Nesta semana assistimos às
entrevistas de quatro dos cinco principais candidatos à presidência no Jornal
Nacional. É inegável que é um dos momentos mais importantes da campanha, uma
vez que os candidatos tiveram a chance de falar com um público gigantesco,
aproximadamente 50 milhões de pessoas. O resultado foi um verdadeiro show de
horrores. Não por culpa dos candidatos, mas sim por culpa dos apresentadores.
Em algum momento da nossa
história recente se tornou “legal” para o jornalista enfrentar o político,
cortando-o sempre que possível. É sinal de “coragem” e o jornalista ganha um
mérito ainda maior quando consegue tirar o político do sério. Mostra seu
destempero. Político xingando vale milhões de visualizações no youtube, muitas
curtidas no facebook e retuítadas. Eu acredito que isto tenha começado com o
CQC. Não à toa os dois integrantes daquele programa que faziam este papel
grosseiro de ataque a políticos foram os que conseguiram maior destaque fora do
programa, Danilo Gentili e Monica Iozzi. O objetivo não era trazer a pauta
alguma reflexão importante ou debater os rumos do país, era pegar o político de
sopetão e fazê-lo se perder, agradando assim a sede de vingança de uma parte
dos telespectadores que consideram a classe política a causa de todos os males
que existem. O jornalista usando o político como escada.
Bonner e Renata pareciam
repórteres do CQC. As entrevistas se basearam basicamente em polêmicas quase
sempre inúteis, com o tempo sendo preenchido com os candidatos tentando
encontrar algum jeito de se livrar delas enquanto os jornalistas, passivamente,
interrompiam-os sempre que possível, fosse para fazer a mesma pergunta inútil
pela terceira vez ou para falar que queriam tratar de outro assunto no momento
em que o candidato finalmente tentava apresentar algo. O próximo assunto era
quase sempre uma picuinha tão ridícula quanto à da pergunta anterior.
Economia, saúde, mobilidade,
reforma política, tudo isto ficou em segundo plano para perguntas sobre
corrupção envolvendo aliados muitas vezes distantes, críticas a alianças feitas
e críticas a alianças não feitas. Na entrevista com Ciro, o candidato teve que
passar preciosos falando sobre uma denúncia que nem sabia que existia contra o
presidente do seu partido. Outros minutos foram perdidos falando sobre sua
relação com Kátia Abreu, em que teve que falar basicamente o óbvio, que ela é
diferente dele, afinal uma pessoa não é igual à outra. O mesmo aconteceu na
entrevista de Marina, quando ela teve que se explicar sobre Eduardo Jorge e com
Alckmin, quando este teve que se explicar sobre Ana Amélia. Política se faz com
alianças, afinal. Alckmin foi interrogado sobre o fato de ter feito alianças.
Foi criticado por apoiar Collor em AL. Collor que é o dono da afiliada da Globo
no estado, aliás. Marina foi interrogada sobre o fato de não ter feito
alianças. Até o momento em que os jornalistas começaram a criticar também as
alianças que Marina fez nos estados. Longos minutos que poderiam ser gastos com
saúde foram gastos para falar que REDE e PSDB estão juntas no Amapá.
Ciro tentou falar sobre sua
importante proposta de ajudar as pessoas a limparem o nome, sendo
ridicularizado por Bonner que o interrompia quando tentava explicar seu
programa. Marina tentou falar sobre meio ambiente, sua especialidade, sendo
cortada o tempo todo por Renata, que dizia que suas exigências ambientais
tornavam as licenças muito lentas. Alckmin tentava falar sobre reforma
política, sendo cortado pelos dois jornalistas que queriam saber sobre a Dersa.
Um dos principais motivos da crise política, econômica e sobretudo moral que
vivemos, que pode estar empurrando o país para uma onda fascista e autoritária,
é este comportamento da mídia, incapaz de levar qualquer profundidade aos
debates.
Num cenário em que ninguém
consegue espaço para apresentar propostas, sobressai-se aquele que não tem
nenhuma proposta para apresentar. Bolsonaro é o rei do bate-boca. Saiu de
deputado insignificante para segundo colocado nas pesquisas presidenciais desta
forma. É o único que está sempre preparado para o tipo de baixaria que o JN
forneceu. Numa entrevista que forneceu espaço apenas para polêmicas, pôde fazer
sua mensagem homofóbica, racista e machista chegar a um número nunca antes
visto de lares brasileiros. Os jornalistas, de forma irresponsável, deram todo
o espaço para ele expor seus pensamentos, tentando em seguida “lacrar”. Renata
Vasconcelos fez uma pergunta sobre desigualdade entre homem e mulher no mercado
de trabalho, claramente esperando o momento de uma réplica que a permitisse ser
a heroína da vez nas redes sociais. Ao comparar o salário de Bonner com o de
Renata, recebeu a resposta da jornalista
que não repetirei aqui, porque todos acho que já a viram. Resumindo, a
jornalista disse o seguinte: “Meu salário não é da conta de ninguém”. Desculpa,
mas é sim! Não o quanto ela recebe, claro, mas é da conta da sociedade sim se a
empresa em que ela trabalha paga salários diferentes para homens e mulheres.
Por isso, sim, é da nossa conta sim. Do mesmo jeito que é da nossa conta se a
empresa que ela trabalha não dá o espaço devido a pessoas negras na sua
programação. Disse em seguida que “jamais se sujeitaria a aceitar um trabalho
em que ganhasse menos que um homem”. Desculpa, mas provavelmente se sujeitaria
sim, e é este o X da questão. Como trabalhadores não temos outra opção, a não
ser que o Estado interfira ao nosso lado para igualar forças. Se ela hoje pode
não se sujeitar, isto é apenas um privilégio que pouquíssimas pessoas têm e
nada é mais ridículo do que se orgulhar de um privilégio. Por último, Renata
interpelou Bolsonaro sobre uma das muitas mentiras que o candidato fascista
propagou nos últimos anos e que o fizeram ganhar espaço na mídia, o tal do “kit
gay”. A boa tentativa petista de discutir igualdade e combater preconceito nas
escolas foi totalmente distorcida pela parte mais reacionária da mídia e do
congresso. Ao tentar mostrar o kit na TV, Renata pediu ao candidato que não o
mostrasse porque “crianças estavam assistindo”. Não. Definitivamente Renata não
lacrou.
A pior parte do bate-boca, porém,
veio quando Bonner interpelou Bolsonaro sobre a forma como o candidato fascista
ainda apoia o golpe de 1964. Bolsonaro respondeu, mais uma vez, citando o apoio
de Roberto Marinho ao golpe e perguntando, “o doutor Roberto Marinho não era um
democrata?”. Bonner foi incapaz de responder, “não, não era”, ficando
simplesmente em silêncio. Ele sabe a verdade, mas esta é menos importante do
que o seu emprego. E estamos falando de alguém consagrado, que conseguiria
outro emprego caso sua empresa o demitisse por dizer a verdade. Preferiu o
silêncio covarde. O fascismo triunfa não apenas pela manipulação de massas
desinformadas através do ódio. Triunfa também graças ao silêncio covarde de
letrados como Bonner. É a manifestação da banalidade do mal.