quinta-feira, 16 de agosto de 2018

O preconceito contra o Nordeste, a mídia e as eleições de 2018



O governador do Piauí, Wellington Dias foi até Brasília participar do lançamento da candidatura do ex-presidente Lula à Presidência da República. Durante o evento, foi questionado por uma jornalista se o plano B do PT, Fernando Haddad, conseguiria ser compreendido pelo eleitor do Nordeste. Uma pergunta do tipo: “Você acha que o ex-prefeito Haddad vai conseguir conversar com os nordestinos?”. A resposta do governador foi: “Sim, nós falamos português lá”.
O eleitor nordestino tem sido tratado como um “ente diferenciado” por toda grande mídia nestas eleições. Tudo que direi aqui se aplica também à forma como a Região Norte é vista e tratada, aliás. Analistas do Sudeste e do Sul se revezam para falar sobre as vontades e desejos deste eleitor, mas quase nunca este eleitorado tem algum espaço para expor suas opiniões. Sudeste e Sul aparecem como aqueles que acham que devem falar, enquanto acham que a função dos nordestinos é basicamente ouvir. Quebram a cabeça para explicar porque Lula segue forte na região, mesmo com a incessante cobertura jornalística visando à sua destruição. Dicas e conselhos sobre o que Alckmin deve fazer para “conquistar o eleitorado nordestino” são dadas em editoriais e terão muito possivelmente o mesmo final que estas mesmas dicas e conselhos tiveram para os candidatos tucanos em 2006, 2010 e 2014. Nenhum interesse em tentar entender, apenas em tentar "explicar". Um tom professoral sobre um assunto que claramente não entendem e não buscam entender.
A Globonews é um canal nacional e sem dúvida nenhuma relevante no cenário político atual. Assisti há alguns dias um debate de jornalistas sobre a eleição brasileira. Havia seis jornalistas. Um em São Paulo, uma no Rio, uma em Brasília, um em Buenos Aires, um em Nova Iorque e uma em Londres. Em algum momento o tema foi o eleitorado nordestino. Os seis concluíram rapidamente que a força do PT na região se deve exclusivamente ao Bolsa Família e mudaram de assunto. Na noite daquele mesmo dia, assisti a uma sabatina de jornalistas do canal com um dos candidatos à presidência. Se não me engano eram nove jornalistas, todos brancos e basicamente com a mesma opinião sobre todos os assuntos possíveis. Nenhum dos nove jornalistas era nordestino. São raros os casos de jornalistas nordestinos, aliás, que ganham algum espaço na mídia nacional em geral. Representação zero.
Ciro Gomes é o único candidato nordestino nesta eleição presidencial. Embora tenha nascido em SP, fez toda sua carreira no CE. Uma pergunta é frequente em todas as sabatinas que jornalistas do Sul e do Sudeste fazem a ele, o senhor é um “coroné”? Ciro tenta argumentar que não, afinal não exerce um cargo público eletivo no Executivo do seu estado há mais de 20 anos. A resposta não parece suficiente. O estado de SP é governado pela mesma pessoa basicamente desde o início desde século. O ex-prefeito da capital paulista é herdeiro de uma família de senhores de engenho escravocratas do período colonial. O atual prefeito de SP é neto do governador que praticamente criou o homem que governa o estado desde o início do século e tem no sobrenome a sua única força. “Covas sendo Covas é o seu slogan”. Nenhuma pergunta sobre “coronelismo” é feita para Geraldo Alckmin. O motivo é simples, o termo pejorativo é utilizado pelas mídias do Centro-Sul para se referir a uma região que não entendem e não querem entender, sem nenhum objetivo de melhorar o nível do debate ou trazer algum tipo de reflexão.
Sem nenhum programa que apresente a forma de pensar e a realidade do Nordeste, a Globonews possui um programa semanal de debates que se passa em Nova Iorque. Nele, dois jornalistas em Manhattan discutem política brasileira com um “jornalista” que mora em Veneza e um economista que mora em São Paulo. O “jornalista” de Veneza se chama Diogo Mainardi e nas últimas eleições, transtornado com a reeleição de Dilma Rousseff, comparou o eleitorado nordestino a uma boiada. “O Nordeste sempre foi bovino e atrasado”, ele disse. O economista é Ricardo Amorim, que entre muitas pérolas na eleição passada se destacou pelo Twitter “quem estuda, não vota na Dilma”, cometendo o erro gramatical de separar sujeito e verbo com uma vírgula.
São Paulo viveu uma verdadeira onda de ódio ao Nordeste no dia do segundo turno da eleição entre Dilma e Aécio. Frases xenófobas e propostas de separação do país eclodiram em redes sociais. Um da que se destacou foi um post de Coronel Telhada, deputado estadual mais votado do estado de SP, pelo PSDB. A íntegra é a seguinte: “Já que o Brasil fez sua escolha pelo PT, entendo que o Sul e o Sudeste (exceto MG e RJ, que optaram pelo PT) iniciem o processo de independência de um país que prefere esmola do que trabalho, que preferem a desordem ao invés da ordem, que preferem o voto de cabresto do que a liberdade. Por que devemos nos submeter a esse governo escolhido pelo Norte e pelo Nordeste? Eles que paguem o preço sozinho”. Isto foi dito, repito, pelo deputado estadual mais votado do PSDB – SP. Nenhum jornalista questionou Alckmin a este respeito nas sabatinas. “Governador, o que o senhor acha de alguém no seu estado achar que o Bolsa Família é esmola e se referir de forma tão preconceituosa à região Nordeste?”. Quem sabe um jornalista nordestino o faria.
Um dos motivos que explica a forte rejeição a Aécio Neves na região Nordeste nas eleições de 2014 foi linguístico. Ele utilizava com frequência o termo “leviana” para se referir à sua concorrente. Enquanto no Sul e no Sudeste esta palavra significa algo como imprudente, sem seriedade, no Nordeste o termo significa “biscate”. Basicamente uma parte significativa do país via Aécio chamando sua oponente de prostituta e simplesmente ninguém na grande mídia ou no PSDB percebeu o impacto que isto estava tendo.
A mídia brasileira não aposta na diversidade e no diálogo. Um programa, por exemplo, apenas com jornalistas nordestinos comentando as eleições segundo a ótica da realidade que eles vivem teria um impacto muito positivo. Serviria para abrir a mente do telespectador típico de um canal como a Globonews. Acompanhei a sabatina que Ciro participou em uma rádio maranhense e é impressionante como a dinâmica é outra, como as perguntas são diferentes e como isto pode nos ajudar a sair das nossas bolhas. Precisamos dar voz nacional a formadores de opinião de todos os locais do país. Infelizmente a grande mídia não parece interessada em fazer isto. Prefere manter seu telespectador arrogante e desinformado, forjando uma unanimidade criada por debates feitos por pessoas do Sudeste e do Sul brancas. Prefere tratar seus telespectadores de forma bovina.

Nenhum comentário:

Postar um comentário