quarta-feira, 29 de maio de 2019

Como a incompetência de Doria se transformou em sua maior qualidade




João Doria Jr. levou para sua carreira no setor público a principal característica que marcou sua vida no setor privado: a incompetência. Doria não possui nenhum trabalho bem-sucedido no setor privado. Filho de um importante deputado e publicitário, Doria Jr. conseguiu, graças ao prestígio e a riqueza do pai, empregos importantes nos setores privado e público já em sua juventude nos anos 1980. Passou despercebido como diretor de publicidade da Bandeirantes e foi demitido do cargo de presidente da Embratur no governo Sarney após uma malsucedida campanha publicitária para incentivar o turismo sexual no Brasil e uma infeliz (para não dizer babaca) ideia de criar um “turismo da seca”. Passou os anos 1990 e 2000, graças ao dinheiro do papai, comprando horários noturnos em canais de televisão para fazer um fracassado programa de entrevistas, que muito raramente chegavam a um ponto de audiência. A grande chance televisiva veio com a apresentação do programa O Aprendiz, substituindo Roberto Justus em algumas temporadas, também sem sucesso.
Neste meio tempo, ainda usando a influência positiva do pai, Doria Jr. fundou uma empresa chamada Lide que basicamente não produz nada. A principal função desta empresa é juntar empresários a políticos, principalmente do PSDB, para realização de lobby. Foi provavelmente desta proximidade que surgiu a ideia de entrar na política. Em 2016 tivemos a primeira eleição sem financiamento privado de empresas da nova República, o que abriu espaço para os seguintes profissionais na nossa política: profissionais de mídia, de esportes, de religião, do crime organizado e diversos milionários excêntricos puderam comprar vagas como candidatos em grandes partidos. Não à toa as três principais cidades do país naquela eleição elegeram um milionário excêntrico, um pastor de igreja evangélica e um ex-presidente de clube de futebol. Doria Jr. basicamente comprou a vaga de candidato no PSDB, subornando delegados do partido nas prévias e pagando as dívidas que a campanha ao governo do estado de Alckmin havia deixado em 2014. Toda a incompetência demonstrada em sua vida nos setores público e privado até aquele momento foram compensadas pela capacidade de Doria de entender qual o discurso que mais se adequava à população naquele momento. Surfando na onda antipetista, Doria conseguiu ser eleito no primeiro turno. Doria soube ler a mediocridade do eleitorado paulistano e se transformou em seu símbolo.
Sua gestão na prefeitura de SP foi marcada pela ineficiência, pela ineficácia, pela paralisia e pela pirotecnia. Doria soube como ninguém ler o que significa a tal da “nova política”, registrando tudo que fazia, quase como num reality show, e transformando intenções em realizações. Uma festa para inaugurar um banheiro público no centro da cidade e outra para receber duas ambulâncias que ficariam no acostamento da Marginal. Controle da notícia, o lançamento de uma pauta após a outra para chamar a atenção e, principalmente, para que ninguém notasse que a pauta anterior fracassou. O banheiro público foi fechado. As ambulâncias não estão na Marginal.
Doria é simplesmente incapaz de transformar algo em ato. Não consegue produzir nada. Prometeu vender tudo e não conseguiu vender nada, por exemplo. Simplesmente não consegue. Todo mundo que mora em SP sabe que foi só ele sair e, de certa forma, a gestão municipal começou a andar. Goste-se ou não de Bruno Covas, o fato é que ele já conseguiu neste pouco mais de um ano de gestão fazer mais do que Doria, até porque isto não é difícil. Bastaria, sei lá, pintar uma rua e isto já seria mais do que Doria. Goste-se ou não, foi só Bruno Covas assumir e ciclovias voltaram a ser planejadas, o Parque Minhocão começou a sair do papel, assim como o Parque Augusta, a Virada Cultural voltou a existir etc.
O principal motivo para Doria sair da prefeitura foi, além de saciar sua sede por poder pessoal, que quanto mais rápido ele saísse, maior era a possibilidade de esconder sua incompetência e continuar vendendo o personagem que encontrou no setor público algum sucesso. Deu certo. Puxando ao máximo o saco de Sérgio Moro e de Jair Bolsonaro, Doria conseguiu eleger se apresentando como soldado na guerra contra o “comunismo”. Não deixa de ser curioso que o pai de Doria, a quem ele deve sua carreira, foi expulso do Brasil em 1964 por pessoas com o mesmo tipo de argumento de Doria Jr. Na gestão estadual, Doria segue apresentando os mesmos “resultados” que apresentou na gestão municipal. Não há nada acontecendo. E, no atual momento, esta é a principal qualidade de Doria.
Vivemos a era mais terrível desde a redemocratização. Nada representa mais isto do que o assustador vídeo do governador do Rio, Wilson Witzel, sobrevoando uma comunidade pobre do estado apontando uma metralhadora e atirando a esmo. O aumento assustador do número de mortos em ações policiais no Rio mostra que, ao contrário de Doria, Witzel é “competente”. Prometeu matar e está matando. Doria também foi eleito com esta promessa e, embora os números mostrem também um aumento em mortes em confrontos policiais em SP, não é nada que se compara ao que acontece no Rio. Também não há nada indicando que vá conseguir tocar em frente as outras promessas de campanha. Ia vender tudo, mas provavelmente não vai conseguir vender nada, falou que ia fazer um super trem ligando SP e Campinas, mas ninguém se lembra disso direito. É bizarro, mas ainda bem que Doria é incompetente.
A incompetência de Doria o torna o político menos perigoso entre os quatro líderes mais importantes do país hoje. Não tem a capacidade de destruição da psicopatia de Bolsonaro e Witzel e da tosquice de Zema. Doria nem tenta mais fazer algo. Enquanto na prefeitura ele pelo menos fingia que estava limpando as ruas, na gestão estadual ele nem se preocupa com isso. Está viajando o mundo tentando defender as reformas de Paulo Guedes para um público que já concorda com elas. Doria quer se apresentar como opção para o mercado, abandonando completamente qualquer vontade de fingir que faz algo para apostar na autopromoção pura e simples. Só precisa achar o saco certo para puxar. Na eleição municipal, puxou o saco de Alckmin. Na eleição estadual, puxou o saco de Bolsonaro e Moro. Resta saber numa possível eleição em 2022 quem será o dono do saco a ser puxado. Tudo indica que vai ser Paulo Guedes. Mas Doria sabe adequar às pesquisas de opinião.

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