O governador do Piauí, Wellington
Dias foi até Brasília participar do lançamento da candidatura do ex-presidente
Lula à Presidência da República. Durante o evento, foi questionado por uma jornalista
se o plano B do PT, Fernando Haddad, conseguiria ser compreendido pelo eleitor
do Nordeste. Uma pergunta do tipo: “Você acha que o ex-prefeito Haddad vai
conseguir conversar com os nordestinos?”. A resposta do governador foi: “Sim,
nós falamos português lá”.
O eleitor nordestino tem sido
tratado como um “ente diferenciado” por toda grande mídia nestas eleições. Tudo
que direi aqui se aplica também à forma como a Região Norte é vista e tratada,
aliás. Analistas do Sudeste e do Sul se revezam para falar sobre as vontades e
desejos deste eleitor, mas quase nunca este eleitorado tem algum espaço para
expor suas opiniões. Sudeste e Sul aparecem como aqueles que acham que devem
falar, enquanto acham que a função dos nordestinos é basicamente ouvir. Quebram
a cabeça para explicar porque Lula segue forte na região, mesmo com a
incessante cobertura jornalística visando à sua destruição. Dicas e conselhos
sobre o que Alckmin deve fazer para “conquistar o eleitorado nordestino” são
dadas em editoriais e terão muito possivelmente o mesmo final que estas mesmas
dicas e conselhos tiveram para os candidatos tucanos em 2006, 2010 e 2014. Nenhum interesse em tentar entender, apenas em tentar "explicar". Um tom professoral sobre um assunto que claramente não entendem e não buscam entender.
A Globonews é um canal nacional e
sem dúvida nenhuma relevante no cenário político atual. Assisti há alguns dias
um debate de jornalistas sobre a eleição brasileira. Havia seis jornalistas. Um
em São Paulo, uma no Rio, uma em Brasília, um em Buenos Aires, um em Nova
Iorque e uma em Londres. Em algum momento o tema foi o eleitorado nordestino.
Os seis concluíram rapidamente que a força do PT na região se deve
exclusivamente ao Bolsa Família e mudaram de assunto. Na noite daquele mesmo
dia, assisti a uma sabatina de jornalistas do canal com um dos candidatos à
presidência. Se não me engano eram nove jornalistas, todos brancos e
basicamente com a mesma opinião sobre todos os assuntos possíveis. Nenhum dos
nove jornalistas era nordestino. São raros os casos de jornalistas nordestinos,
aliás, que ganham algum espaço na mídia nacional em geral. Representação zero.
Ciro Gomes é o único candidato
nordestino nesta eleição presidencial. Embora tenha nascido em SP, fez toda sua
carreira no CE. Uma pergunta é frequente em todas as sabatinas que jornalistas
do Sul e do Sudeste fazem a ele, o senhor é um “coroné”? Ciro tenta argumentar
que não, afinal não exerce um cargo público eletivo no Executivo do seu estado
há mais de 20 anos. A resposta não parece suficiente. O estado de SP é
governado pela mesma pessoa basicamente desde o início desde século. O
ex-prefeito da capital paulista é herdeiro de uma família de senhores de
engenho escravocratas do período colonial. O atual prefeito de SP é neto do
governador que praticamente criou o homem que governa o estado desde o início
do século e tem no sobrenome a sua única força. “Covas sendo Covas é o seu
slogan”. Nenhuma pergunta sobre “coronelismo” é feita para Geraldo Alckmin. O
motivo é simples, o termo pejorativo é utilizado pelas mídias do Centro-Sul
para se referir a uma região que não entendem e não querem entender, sem nenhum
objetivo de melhorar o nível do debate ou trazer algum tipo de reflexão.
Sem nenhum programa que apresente
a forma de pensar e a realidade do Nordeste, a Globonews possui um programa
semanal de debates que se passa em Nova Iorque. Nele, dois jornalistas em
Manhattan discutem política brasileira com um “jornalista” que mora em Veneza e
um economista que mora em São Paulo. O “jornalista” de Veneza se chama Diogo
Mainardi e nas últimas eleições, transtornado com a reeleição de Dilma
Rousseff, comparou o eleitorado nordestino a uma boiada. “O Nordeste sempre foi
bovino e atrasado”, ele disse. O economista é Ricardo Amorim, que entre muitas
pérolas na eleição passada se destacou pelo Twitter “quem estuda, não vota na
Dilma”, cometendo o erro gramatical de separar sujeito e verbo com uma vírgula.
São Paulo viveu uma verdadeira
onda de ódio ao Nordeste no dia do segundo turno da eleição entre Dilma e Aécio.
Frases xenófobas e propostas de separação do país eclodiram em redes sociais.
Um da que se destacou foi um post de Coronel Telhada, deputado estadual mais
votado do estado de SP, pelo PSDB. A íntegra é a seguinte: “Já que o Brasil fez
sua escolha pelo PT, entendo que o Sul e o Sudeste (exceto MG e RJ, que optaram
pelo PT) iniciem o processo de independência de um país que prefere esmola do
que trabalho, que preferem a desordem ao invés da ordem, que preferem o voto de
cabresto do que a liberdade. Por que devemos nos submeter a esse governo
escolhido pelo Norte e pelo Nordeste? Eles que paguem o preço sozinho”. Isto
foi dito, repito, pelo deputado estadual mais votado do PSDB – SP. Nenhum
jornalista questionou Alckmin a este respeito nas sabatinas. “Governador, o que
o senhor acha de alguém no seu estado achar que o Bolsa Família é esmola e se
referir de forma tão preconceituosa à região Nordeste?”. Quem sabe um
jornalista nordestino o faria.
Um dos motivos que explica a
forte rejeição a Aécio Neves na região Nordeste nas eleições de 2014 foi
linguístico. Ele utilizava com frequência o termo “leviana” para se referir à
sua concorrente. Enquanto no Sul e no Sudeste esta palavra significa algo como
imprudente, sem seriedade, no Nordeste o termo significa “biscate”. Basicamente
uma parte significativa do país via Aécio chamando sua oponente de prostituta e
simplesmente ninguém na grande mídia ou no PSDB percebeu o impacto que isto
estava tendo.
A mídia brasileira não aposta na
diversidade e no diálogo. Um programa, por exemplo, apenas com jornalistas
nordestinos comentando as eleições segundo a ótica da realidade que eles vivem
teria um impacto muito positivo. Serviria para abrir a mente do telespectador
típico de um canal como a Globonews. Acompanhei a sabatina que Ciro participou
em uma rádio maranhense e é impressionante como a dinâmica é outra, como as
perguntas são diferentes e como isto pode nos ajudar a sair das nossas bolhas. Precisamos dar voz nacional a formadores de opinião de todos os locais do país. Infelizmente a grande mídia não parece interessada em fazer isto. Prefere manter
seu telespectador arrogante e desinformado, forjando uma unanimidade criada por
debates feitos por pessoas do Sudeste e do Sul brancas. Prefere tratar seus
telespectadores de forma bovina.
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