Flamengo e Corinthians empataram
ontem por 0 a 0 no Maracanã pela primeira partida da semifinal da Copa do
Brasil. Foi possivelmente o pior jogo de todos os tempos. Não digo que foi o
pior evento esportivo de todos os tempos porque de vez em quando ainda assisto
a corridas de Fórmula 1. Num exercício matinal de masoquismo em alguns
domingos, fico vendo jovens milionários dando voltas em circuitos
desinteressantes em veículos feios, única e exclusivamente porque isto me traz
uma nostalgia gostosa da infância, de fazer isto quando criança estando junto
do meu pai. Sobre Flamengo e Corinthians, foi horroroso e de uma beleza que
apenas quem enxerga no futebol uma metáfora da vida foi capaz de compreender.
Assim como a vida, um jogo de
futebol é um grande tédio, marcado por pouquíssimos momentos de emoção em que
algo efetivamente acontece. Não importa o quanto uma partida seja boa, ela
sempre poderá ser resumida em um compacto de três minutos. Isto quando o jogo é
bom. Este Flamengo e Corinthians acho que dá pra reduzir em, sei lá, uns
quarenta segundos. Do mesmo jeito que não importa o quão agitada tenha sido uma
vida, sempre podemos reduzir 70 anos de experiência num livro de 600 páginas,
isto no caso de uma vida realmente agitada.
No futebol, assim como na vida,
ficamos um grande tempo parados esperando algo acontecer para que saiamos da
mesmice. Este algo, quase sempre, é fruto de mero acaso. Por mais que
especialistas, que entendem muito mais do assunto do que eu, fiquem falando na
TV sobre esquemas táticos, desenhando aqueles quadrados imaginários no gramado,
não consigo tirar da cabeça a impressão de que a maioria dos gols é fruto de
puro acaso. É jogar a bola na área e ver o que acontece. É esperar o que o
adversário erre e que o jogador do seu time fique de frente para o goleiro. É esperar
um frango. Claro que há o componente treino e talento. Mas a maior parte dos
gols é fruto de puro acaso, de sorte ou azar.
Poucas coisas são mais legais a
meu ver do que assistir um jogo de futebol entre amigos e um deles ir ao
banheiro no momento que sai um gol. O desespero desta pessoa saindo do toalete
querendo saber o que aconteceu é hilário. Aquele sentimento de “fiquei uma hora
assistindo esta bosta e bem quando eu saio acontece algo”. Eu muito raramente
vou ao banheiro em jogos do meu time. Tenho sempre a expectativa, muito
raramente atendida, de que algo pode acontecer neste exato momento em que eu
estiver fora. Então lá fico eu, apertado e assistindo o grande nada.
Assim como na vida, os momentos
em que o jogo de futebol sai do tédio são raros e exatamente por isso ficam
marcados. Lembro-me exatamente do que estava fazendo em quase todos os gols importantes
que o Palmeiras fez e levou desde 1992. Lembro-me de correr pela casa com o Marcos
pegando o pênalti do Marcelinho e do silêncio que tomou conta do meu corpo
enquanto um amigo corintiano berrava no meu ouvido depois da final do Paulista
deste ano.
A principal lição que o futebol
brasileiro nos dá é que, não importa o quão grande e “vencedor” seja o seu
time, quase sempre o final será uma derrota. No campeonato brasileiro, um ganha
e os outros dezenove perdem, por mais que, é claro, existam diferentes graus de
derrotas. As vitórias virão bem de vez em quando e as aproveite ao máximo. Nas frequentes
derrotas, aceite a zombaria e recomece. Não há nada diferente disto que possa
ser feito. Uma graça do futebol brasileiro é o grande sobe-e-desce dos times. O
Palmeiras estava na série B em 2013 e foi campeão brasileiro três anos depois.
O Corinthians disputou a série B em 2008 e conquistava o mundo apenas quatro
anos depois. Do inferno ao céu em um ciclo eleitoral, tudo isto movido a uma
sucessão de tédios que duram 90 minutos.
Estou numa fase da vida em que
acho que a verdadeira emoção vem do acaso. As melhores e as piores. O encontro
inesperado e aquelas peças inexplicáveis que o destino impõe. Bola na área.
Seja a favor ou contra o seu time. Isto que talvez tenha tornado a partida horrorosa
entre Flamengo e Corinthians uma experiência tão prazerosa.
Na outra partida da rodada, o meu
time Palmeiras era roubado em casa pelo Cruzeiro e perdia de 1 a 0. Os tediosos
90 minutos desta partida foram marcados por este erro da autoridade suprema.
Reclamações, choros e xingamentos. Mas não há nada a ser feito. Quer algo mais
simbólico da vida do que isto? A vida exige certo conformismo afinal. Levanta e
tenta novamente, não há nada que corrija o passado.
Assistir a uma partida de futebol
num estádio é uma experiência quase divina. Somos oniscientes e onipresentes.
Só não somos onipotentes e por isso xingamos aqueles “desgraçados” que não
passam a bola na hora certa ou que não conseguem acertar a esfera naquele
retângulo enorme. É um grande sofrimento num evento tedioso, marcado por
emoções em que a vitória significa quase sempre alivio e a derrota raiva. Quase
como um dia de trabalho.
Em duas semanas, Corinthians,
Flamengo, Palmeiras e Cruzeiro voltam a campo para as partidas de volta das
semifinais. Estejamos preparados para mais 90 minutos de quase puro tédio, com
explosões de alegria, tristeza, alívio, dor, felicidade e raiva de poucos
segundos. Estejamos também preparados para mais duas semanas de quase puro
tédio, com explosões de alegria, tristeza, alívio, dor, felicidade e raiva de
poucos segundos. Aprenda a lidar com o
tédio. A vida é bela. O futebol também é. Não supervalorize as vitórias ou as
derrotas. Não humilhe o derrotado nem se humilhe na frente do vencedor. Apenas
aprenda e aproveite as experiências. Vitórias e derrotas são apenas momentos de
um grande tédio.
Nenhum comentário:
Postar um comentário