sexta-feira, 10 de maio de 2019

A Fórmula 1 e os autódromos como símbolos de uma sociedade pirada




Eu perdi o emprego no cada vez mais longínquo ano de 2017. Com muito tempo livre, senti que era hora de colocar em prática o que estava aprendendo no curso de pós-graduação de Ciências Políticas que fazia na época. Resolvi que era hora de participar das sessões abertas de debate da Câmara dos Vereadores de São Paulo e o tema da primeira sessão marcada era a privatização do Autódromo de Interlagos. Sou uma pessoa que não tem opinião formada sobre o assunto privatização. O motivo é simples, para mim se trata de um assunto que não existe. Não faz sentido uma pessoa se dizer a favor ou contra privatizações sem que ela saiba o quê estão querendo privatizar. O impacto social da privatização do Parque do Ibirapuera é totalmente diferente do impacto social da privatização do Sambódromo, por exemplo. A grande farsa do debate geral é que ele cria a ideia de que alguém deve ser a favor da privatização de tudo ou contra privatizar tudo, esvaziando o debate.
Disposto a contribuir e com tempo, estudei um pouco o assunto para a sessão. Descobri, por exemplo, que em 2017, dos vinte autódromos que recebiam corridas da Fórmula 1, dezessete eram públicos. As exceções eram o autódromo dos EUA, que pertence a um milionário do petróleo texano, o autódromo de Suzuka, que pertence a Honda, e mais um que não me lembro. A Fórmula 1, devido aos gigantescos custos que exige, tornou-se basicamente uma categoria “estatal”. É por isso que cada vez mais surgem na categoria corridas em países sem tradição no esporte que usam o evento para divulgar o local, quase como um projeto estatal. Bahrein, Turquia, Rússia, Malásia, Azerbaijão, Emirados Árabes, entre outros. Uma semana antes da sessão, o então prefeito João Doria foi a Abu Dhabi para divulgar seus projetos de privatização na cidade e foi passear no autódromo da cidade, que, segundo ele, era o grande modelo a ser seguido na privatização de Interlagos. Estudando o assunto, fiquei surpreso ao descobrir que o autódromo de Abu Dhabi é 100% público e dá um prejuízo gigantesco para o país. O motivo é simples, ele não foi feito para ter lucro, trata-se de um meio para gerar publicidade. Doria, portanto, quis usar como exemplo um autódromo que representa o oposto daquilo que ele dizia querer. Digo dizia porquê no fundo ele não queria nada. O único objetivo de Doria na prefeitura era autopromoção que o levasse a cargos mais altos, e ele foi bem-sucedido em seu projeto pessoal.
Sou contra a privatização de Interlagos, mas também sou contra a manutenção do autódromo como ele é hoje. Acho que faria muito mais sentido socialmente transformar aquela região em parque aberto ao público. Apenas minha opinião pessoal e que pode e deve ser debatida. Interlagos, sem a Fórmula 1, tem resultado financeiro positivo, basicamente com o aluguel do local para milionários que querem brincar de corrida aos fins de semana ou com eventos como o Lollapalooza. O que dá prejuízo ao autódromo é exatamente a Fórmula 1. Segundo especialistas, porém, o prejuízo gerado ao autódromo pela Fórmula 1 é mais do que bancado pelo lucro que o evento gera ao setor de turismo da cidade. A corrida é o maior evento turístico da cidade no que se refere a dinheiro gasto (perde para a Parada Gay em número absoluto de turistas). O verdadeiro debate sobre este assunto deveria ser se a cidade está disposta a bancar esta espécie de subsídio ao setor de turismo da cidade, o que acho um debate válido, aliás.
Pois bem, chegando preparado à sessão, sentei-me e esperei. Com uma hora e meia de atraso, chegou o vereador Milton Leite, presidente da Casa e escolhido por Doria para defender o projeto no debate. Se colocarmos a quantidade de asneiras sobre o assunto que Milton Leite disse naquele dia num papel, teríamos um livro maior do que Guerra e Paz. O vereador não se deu ao trabalho de estudar por cinco minutos o assunto. Disse, entre outras coisas, que se o autódromo não fosse privatizado a cidade perderia a Fórmula 1 e que TODAS, repito, TODAS as corridas atualmente acontecem em circuitos privados. Pura e simples mentira. Disse também que a própria Fórmula 1 estava investindo e se mostrava interessada em comprar o autódromo. A Fórmula 1, porém, nunca demonstrou nenhum interesse em adquirir nenhum autódromo no mundo. Por último, respondendo a uma pergunta minha, Milton Leite que o principal atrativo para o possível comprador de Interlagos era a construção de um hotel dentro do circuito. Qual a chance, diga-me leitor e leitora, de alguém vir pra São Paulo e se hospedar no meio do autódromo de Interlagos?
Dois anos depois, sem estardalhaço, o processo de privatização do autódromo foi suspenso. O motivo é simples, ninguém se interessou em comprar. A “brilhante” ideia de construir um hotel no meio do autódromo não atraiu procura. Não apenas este, mas por enquanto quase nenhum dos projetos de privatização alardeados por Doria em sua campanha saiu do papel. Fruto em parte da incapacidade de Doria em fazer qualquer coisa, em outra parte do fato de que ele e sua turma se esqueceram de procurar saber se alguém queria comprar o que ele queria vender. Doria foi passear na China, nos Emirados Árabes, fez um tour no mundo e nada. Durante a campanha para prefeito, o ápice da maluquice de Doria neste assunto foi sem dúvida a “ideia” de privatizar as ciclovias da cidade. Seria uma coisa inédita no planeta privatizar uma faixa das ruas da cidade. Também não achou quem comprasse, possivelmente.
Na mesma semana em que a privatização do autódromo de Interlagos foi suspensa, o presidente Jair Bolsonaro e o governador do Rio, Wilson Witzel, conseguiram superar Doria quando o assunto é ideia esdrúxula. Antes de falar sobre a questão do autódromo do Rio, é importante notar que há vários conflitos se desenhando dentro da extrema-direita brasileira. Hoje ela é liderada por Bolsonaro, o maluco-mor, mas há várias guerrinhas sendo armadas dentro desta turma. Uma delas é entre Witzel e Doria, ambos dispostos a tentar substituir o maluco-mor na presidência algum dia. É isto que explica, por exemplo, a exposição psicopática que Witzel e Doria estão realizando das mortes relacionadas a ações policiais nos dois estados. Eles estão numa corrida para ver quem mata mais, saciando o desejo de uma sociedade psicopata representada pelo maluco-mor e que teve um ápice no bizarro vídeo de Witzel voando de helicóptero numa região pobre do Rio apontando uma metralhadora. Na maluquice em que vivemos, Witzel é hoje um dos representantes da ala judiciária dos lunáticos da Lava-Jato, enquanto Doria tenta se destacar como maluco de “centro”, o tipo de maluco que viaja o mundo defendendo o livre mercado enquanto saí matando internamente. Por trás do autódromo do Rio, há Witzel querendo chamar a atenção nacional e passar a perna em Doria.
A grande lição da gestão Doria em SP é que se deve fazer uma grande festa no anúncio de obras irrealizáveis. Ninguém vai lembrar quando não der certo. O fracasso do processo de privatização de Interlagos teve espaço quase nulo na mídia e Doria já pôde aproveitar os benefícios políticos do projeto que não aconteceu. A mesma coisa acontece agora com o autódromo do Rio. A quantidade de absurdos do projeto é inumerável e o anúncio de construção do autódromo poderia estar no roteiro de um filme surreal de Buñuel. Num primeiro momento, Bolsonaro diz que o autódromo será construído num terreno do Exército e será todo bancado pela iniciativa privada, “com custo zero para os cofres públicos”. A primeira questão básica é, se o terreno é público, logo há um custo na doação deste terreno, certo? É algo público que deixará de ser público por um valor de zero reais, logo???? A segunda parte é quem exatamente na iniciativa privada vai bancar o projeto? As mesmas empresas interessadas nos projetos de Doria em SP? Bolsonaro e Witzel anunciaram um custo de de R$ 850 milhões para o projeto. Quem calculou este valor? Uma vez que ainda não há interessados, quem achou este valor? Diz Bolsonaro ainda que o tempo de construção do autódromo é de oito meses e que ele já será usado na corrida do Brasil em 2020. Fora a impossibilidade de construção de um autódromo num prazo tão curto, a Fórmula 1 tem contrato com SP até 2020. Quem pagará a multa pela mudança no local da corrida? A Fórmula 1 aceitará correr sem testes num autódromo novo?
O autódromo do Rio provavelmente não sairá. Se sair, será de uma forma totalmente diferente da anunciada pelo maluco-mor e pelo juiz psicopata. Para eles, isto não importa. Ninguém se lembrará deste assunto daqui a alguns meses. O maluco e o psicopata já conseguiram o espaço que queriam. Aprenderam com Doria a manipular uma população sem memória e que não presta atenção em nada. Para dar apenas um exemplo, a Reforma Trabalhista geraria milhões de empregos. Não gerou. Agora é a Reforma da Previdência que gerará milhões de empregos. Não se dão nem ao trabalho de mudar de argumento. O futuro destes empregos gerados pelas Reformas é o mesmo do autódromo de Bolsonaro e Witzel e das privatizações de Doria...

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