Durante as eleições de 2018,
formou-se um debate na Globo News com o objetivo de discutir o voto do
eleitorado nordestino. Buscavam entender por quê, em geral, os eleitores
daquela região não haviam se rendido ao “atraente” discurso do capitão
psicótico que havia seduzido o eleitorado do restante do país com suas “brilhantes” propostas de
perseguição às minorias, liberação das armas e combate aos profissionais de
educação. Na mesa e no vídeo para o debate estavam a apresentadora e mais um
convidado em SP, um correspondente no RJ, uma correspondente em Brasília e um
correspondente em Nova Iorque. Nenhum correspondente no Nordeste participava de
um debate sobre o comportamento do eleitorado nordestino. Naquela mesa formada
por pessoas que não sabiam muito bem do que estavam falando, foi o comentarista
de Nova Iorque que “matou a charada”. “O Bolsa-Família”, disse o engravatado
nova-iorquino, recebendo aplausos do restante do falso debate, em que todos
pensavam basicamente da mesma maneira.
A impressão que tenho é que a
principal função do comentarista de Nova Iorque nas nossas emissoras é ser o
especialista em tudo, condição adquirida pelo fato dele morar na cidade que é o
sonho de consumo dos consumidores do tipo de produto que estes meios de
comunicação. “Se ele mora em Nova Iorque, é porque deve ser bom”, pensa o
telespectador de classe média que liga neste tipo de telejornal para saber como
está o mercado de ações, no qual ele não investe, ou quais argumentos ele deve
usar para defender uma reforma da previdência que vai prejudica-lo. É
fundamental, apenas para o comentarista de Nova Iorque, que a sua imagem mostre
a cidade ao fundo. Enquanto os comentaristas de outras cidades aparecem num
estúdio fechado, o comentarista de Nova Iorque, na maioria das vezes, tem a cidade ao fundo para
mostrar que sim, ele realmente está lá. “Como somos chiques”.
Não importa o assunto e a
distância do local, o comentarista de Nova Iorque sempre está lá para dizer “a
verdade”. A Guerra da Ucrânia, o conflito no Iêmen, o processo de sucessão no
Partido Comunista Chinês. Estes lugares são bem distantes de Nova Iorque, mas
bem, é normal que o público ache que o comentarista de Nova Iorque tenha mais
condições de falar sobre estes assuntos, uma vez que ele está em Nova Iorque.
Nesta semana, o assunto que dominou a mídia foi, mais uma vez, a Venezuela.
Aparentemente tão perto, praticamente nenhum órgão de imprensa brasileiro, de
nenhuma ideologia, se deu ao trabalho de tentar colocar um jornalista para
fazer a cobertura in loco da situação. Lá estava, então, o correspondente de
Nova Iorque para nos contar a “realidade” da situação a uma distância maior do
que o Brasil. Lá estava ele falando que na Venezuela há mendigos, pessoas
passam fome e há filas quilométricas de desempregados buscando um emprego
informal. Não, não era de São Paulo, era da Venezuela que ele falava mesmo.
É óbvio que é importante ter um
comentarista em Nova Iorque. É o centro do país mais rico do mundo e qualquer
coisa que aconteça nos EUA tem grande influência por aqui. Dificilmente o
capitão psicótico teria sido eleito por aqui sem antes o empresário psicótico
ter sido eleito lá. O que questiono é a preguiça dos órgãos da nossa mídia em
ir até o local onde a informação realmente está acontecendo e a forma como este
comentarista simboliza o triunfo social da aparência sobre a essência.
Há outros simbolismos no
comentarista de Nova Iorque. Acho impressionante como, em geral, o brasileiro
nova-iorquino é progressista quando o assunto é EUA e reaça, ou no mínimo
covarde frente ao reaça, quando o assunto é Brasil. Cada massacre em escola nos
EUA é suficiente para um árduo debate na conexão SP-DF-RJ-NY sobre a situação
das armas nos EUA e o forte lobby que existe por lá. Quando o ministro da
Justiça por aqui facilitou a posse de armas no primeiro mês de governo, quase
nada foi dito sobre o assunto. Aliás, fico imaginando a reação do
correspondente de Nova Iorque se, digamos, um juiz condenasse Hillary pelo rolo
dos e-mails que decidiu a eleição americana em 2016 e, como prêmio, ganhasse de
Trump um ministério e a promessa de vaga na Suprema Corte Americana. O
correspondente de Nova Iorque iria surtar.
O brasileiro de classe média do
Sudeste e do Sul se sente próximo de Nova Iorque. Os filmes que assistem se passam
lá, as séries idem, as músicas contam a realidade de lá. É por isso que acham
normal ver mais correspondentes em Nova Iorque do que nas cidades nordestinos.
Este brasileiro, porém, por mais que se sinta nova iorquino, está mais para um
texano. Tem a mesma visão neurótica, violenta e preconceituosa. O capitão
psicótico é uma prova disso.
Por último, a emissora do
correspondente de Nova Iorque proibiu que fosse mencionada em sua programação
uma entrevista dada pelo grande inimigo do capitão psicótico, preso pelo juiz
que foi premiado com o ministério da Justiça. Provavelmente o correspondente de
Nova Iorque leu muito sobre esta entrevista em jornais nova iorquinos. Não
pode, porém, opinar sobre ela no trabalho em que é o “especialista”. A moral é
que não importa o quanto você estuda, onde você mora, nem o quanto você ganha.
No final das contas, você só vai poder dizer aquilo que seu chefe quer. É por
isso que é “corajoso”, por exemplo, ao denunciar o lobby das armas por lá, mas
silencia quando o mesmo acontece por aqui. O correspondente de Nova Iorque tem
Nova Iorque ao fundo, um belo terno e provavelmente um belo salário. Mas só cumpre
ordens.
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