quinta-feira, 2 de maio de 2019

O comentarista de Nova Iorque




Durante as eleições de 2018, formou-se um debate na Globo News com o objetivo de discutir o voto do eleitorado nordestino. Buscavam entender por quê, em geral, os eleitores daquela região não haviam se rendido ao “atraente” discurso do capitão psicótico que havia seduzido o eleitorado do restante do  país com suas “brilhantes” propostas de perseguição às minorias, liberação das armas e combate aos profissionais de educação. Na mesa e no vídeo para o debate estavam a apresentadora e mais um convidado em SP, um correspondente no RJ, uma correspondente em Brasília e um correspondente em Nova Iorque. Nenhum correspondente no Nordeste participava de um debate sobre o comportamento do eleitorado nordestino. Naquela mesa formada por pessoas que não sabiam muito bem do que estavam falando, foi o comentarista de Nova Iorque que “matou a charada”. “O Bolsa-Família”, disse o engravatado nova-iorquino, recebendo aplausos do restante do falso debate, em que todos pensavam basicamente da mesma maneira.
A impressão que tenho é que a principal função do comentarista de Nova Iorque nas nossas emissoras é ser o especialista em tudo, condição adquirida pelo fato dele morar na cidade que é o sonho de consumo dos consumidores do tipo de produto que estes meios de comunicação. “Se ele mora em Nova Iorque, é porque deve ser bom”, pensa o telespectador de classe média que liga neste tipo de telejornal para saber como está o mercado de ações, no qual ele não investe, ou quais argumentos ele deve usar para defender uma reforma da previdência que vai prejudica-lo. É fundamental, apenas para o comentarista de Nova Iorque, que a sua imagem mostre a cidade ao fundo. Enquanto os comentaristas de outras cidades aparecem num estúdio fechado, o comentarista de Nova Iorque, na maioria das vezes, tem a cidade ao fundo para mostrar que sim, ele realmente está lá. “Como somos chiques”.
Não importa o assunto e a distância do local, o comentarista de Nova Iorque sempre está lá para dizer “a verdade”. A Guerra da Ucrânia, o conflito no Iêmen, o processo de sucessão no Partido Comunista Chinês. Estes lugares são bem distantes de Nova Iorque, mas bem, é normal que o público ache que o comentarista de Nova Iorque tenha mais condições de falar sobre estes assuntos, uma vez que ele está em Nova Iorque. Nesta semana, o assunto que dominou a mídia foi, mais uma vez, a Venezuela. Aparentemente tão perto, praticamente nenhum órgão de imprensa brasileiro, de nenhuma ideologia, se deu ao trabalho de tentar colocar um jornalista para fazer a cobertura in loco da situação. Lá estava, então, o correspondente de Nova Iorque para nos contar a “realidade” da situação a uma distância maior do que o Brasil. Lá estava ele falando que na Venezuela há mendigos, pessoas passam fome e há filas quilométricas de desempregados buscando um emprego informal. Não, não era de São Paulo, era da Venezuela que ele falava mesmo.
É óbvio que é importante ter um comentarista em Nova Iorque. É o centro do país mais rico do mundo e qualquer coisa que aconteça nos EUA tem grande influência por aqui. Dificilmente o capitão psicótico teria sido eleito por aqui sem antes o empresário psicótico ter sido eleito lá. O que questiono é a preguiça dos órgãos da nossa mídia em ir até o local onde a informação realmente está acontecendo e a forma como este comentarista simboliza o triunfo social da aparência sobre a essência.
Há outros simbolismos no comentarista de Nova Iorque. Acho impressionante como, em geral, o brasileiro nova-iorquino é progressista quando o assunto é EUA e reaça, ou no mínimo covarde frente ao reaça, quando o assunto é Brasil. Cada massacre em escola nos EUA é suficiente para um árduo debate na conexão SP-DF-RJ-NY sobre a situação das armas nos EUA e o forte lobby que existe por lá. Quando o ministro da Justiça por aqui facilitou a posse de armas no primeiro mês de governo, quase nada foi dito sobre o assunto. Aliás, fico imaginando a reação do correspondente de Nova Iorque se, digamos, um juiz condenasse Hillary pelo rolo dos e-mails que decidiu a eleição americana em 2016 e, como prêmio, ganhasse de Trump um ministério e a promessa de vaga na Suprema Corte Americana. O correspondente de Nova Iorque iria surtar.
O brasileiro de classe média do Sudeste e do Sul se sente próximo de Nova Iorque. Os filmes que assistem se passam lá, as séries idem, as músicas contam a realidade de lá. É por isso que acham normal ver mais correspondentes em Nova Iorque do que nas cidades nordestinos. Este brasileiro, porém, por mais que se sinta nova iorquino, está mais para um texano. Tem a mesma visão neurótica, violenta e preconceituosa. O capitão psicótico é uma prova disso. 
Por último, a emissora do correspondente de Nova Iorque proibiu que fosse mencionada em sua programação uma entrevista dada pelo grande inimigo do capitão psicótico, preso pelo juiz que foi premiado com o ministério da Justiça. Provavelmente o correspondente de Nova Iorque leu muito sobre esta entrevista em jornais nova iorquinos. Não pode, porém, opinar sobre ela no trabalho em que é o “especialista”. A moral é que não importa o quanto você estuda, onde você mora, nem o quanto você ganha. No final das contas, você só vai poder dizer aquilo que seu chefe quer. É por isso que é “corajoso”, por exemplo, ao denunciar o lobby das armas por lá, mas silencia quando o mesmo acontece por aqui. O correspondente de Nova Iorque tem Nova Iorque ao fundo, um belo terno e provavelmente um belo salário. Mas só cumpre ordens.

Nenhum comentário:

Postar um comentário