quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

As padarias com catraca



Um dos grandes símbolos da cidade da São Paulo são as padarias com catraca. Não sei ao certo quando elas começaram a existir. Lembro-me que na minha infância comprar um pão era uma atividade mais simples. Eu simplesmente entrava numa padaria com entro na maioria dos estabelecimentos comerciais, pedia alguns pães, alguém anotava o valor num pedaço de papel, eu ia ao caixa, pagava e saia com os pães, simples assim.
Não sou um profundo conhecedor da situação das padarias em outras grandes cidades do Brasil. Não sei se em lugares como Rio, BH ou Porto Alegre esta grande inovação paulistana já chegou, mas aqui em SP é quase impossível achar uma padaria em que você não tenha que passar por uma catraca ao entrar. Sei que parece bizarrice, e realmente é, mas em SP o processo de entrada em uma padaria se dá da seguinte forma: Na entrada tem uma catraca. Você aperta um botão e pisca uma luz verde, indicando que você está perto de poder entrar na padaria. Junto com a luz verde sai uma comanda, que é um pedaço acho que de plástico com um número e um código de barras. Munido deste pedaço de plástico com um número e um código de barras, você já pode finalmente entrar. Tudo que é consumido é marcado digitalmente neste comanda (ó, como somos tecnológicos em SP). Depois de pagarmos, precisamos passar numa nova catraca para sair. Uma luz vermelha está piscando e inserimos o pedaço de plástico com um número e um código de barras num buraco e, caso você tenha feito sua parte e pago o que consumiu, uma luz verde se acenderá, permitindo que você deixe a padaria.
A sociedade paulistana ama catracas. Talvez depois do Wifi, a catraca seja a grande paixão paulistana. Todo aniversário de SP vejo reportagens de TV mostrando o quanto o paulistano gosta de, sei lá, pizza, do Ibirapuera ou do Adoniran Barbosa. Bobagem. Wifi e catraca são os verdadeiros amores desta cidade. Não importa onde o paulistano vá, na maioria das vezes a primeira coisa que ele fará será ver se há sinal de Wifi. No que se refere ao assunto catracas, as padarias atuaram verdadeiramente na vanguarda ao enxergar esta “necessidade” em nossa sociedade. Não sei quem foi o “visionário” dono de padaria que resolveu um belo dia colocar uma catraca na entrada do seu estabelecimento. Foi provavelmente tido como louco. O futuro veio mostrar que ele criou uma tendência.
Também sou ignorante no que se refere à fabricação de catracas. Não sei se existe uma empresa que produz catraca ou se elas produzem outras coisas além de catraca. Não sei se as empresas que trabalham com biometria, também uma paixão paulistana, são as que fabricam catracas. Vai ver o UOL além de conteúdo na internet e maquininhas de cartão de débito e crédito também fabrica catracas, sei lá. Vai ver a Unilever além de sorvete e sabão em pó produz também catracas, sei lá. Só sei que produzir catracas em SP é sem dúvida o negócio do futuro. Como economista (fajuto, eu sei), indico a todos que querem um investimento que dará lucro no futuro a compra de ações de empresas que fabricam catracas. Vão render tanto ou até mais do que as empresas de armas renderam com a eleição de Bolsonaro. Se sua sede para ganhar dinheiro é tanta que você não se importa em comprar ações de uma empresa que produz algo que servirá basicamente para matar pessoas no novo regime que se inicia, também não terá vergonha de investir em catracas. Se a ESPM quiser ganhar ainda mais dinheiro com MBAs fajutos destinados a formados em administração de empresas, uma formação no negócio de catracas é um bom negócio.
Por que padarias têm catraca, afinal? A primeira resposta seria por alguma coisa ligada à segurança. Não consigo, porém, entender o que exatamente a presença de uma catraca pode impedir um assaltante de entrar na padaria. Basta que ele aperte o botão, retire o pedaço de plástico com um número e um código de barras, assalte e coloque o pedaço de plástico com um número e um código de barras de volta na catraca para sair. Pensando no assunto, andei pelo centro de SP de padaria em padaria e consegui achar uma que não tem catraca. Entrar nela foi como voltar no tempo. Comanda num pedaço de papel e facilidade para entrar e sair. A padaria estava vazia. Só tinha eu e uma mulher vendendo jogo do bicho nela. Mesmo sendo tudo mais barato. Voltando para casa, entrei numa sempre cheia padaria com catraca e cheguei a uma conclusão. A resposta a que cheguei para a maluquice de padaria ter catraca é igualmente maluca. Paulistano acha catraca chique.
A catraca de certa forma dá um tipo de exclusividade ao lugar frequentado. Exclusividade é a chave para entender o comportamento da sociedade paulistana. As pessoas gostam de sentir que de alguma forma elas podem e alguém não entrar em um lugar. Outros negócios estão adotando a brilhante tática das padarias. Quase todas as academias já têm catracas, por exemplo. Supermercados já estão adotando a ideia. Mas muito ainda há de ser feito para transformar SP numa grande catraca. Em algum momento restaurante terão catracas, é fato.
Moro num prédio de gente metida a descolada no centro de SP. Havia uma Igreja Renascer na galeria do prédio. Ela está fechada há alguns anos. Um dia, curioso, perguntei o porquê a algum segurança do prédio. Eles disseram que havia muita reclamação dos moradores porque a Igreja distribuía comida e moradores de rua vinham ao prédio pegar as doações. As soluções que a administração encontrou foi fechar a Igreja. Se não desse certo apenas isto, iriam colocar catracas. SP é uma cidade triste. A capacidade de solidariedade foi substituída por catracas. A hora de sair disto aqui está chegando. Quando a cidade virar uma grande catraca, quero ficar do lado de fora. 

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