imaginários no gramado, não consigo tirar da cabeça a impressão de que a maioria dos gols é fruto de puro acaso. É jogar a bola na área e ver o que acontece. É esperar o que o adversário erre e que o jogador do seu time fique de frente para o goleiro. É esperar um frango. Claro que há o componente treino e talento. Mas a maior parte dos gols é fruto de puro acaso, de sorte ou azar.
Poucas coisas são mais legais a meu ver do que assistir um jogo de futebol entre amigos e um deles ir ao banheiro no momento que sai um gol. O desespero desta pessoa saindo do toalete querendo saber o que aconteceu é hilário. Aquele sentimento de “fiquei uma hora assistindo esta bosta e bem quando eu saio acontece algo”. Eu muito raramente vou ao banheiro em jogos do meu time. Tenho sempre a expectativa, muito raramente atendida, de que algo pode acontecer neste exato momento em que eu estiver fora. Então lá fico eu, apertado e assistindo o grande nada.
Assim como na vida, os momentos em que o jogo de futebol sai do tédio são raros e exatamente por isso ficam marcados. Lembro-me exatamente do que estava fazendo em quase todos os gols importantes que o Palmeiras fez e levou desde 1992. Lembro-me de correr pela casa com o Marcos pegando o pênalti do Marcelinho e do silêncio que tomou conta do meu corpo enquanto um amigo corintiano berrava no meu ouvido depois da final do Paulista deste ano.
A principal lição que o futebol brasileiro nos dá é que, não importa o quão grande e “vencedor” seja o seu time, quase sempre o final será uma derrota. No campeonato brasileiro, um ganha e os outros dezenove perdem, por mais que, é claro, existam diferentes graus de derrotas. As vitórias virão bem de vez em quando e as aproveite ao máximo. Nas frequentes derrotas, aceite a zombaria e recomece. Não há nada diferente disto que possa ser feito. Uma graça do futebol brasileiro é o grande sobe-e-desce dos times. O Palmeiras estava na série B em 2013 e foi campeão brasileiro três anos depois. O Corinthians disputou a série B em 2008 e conquistava o mundo apenas quatro anos depois. Do inferno ao céu em um ciclo eleitoral, tudo isto movido a uma sucessão de tédios que duram 90 minutos.
Estou numa fase da vida em que acho que a verdadeira emoção vem do acaso. As melhores e as piores. O encontro inesperado e aquelas peças inexplicáveis que o destino impõe. Bola na área. Seja a favor ou contra o seu time. Isto que talvez tenha tornado a partida horrorosa entre Flamengo e Corinthians uma experiência tão prazerosa.
Na outra partida da rodada, o meu time Palmeiras era roubado em casa pelo Cruzeiro e perdia de 1 a 0. Os tediosos 90 minutos desta partida foram marcados por este erro da autoridade suprema. Reclamações, choros e xingamentos. Mas não há nada a ser feito. Quer algo mais simbólico da vida do que isto? A vida exige certo conformismo afinal. Levanta e tenta novamente, não há nada que corrija o passado.
Assistir a uma partida de futebol num estádio é uma experiência quase divina. Somos oniscientes e onipresentes. Só não somos onipotentes e por isso xingamos aqueles “desgraçados” que não passam a bola na hora certa ou que não conseguem acertar a esfera naquele retângulo enorme. É um grande sofrimento num evento tedioso, marcado por emoções em que a vitória significa quase sempre alivio e a derrota raiva. Quase como um dia de trabalho.
Em duas semanas, Corinthians, Flamengo, Palmeiras e Cruzeiro voltam a campo para as partidas de volta das semifinais. Estejamos preparados para mais 90 minutos de quase puro tédio, com explosões de alegria, tristeza, alívio, dor, felicidade e raiva de poucos segundos. Estejamos também preparados para mais duas semanas de quase puro tédio, com explosões de alegria, tristeza, alívio, dor, felicidade e raiva de poucos segundos.  Aprenda a lidar com o tédio. A vida é bela. O futebol também é. Não supervalorize as vitórias ou as derrotas. Não humilhe o derrotado nem se humilhe na frente do vencedor. Apenas aprenda e aproveite as experiências. Vitórias e derrotas são apenas momentos de um grande tédio.

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