Um dos grandes símbolos da cidade
da São Paulo são as padarias com catraca. Não sei ao certo quando elas
começaram a existir. Lembro-me que na minha infância comprar um pão era uma
atividade mais simples. Eu simplesmente entrava numa padaria com entro na
maioria dos estabelecimentos comerciais, pedia alguns pães, alguém anotava o
valor num pedaço de papel, eu ia ao caixa, pagava e saia com os pães, simples
assim.
Não sou um profundo conhecedor da
situação das padarias em outras grandes cidades do Brasil. Não sei se em
lugares como Rio, BH ou Porto Alegre esta grande inovação paulistana já chegou,
mas aqui em SP é quase impossível achar uma padaria em que você não tenha que
passar por uma catraca ao entrar. Sei que parece bizarrice, e realmente é, mas
em SP o processo de entrada em uma padaria se dá da seguinte forma: Na entrada
tem uma catraca. Você aperta um botão e pisca uma luz verde, indicando que você
está perto de poder entrar na padaria. Junto com a luz verde sai uma comanda,
que é um pedaço acho que de plástico com um número e um código de barras.
Munido deste pedaço de plástico com um número e um código de barras, você já pode
finalmente entrar. Tudo que é consumido é marcado digitalmente neste comanda
(ó, como somos tecnológicos em SP). Depois de pagarmos, precisamos passar numa
nova catraca para sair. Uma luz vermelha está piscando e inserimos o pedaço de
plástico com um número e um código de barras num buraco e, caso você tenha
feito sua parte e pago o que consumiu, uma luz verde se acenderá, permitindo
que você deixe a padaria.
A sociedade paulistana ama catracas.
Talvez depois do Wifi, a catraca seja a grande paixão paulistana. Todo
aniversário de SP vejo reportagens de TV mostrando o quanto o paulistano gosta
de, sei lá, pizza, do Ibirapuera ou do Adoniran Barbosa. Bobagem. Wifi e
catraca são os verdadeiros amores desta cidade. Não importa onde o paulistano
vá, na maioria das vezes a primeira coisa que ele fará será ver se há sinal de
Wifi. No que se refere ao assunto catracas, as padarias atuaram verdadeiramente
na vanguarda ao enxergar esta “necessidade” em nossa sociedade. Não sei quem
foi o “visionário” dono de padaria que resolveu um belo dia colocar uma catraca
na entrada do seu estabelecimento. Foi provavelmente tido como louco. O futuro
veio mostrar que ele criou uma tendência.
Também sou ignorante no que se
refere à fabricação de catracas. Não sei se existe uma empresa que produz
catraca ou se elas produzem outras coisas além de catraca. Não sei se as
empresas que trabalham com biometria, também uma paixão paulistana, são as que
fabricam catracas. Vai ver o UOL além de conteúdo na internet e maquininhas de
cartão de débito e crédito também fabrica catracas, sei lá. Vai ver a Unilever
além de sorvete e sabão em pó produz também catracas, sei lá. Só sei que
produzir catracas em SP é sem dúvida o negócio do futuro. Como economista
(fajuto, eu sei), indico a todos que querem um investimento que dará lucro no
futuro a compra de ações de empresas que fabricam catracas. Vão render tanto ou
até mais do que as empresas de armas renderam com a eleição de Bolsonaro. Se
sua sede para ganhar dinheiro é tanta que você não se importa em comprar ações
de uma empresa que produz algo que servirá basicamente para matar pessoas no
novo regime que se inicia, também não terá vergonha de investir em catracas. Se
a ESPM quiser ganhar ainda mais dinheiro com MBAs fajutos destinados a formados
em administração de empresas, uma formação no negócio de catracas é um bom
negócio.
Por que padarias têm catraca,
afinal? A primeira resposta seria por alguma coisa ligada à segurança. Não
consigo, porém, entender o que exatamente a presença de uma catraca pode
impedir um assaltante de entrar na padaria. Basta que ele aperte o botão,
retire o pedaço de plástico com um número e um código de barras, assalte e
coloque o pedaço de plástico com um número e um código de barras de volta na
catraca para sair. Pensando no assunto, andei pelo centro de SP de padaria em
padaria e consegui achar uma que não tem catraca. Entrar nela foi como voltar
no tempo. Comanda num pedaço de papel e facilidade para entrar e sair. A
padaria estava vazia. Só tinha eu e uma mulher vendendo jogo do bicho nela.
Mesmo sendo tudo mais barato. Voltando para casa, entrei numa sempre cheia
padaria com catraca e cheguei a uma conclusão. A resposta a que cheguei para a
maluquice de padaria ter catraca é igualmente maluca. Paulistano acha catraca
chique.
A catraca de certa forma dá um
tipo de exclusividade ao lugar frequentado. Exclusividade é a chave para
entender o comportamento da sociedade paulistana. As pessoas gostam de sentir
que de alguma forma elas podem e alguém não entrar em um lugar. Outros negócios
estão adotando a brilhante tática das padarias. Quase todas as academias já têm
catracas, por exemplo. Supermercados já estão adotando a ideia. Mas muito ainda
há de ser feito para transformar SP numa grande catraca. Em algum momento
restaurante terão catracas, é fato.
Moro num prédio de gente metida a
descolada no centro de SP. Havia uma Igreja Renascer na galeria do prédio. Ela
está fechada há alguns anos. Um dia, curioso, perguntei o porquê a algum
segurança do prédio. Eles disseram que havia muita reclamação dos moradores
porque a Igreja distribuía comida e moradores de rua vinham ao prédio pegar as
doações. As soluções que a administração encontrou foi fechar a Igreja. Se não
desse certo apenas isto, iriam colocar catracas. SP é uma cidade triste. A capacidade
de solidariedade foi substituída por catracas. A hora de sair disto aqui está
chegando. Quando a cidade virar uma grande catraca, quero ficar do lado de
fora.
Justo o que eu procurava sobre catracas. Obrigada!
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